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“Imagem-Testemunho” reúne obras de ex-presos políticos durante a ditadura militar brasileira. Confira mais na fotorreportagem abaixo
A arte de resistir durante a ditadura
por Mavi Faria
“Uma exposição para não esquecermos desse período difícil e violento da nossa história, e também para homenagear as pessoas que lutaram contra a ditadura no país”. É assim que a curadora Priscila Arantes define a mostra “Imagem-Testemunho: experiências artísticas de presos políticos na ditadura civil-militar”, do Centro MariAntonia da USP, em parceria com o Memorial da América Latina.
Pinturas, desenhos, esculturas e pirogravuras dos mais diversos tipos integram as 40 obras expostas, feitas por 12 ex-presos políticos: Aldo Arantes, Alípio Ferreira, Ângela Rocha, Artur Scavone, Carlos Takaoka, José Wilson, Manoel Cyrillo, Regis Andrade, Sérgio Ferro, Sérgio Sister, Rita Sipahi e Yoshiya Takaoka.
Produzidas dentro de diversos centros penitenciários de São Paulo durante a ditadura civil-militar, incluindo o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), as obras conversam entre si pela linha temática, e não pela estrutural ou performática. O estilo e a técnica empregada por cada artista são únicos — indo do lápis, da caneta, da madeira, da tinta, ao tecido — e permitem que o espectador vislumbre aquele momento da vida de cada artista por sua perspectiva.
O compartilhamento dessas histórias não fica restrito às obras: nas salas de exposições, há vídeos dos ex-presos políticos relatando vivências e o processo envolvendo as obras expostas. A inclusão desses arquivos em vídeo, para Priscila, é essencial para garantir que o visitante “tenha acesso à história daquele artista”.
Muito além de um trabalho a ser admirado, as obras são um recado e lembrete político de um tempo sensível da história brasileira. Justamente por essa característica, ela conta que a seleção das obras foi feita “com diálogo e escuta aos ex-presos políticos”.
O ato de lembrar e resistir ainda emociona Manoel Cyrillo, um dos artistas da mostra. Preso de 1969 a 1979, após participar durante 9 meses da guerrilha urbana Ação Libertadora Nacional (ALN), – incluindo o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick e da tomada da Rádio Nacional –, ele afirma que “se a mesma história voltasse a se concretizar, eu faria tudo de novo”.
A interseção entre a arte e a militância viria na cadeia, onde, pela necessidade de ajudar familiares e companheiros que precisavam de dinheiro, ele e outros presos começaram a produzir trabalhos a partir de um curso de arte oferecido no presídio. Embora já habituado com a caneta nanquim, Manoel realmente se encontrou no pirógrafo, ferramenta de desenho com o fogo.
“Quando eu e os companheiros fazíamos uma pirogravura, todos que concordavam com o nosso desenho, que sempre tinha um cunho social bem forte, assinavam e doávamos para para espalhar a mensagem”. Para driblar a censura, as obras muitas vezes precisavam sair escondidas com os familiares que os visitavam. Mas, quando o destinatário era uma personalidade da época, como Mercedes Sosa, cantora argentina, ou Jorge Amado, elas saíam pela porta da frente.
Manoel acredita que a arte, por si só, não é resistência. Mas, dentro daquelas celas, elas adquiriram esse teor. “Fazer arte sem o cunho revolucionário é só arte. Resistimos como presos políticos”.
Confira a fotorreportagem da mostra
O Centro MariAntônia se localiza na Rua Maria Antônia, 258/294, Vila Buarque – São Paulo, SP, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do metrô. Aberto de terça a domingo, das 10h às 18h. Entrada gratuita.
Fonte: Jornal do Campus, 05/07/2023
Disponível: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2023/07/a-arte-de-resistir-durante-a-ditadura/