27/8/2019
Entrevista com a advogada
Diana de Lima e Silva
O que motivou a elaboração de uma lei municipal sobre abuso e tráfico ilícito de drogas em Curitiba (PR), considerando já existir uma lei federal sobre a mesma matéria?
A lei de drogas, Lei Federal nº. 11343, existe desde 2006 e, apesar do longo tempo, observamos a precária aplicação e falta de conhecimento da sociedade e os crescentes prejuízos sociais, com implicações negativas pelo uso indevido de drogas. Em 2014, formamos um grupo de estudos com representantes do meio acadêmico, Ministério Público e Comunidades Terapêuticas, e resolvemos estudar uma nova forma de atuação.
Como a lei foi viabilizada? Não seria redundante?
Discutimos justamente isso. Queríamos a força de uma lei federal, mas de uma forma prática, adequada às características locais, com vistas a alcançar as necessidades da população de forma protetiva à saúde e ao bem-estar, principalmente ao público mais vulnerável. Aproveitando a permissão constitucional dada aos municípios de poder legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar à legislação federal, no que couber, tendo, pois, competência legislativa concorrente e comum, elaboramos uma proposta de lei pensando nas características locais e encaminhamos ao vereador Tico Kusma para viabilizar em lei junto à Câmara Municipal e na prefeitura.
A proposição legal foi apresentada em 2014 e, só em 2019, transformada em lei. Por quê?
Desde 2014, o grupo de estudos e o vereador vinham tentando um consenso com a prefeitura para aprovação. No mesmo ano o projeto de lei foi divulgado na imprensa nacional, o que motivou polêmica e manifestações de grupos locais contrários, a maioria deles a favor da liberdade de usar drogas. Houve alegação de inconstitucionalidade na cobrança de multa e notificação por guardas municipais. Enquanto isso, a divulgação serviu como modelo para outros municípios brasileiros. Curitiba perdeu o ineditismo da lei, alterou a proposição, retirando a multa, até porque o objetivo era chamar atenção de forma preventiva e educativa, encaminhando o infrator a palestras e grupos de mútua ajuda, sem contar com recurso que poderia advir da penalidade. Em 2018, a nova gestão municipal apoiou o projeto de lei e os vereadores também. O prefeito Rafael Greca sancionou a norma em 26 de junho de 2019, no Dia Internacional Contra o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas, implementado pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Assembleia Geral de 1987.
A polêmica continua?
Sim. A polêmica está concentrada agora nas placas educativas. Essas placas fazem todo o diferencial para ajudar na prevenção do uso e alertar para consequências, inclusive judiciais. Todavia, elas sempre estiveram no texto legal, desde o início, e ninguém as criticou. Agora, sendo instaladas, há quem se posicione contrariamente.
Para que servem as placas e onde serão instaladas?
As placas servem como orientação, como contraponto para os riscos da dependência química e demais transtornos que podem decorrer do consumo de substâncias psicoativas. Servem para fundamentar direitos, alertar sobre danos que podem resultar em prejuízos à saúde física, mental, econômica ou social.
No caso de drogas ilícitas, o usuário está sujeito à alçada judicial, mesmo que não esteja usando, mas, se estiver portando ou oferecendo gratuitamente a outros, estará cometendo um ato ilícito. As frases nas placas não só informam sobre os danos à saúde, mas também advertem sobre o cometimento da infração penal e sua consequência. Um dos objetivos é despertar atenção do público mais vulnerável: crianças, adolescentes, mulheres e idosos. O consumo pode provocar efeitos agudos que podem levar à morte do usuário, pois há drogas que, ao provocar alucinações ou outro transtorno, resultam no descontrole, desequilíbrio emocional, falta de percepção de riscos, acidentes fatais na condução de veículo, violência, blecaute (perda de consciência), estupro, gravidez indesejada, entre outros. Estrategicamente, as placas serão colocadas nas praças, nos parques, no entorno das instituições de ensino, em quaisquer locais de concentração de crianças, adolescentes, jovens, gestantes e idosos, e demais logradouros públicos do município.
Quantas placas serão distribuídas na cidade?
