Arquivo do SNI expõe relação entre traficante e agentes públicos de MS
As informações sobre os relatórios confidenciais foram retiradas do site mantido pelo projeto Memórias Reveladas ou Centro de Referência das Lutas Políticas, 1964—1985, criado em 13 de maio de 2009 pelo governo federal.
Sob provocação de um leitor atento, a
Capivara Criminal
deste domingo volta a falar de Gerson Palermo, o “Pigmeu”, classificado em vários documentos oficiais como um dos maiores traficantes do país. Palermo virou fantasma, e deixou um rastro de polêmica, dois anos atrás, no feriado de 21 de abril, depois de sair da prisão em Campo Grande usando tornozeleira. O equipamento foi danificado no mesmo dia e o condenado sumiu.
O episódio de sua soltura, sob vigilância eletrônica que se mostrou incapaz de conter o criminoso, é alvo de apuração no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em relação à conduta do desembargador Divoncir Schreiner Maran, responsável pela liminar favorável à defesa do sentenciado a mais de cem anos de reclusão.
Maran, relembra esta edição da coluna, não foi o primeiro detentor de cargo público a ficar sob suspeita de beneficiar um homem tão perigoso quanto “Pigmeu”.
Há indícios de que Palermo, para conseguir escapar ao cumprimento das condenações e continuar traficando drogas e cometendo crimes correlatos, mantinha relações promíscuas com autoridades desde muito tempo.
Relatos desse tipo constam de documentos do banco de dados Memórias Relevadas, projeto criado em 2009 pelo governo federal, no qual é possível consultar documentos desde o tempo em que o Brasil mantinha o SNI (Serviço Nacional de Informações). Era o antigo esquema oficial de arapongagem, responsável por exemplo pelas fichas de pessoas perseguidas durante o regime ditatorial.
Gerson Palermo, conforme a dica dada pela fonte citada no início desse texto, é personagem de relatórios que constam no banco, indicando relações ilegais com integrantes das forças de segurança.
Um dos documentos, de 1989, fala de dois sargentos da Força Aérea Brasileira foram expulsos em terras sul-mato-grossenses por dar cobertura a ações de Palermo envolvendo a aviação, já que era piloto.
Entrevista intermediada por PM
Em outro episódio – que consta de relatórios no banco de dados- é detalhada situação ocorrida quando Palermo estava foragido de Campo Grande e tudo indicava estar vivendo no Paraguai, na linha de fronteira.
Segundo consta, em julho de 1988, um capitão da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, então na chefia Departamento de Informações da Secretaria de Segurança Pública, foi responsável por intermediar encontro entre Palermo e um jornalista do Rio de Janeiro, em Pedro Juan Caballero, a cidade paraguaia gêmea de Ponta Porã, no Brasil.
O encontro, de acordo com a documentação, ocorreu em um restaurante e o transporte da equipe foi feito em avião do governo do estado.
São relacionados nomes, que aqui serão preservados. Até o chefe da Polícia Federal no estado é citado. Conforme a declaração de Parlemo aos policiais, transcrita no relatório confidencial, os policiais que o foragido no Paraguai pretendia executar tinham envolvimento com negócios ilegais, inclusive tráfico, e não eram punidos.
No mesmo material, há a resposta dada pela Secretaria de Segurança Pública da época sob a intermediação desse tal encontro.
Titular da pasta nesse período, Francisco Leal de Queiroz, já falecido, respondeu negando qualquer envolvimento de militar no combinado entre “Pigmeu” e o jornalista, a partir de provocação da Polícia Federal.
“Desculpe-me Sr. Dr. Delegado, não usamos métodos mesquinhos como ali faz crer, vez que qualquer atitude que tiver de ser tomada por parte desta Pasta, ou do Exm9. Sr. Governador do Estado, o será de forma clara, limpa, sem subterfúgios e através dos escalões superiores”, prossegue a resposta, extraída da papelada arquivada.
Essa documentação foi encaminhada para a direção da PF, então presidida pelo famoso delegado Romeu Tuma, que veio a virar político depois.
Não há notícias de que tenha havido punição em torno dessa circunstância. A coluna também não localizou conteúdo relativo à entrevista pivô do informativo ao SNI. Conforme os escritos, foram feitas observações sobre a atuação das equipes da PF na época, sem indícios de comportamento inadequado.
Fato é que Palermo era tido como criminoso perigoso desde os anos 1980 manteve-se nesse status, com idas e vindas da prisão.
De acordo com as informações confidenciais do serviço de espionagem federal da época, ele tinha ligações com traficantes do Mato Grosso, do Rio de Janeiro e também de São Paulo, de onde partiu uma das ordens de prisão.
“Em 24 SET 87, o Juiz de Direito da 4 Vara Criminal da Comarca de SÃO PAULO/SP, expediu um Mandado de Prisão Preventiva contra GERSON PALERMO e outros, referente c Processo de n2 056/84, em razão de seu envolvimento com o tráfico de entorpecentes e contrabando de éter e acetona para a BOLÍVIA”, está anotado.
Em Campo Grande, consta de outro documento, a Polícia Federal informa que na casa de Palermo na Vila Caiçara, foi encontrada carga de quase 300 quilos de cocaína, e que o dono não foi localizado. A descoberta da carga foi um dia depois da prisão expedida em São Paulo.
Leia Mais
Como já foi descrito pela
Capivara Criminal
, a vida de Palermo do lado do crime não se resumiu ao narcotráfico. Ele foi condenado por envolvimento no sequestro de avião da Vasp, com 60 pessoas a bordo, no Paraná, seu estado de origem.
Estava preso, pela última vez do presídio de segurança máxima do complexo do bairro Noroeste, em Campo Grande, de onde saiu com decisão liminar concedida num plantão, acatando argumento de que poderia pegar covid, em 2020, por ter mais de 60 anos, além de apresentar comorbidades.
Até hoje, nada de Palermo, e sua fama chefia de desrespeitos à lei segue cada vez com mais capítulos.
Quem tiver notícia do paradeiro dele pode denunciar à polícia, de forma anônima.
Memórias Reveladas
As informações sobre os relatórios confidenciais foram retiradas do site mantido pelo projeto
ou Centro de Referência das Lutas Políticas, 1964—1985, criado em 13 de maio de 2009 pelo governo federal.
A iniciativa é vinculada ao Arquivo Nacional do Ministério da Justiça, a partir da decisão de 2005 do governo federal de determinar a transferência de documentos públicos mantidos sob sigilo em arquivos da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), para o Arquivo Nacional.
Qualquer pessoa pode acessar e fazer buscas.
E se você tem uma sugestão para a
Capivara Criminal
, entre em contato por meio das redes sociais informadas nesta página.