Contexto
A Constituição Federal, fruto do amplo processo de redemocratização do país, contando com a mobilização de representantes indígenas, seus aliados da sociedade civil e parlamentares sensíveis aos direitos das minorias étnicas, rompe com a perspectiva integracionista da legislação e da política indigenista vigentes até então e reconhece a pluralidade linguística e a multietnicidade da sociedade brasileira. O Artigo 231 reconhece aos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (grifo nosso). O Artigo 210, Parágrafo 2º, assegura “a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. O Artigo 215, Parágrafo 1º, dispõe que o Estado protegerá as “manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.
Na Convenção 169 da OIT, o tratamento a ser dado à diversidade linguística está orientado pelo Artigo 28 “... deve-se ensinar às crianças a ler e escrever na sua própria língua indígena”, ressalvando que, quando isso não for viável, “as autoridades deverão fazer consultas com esses povos com vistas a se adotar medidas que permitam atingir esse objetivo”. Além disso, dispõe que deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas indígenas dos povos interessados e promover o desenvolvimento e prática das mesmas.
No Brasil são faladas, aproximadamente 274 línguas indígenas, sobreviventes de um processo de perdas linguísticas desde o período colonial. De acordo com os estudiosos, existiriam 1500 línguas originárias, sendo que 85% dessas línguas foram extintas em processos de assimilação que se valeram de estratégias de violência física e simbólica para a imposição da língua portuguesa.
Os dados do Censo Escolar do INEP/2023, relacionados às escolas indígenas e aos docentes com atuação na Educação Escolar Indígena, mostram inúmeros desafios para a garantia do direito à educação de qualidade e com equidade aos povos indígenas. Neste cenário, algumas evidências são bastante latentes, e têm orientado a condução das políticas e programas em curso no Ministério da Educação.
São desafios da Educação Escolar Indígena: a oferta de ensino médio e dos anos finais do ensino fundamental em Terras Indígenas; a oferta de formação inicial e continuada específica para professores indígenas; a situação funcional dos professores que atuam em escolas indígenas; a construção de escolas indígenas; a qualificação da infraestrutura física escolar e a organização da Educação Escolar Indígena em Territórios Etnoeducacionais.
Segundo o Censo da Educação Básica/INEP/2022 (INEP), há carência de oferta de ensino médio e de oferta dos anos finais do ensino fundamental em Terras Indígenas, pois apenas 15,28% das escolas, em Terras Indígenas, ofertam ensino médio. Das 177.972 matrículas no ensino fundamental, apenas 73.396 são matrículas nos anos finais do ensino fundamental (41,24%).
Segundo a comparação entre o Censo Escolar do INEP de 2013 e 2022, houve um aumento dos professores indígenas com formação inicial. Em 2013, apenas 25% possuíam ensino superior, enquanto, em 2022, esse número representou 47%. Apesar desses dados indicarem um avanço significativo na qualificação profissional dos docentes, os números ainda demonstram a necessidade de forte investimento em políticas de formação de professores da Educação Escolar Indígena.
A formação específica inicial e continuada para professores indígenas é reduzida. Os cursos de Licenciatura Intercultural Indígena (Prolind) e os cursos da Ação Saberes Indígenas na Escola, ofertados por instituições federais de ensino superior, com fomento da Secadi/MEC, são insuficientes para atender a demanda. Conforme o Censo da Educação Básica 2022 (INEP), apenas 3.409 professores de escolas indígenas (14,27%) fizeram cursos de formação continuada específicos. Nesse sentido, existe carência de professores bilingues qualificados para alfabetizar crianças indígenas.
Com relação à situação funcional dos professores que atuam em escolas indígenas, 4.396 professores são concursados efetivos; 19.406 possuem contratos temporários; 68 possuem contratos de terceirizados e 350 possuem contratos CLT. Como apenas três secretarias estaduais de educação possuem planos de carreiras específicos de professores indígenas: Amapá, Bahia e Roraima, 81,24% dos professores que atuam em escolas indígenas são temporários e, apenas, 18,40% são concursados efetivos, segundo o Censo da Educação Básica 2022 (INEP).
A infraestrutura das escolas indígenas é inadequada às especificidades da Educação Escolar Indígena, considerando a baixa existência de prédios escolares com equipamentos, alimentação escolar, material didático bilingue/multilingue, acesso à energia elétrica, internet e transporte escolar, necessários ao funcionamento específico das unidades escolares.
Embora criada pelo Decreto nº 6.861, de 2009, institucionalizada pela Portaria nº 1.062, de 30 de outubro de 2013 e reconhecida pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024, a Política dos TEEs não logrou incorporar esses novos espaços interinstitucionais ao ciclo de políticas públicas da EEI, apesar de ter reunido e pactuado 25 (vinte e cinco) dos 41 (quarenta e um) territórios projetados, devido à sua diversidade e complexidade político-administrativa.