No total, serão 160 placas de metal. Deverão ser instaladas gradualmente, começando com 50, posteriormente mais 60 e depois 50 placas em todo o município de Curitiba. Cada placa conterá frases diferentes, inclusive na frente e no verso.
O que leva a crer que as placas surtirão efeito?
Temos propagandas diárias de estímulo ao uso de drogas lícitas, como o álcool, que surtem o efeito esperado pelas indústrias cervejeiras, ou seja, aumento cada vez maior nas vendas, alcançando crianças e adolescentes, criando uma atmosfera de normalidade de uso, inclusive de familiar aceitação, que tem levado muitos à demência, suicídio, violência doméstica, morte por acidentes ou incidentes, entre outros malefícios. Por que não trazer uma mensagem diferente e real? Embora as placas não tenham o alcance da mídia publicitária, estarão instaladas em locais estratégicos e de consumo, com frases baseadas em evidências científicas e na lei de drogas e que podem ajudar na prevenção ou despertar para a busca de tratamento. O Relatório Mundial sobre Drogas de 2019 revela que as consequências adversas para a saúde decorrentes do uso de drogas são mais severas e generalizadas do que se pensava anteriormente, portanto, as informações insertas nas placas revelam o caminho correto. Contém informações necessárias à saúde e ao bem-estar. É um começo que quebra o silêncio incomodo de muitas pessoas.
O projeto de lei foi apreciado pelo Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas?
Sim, o vereador Tico Kusma enviou ao conselho, em 18 de junho de 2018, o seu projeto de lei e solicitou um parecer ou um posicionamento de caráter opinativo sobre a proposição. A Comissão de Legislação do Conselho, com ressalvas a eventuais consequências no âmbito penal, e poucas emendas, considerou positiva e se posicionou favoravelmente à proposta, em vista do caráter protetivo para os habitantes. Ao final, a comissão encaminhou ao pleno do conselho, e por unanimidade, os conselheiros votaram a favor do Projeto de Lei. Foi considerado que a opção do legislador municipal visou a orientar a população em relação a uma regra de não fazer, na seara administrativa, tal qual se fez com a legislação do cigarro, que é droga lícita, mas se proibiu o uso em locais coletivos, públicos ou privados.
O que te motiva a trabalhar com este tema?
É preciso gostar das pessoas para trabalhar com drogadição. Inicialmente, me chocou quando perdi um tio devido ao excesso de bebida alcoólica. Anos mais tarde comecei a perceber como as pessoas que usavam drogas mudavam de comportamento e, com a dependência química instalada, viviam em velado sofrimento e com alterações na personalidade, em seus princípios e valores. Jovens que acabei ajudando a internar, por estarem em surto, enfim, situações que me fizeram estudar e ingressar no Conselho de Políticas Públicas sobre Drogas para tentar mudar a situação, pois os fatos não são isolados. Entendo que medidas de prevenção são essenciais, mas pouco ou nada contribuem quando isoladas. Há que estar dentro de uma política de Estado, a fim de atender a todos, bem como tratamento, baseado em evidências científicas; redução de oferta, desde as biqueiras até as fronteiras; redução de danos à saúde; educação integral, com desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais, esportes; reinserção social; além de pesquisas na área, que são imprescindíveis. Há muito que fazer, proposições de leis locais e estaduais, sobre focos acima, são apenas um dos alvos. Em verdade, toda a sociedade deveria estar envolvida porque este é um problema de todos, Estado e sociedade. Quando desemboca na saúde e/ou na segurança é porque as políticas públicas já falharam.
Como o Obid pode contribuir para seu trabalho?
O Obid pode contribuir com informações atualizadas e baseadas nas melhores evidências cientificas. Divulgação de pesquisas na área. Se possível, fornecer estatísticas atualizadas de consumo de drogas, tipo e região, com informações sobre políticas públicas que se mostraram eficientes, eficazes e efetivas no enfrentamento à drogadição.
Diana de Lima e Silva é bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e pós-graduanda em Dependência Química pela Universidade Positivo do Paraná. Desde 2008 dedica-se ao estudo drogadição, tendo diversos cursos de extensão na área. De 2016 a março deste ano, presidiu o Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas do Paraná. Já no Conselho Municipal, foi eleita vice-presidente, em 2019, representando a sociedade civil pela base do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná.