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Novas produções sul-americanas narram, por meio da ficção, como era o pesado cotidiano das sociedades sob os regimes militares no continente. Ao mostrarem o arbítrio dos tiranos, valorizam a democracia e jogam luz sobre o tema para as novas gerações
Ditaduras reveladas: cineastas revisitam anos de chumbo da América do Sul
Cena de '1976', sobre a ditadura chilena (Crédito:Divulgação)
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a presença de jovens em manifestações que pediam a volta do regime militar causava uma certa estranheza. Afinal, não apenas no Brasil, como em toda a América do Sul, o movimento estudantil foi um dos principais núcleos de resistência ao autoritarismo que torturava e matava quem ousava se levantar contra ele. A verdade é que muitos que passaram a elogiar ditaduras o faziam sem noção exata do que se passou, baseados geralmente em desinformação espalhada pelas redes sociais. Uma leva de filmes sobre os regimes militares que dominaram a América do Sul na segunda metade do século 20 conta com exatidão a história desse período.
Ao exibirem ficções de época, as plataformas de streaming se tornaram veículos perfeitos para iluminar o que realmente aconteceu naqueles sombrios tempos de arbítrio.
Chile silenciado
O filme mais recente é 1976 , longa que acaba de estrear na Netflix sobre a ditadura chilena. Estrelado por Aline Küppenheim e baseado em fatos reais, o filme dirigido por Manuela Martelli conta a história de Carmen, mulher rica que ajuda um jovem ferido, integrante de um grupo que se rebela contra o ditador Augusto Pinochet.
O roteiro sensível é uma boa prova de que expor a crueldade dos regimes não gera um filme necessariamente violento. Não há aqui armas pesadas ou tiroteios, mas algo que talvez seja ainda pior: o silêncio e a apatia da alta sociedade chilena diante de um governo que assassinava sumariamente seus próprios cidadãos.
A personagem Carmen se choca ao perceber que sua própria família, preocupada em manter o status quo, prefere fechar os olhos quando se depara com os assassinatos a mando de Pinochet.
Argentina sob revisão
Formato semelhante já havia sido utilizado em Argentina, 1985 , produção dirigida por Santiago Mitre que concorreu ao Oscar de Filme Estrangeiro no início do ano.
O longa detalha o trabalho da comissão criada pelo presidente Raúl Alfonsín, em 1983, para julgar a ditadura. Cerca de 30 mil pessoas foram mortas no país, incluindo acusados que eram jogados de aviões em alto-mar — os chamados “voos da morte”.
Em vez de tiros e perseguições, porém, as armas para revelar a selvageria contra a população são os argumentos contundentes do promotor Julio Strassera, interpretado com maestria por Ricardo Darín.
Brasil: revolução na Amazônia
Ao contrário da Argentina, a promulgação da Lei da Anistia, em 1979, com o princípio da reciprocidade, impediu que o Brasil julgasse os crimes ocorridos no período. Mas os cineastas nacionais também têm apresentado suas visões.
O mais recente a chegar às telas é O Pastor e o Guerrilheiro , de José Eduardo Belmonte. Em cartaz nos cinemas, o longa tem como base uma história real registrada no livro Araguaia: Relatos de um Guerrilheiro , de Glênio Sá.
A trama se passa em 1968, quando um universitário ingressa no movimento que pretendia promover uma revolução socialista a partir da Amazônia.
Após ser preso e torturado, ele conhece um pastor também aprisionado por ter sido confundido com um líder comunista. Tem início aí uma relação de companheirismo, que une a dupla para enfrentar os horrores da prisão.
O Brasil tem um bom histórico de filmes sobre a ditadura militar. Além de documentários e produções que focam mais no confronto armado, como Marighella e Lamarca, principais líderes revolucionários da época, há uma série de produções que remetem mais ao caos emocional que ao arbítrio que causou ao País.
Em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias , do diretor Cao Hamburger, um garoto relata o exílio dos familiares de esquerda; na série Magnífica 70 , um censor é alojado para trabalhar em uma produtora de filmes pornográficos e se apaixona por uma atriz.
A abordagem mais leve, porém, não torna o tema mais palatável. Os filmes já vistos e os recentes são essenciais para mostrar às novas gerações que não há dúvidas: os ditadores e os seus aliados são vilões de verdade.