22/11/2019
Entrevista com a médica
Stella Regina Martins
O cigarro eletrônico surgiu com qual finalidade?
Revela-se a cada dia como uma nova e perigosa porta de entrada ao tabagismo, haja vista que sua versão mais recente (4ª geração) contém concentrações extremamente elevadas do sal de nicotina (nicotina associada ao ácido benzoico). O sal de nicotina é uma forma mais potente de entrega desta substância psicoativa e instala a dependência rapidamente em seus usuários. Por outro lado, não há evidência científica, até a presente data, de que o cigarro eletrônico (CE) possa ajudar no tratamento do fumante. Muito pelo contrário, o mais comumente observado é o uso dual (fumantes que associam cigarro eletrônico com cigarro tradicional) se expondo a mais riscos à saúde.
Podem ser adicionadas quaisquer substâncias ao cigarro eletrônico?
Existe cigarro eletrônico de sistema fechado e aberto. Nos de sistema fechado, em tese, não há como manipular o seu conteúdo, o que não ocorre com os de sistema aberto, que podem ser facilmente adulterados. Os refis de líquidos, conhecidos por e-juices, podem conter ou não nicotina. Geralmente são comercializados com uma infinidade de flavorizantes, como chocolate, baunilha, crème brûlée, menta, morango e etc. Esses flavorizantes têm por finalidade tornar agradável a vaporização e, quando a nicotina está presente, mascaram seu gosto ruim.
Este produto é direcionado a qual público?
São muito atrativos para as crianças e adolescentes, não sendo em absoluto uma preferência entre adultos fumantes. Estamos observando uma grave e preocupante epidemia nos Estados Unidos de uso destes dispositivos eletrônicos para fumar com THC (Tetrahidrocanabinol), onde também foram encontrados o acetato de vitamina E, levando a graves doenças pulmonares, algumas infelizmente evoluindo para óbito. Entretanto, vale ressaltar que os danos pulmonares também estão sendo observadas em usuários de cigarro eletrônico sem THC, mas com nicotina. O que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e nós recomendamos à população é que não usem esses produtos.
Caso estejam fazendo uso, busquem ajuda de um médico para acompanhá-lo e identificar o mais precocemente algum possível dano.
Os cigarros eletrônicos são permitidos no Brasil?
A Resolução da Diretoria Colegiada 46 de 2009, da Anvisa, não proíbe o seu uso, mas proíbe a comercialização, importação e propaganda, em estabelecimento físico ou virtual, de qualquer dispositivo eletrônico para fumar (DEF), quer seja cigarro eletrônico ou tabaco aquecido. Entrar no país com qualquer DEF é proibido, sendo passível de apreensão na aduana.
Qual a finalidade do cigarro eletrônico em um momento da atualidade de indicação de cessação de fumar?
No início foi dito que este produto ajudaria as pessoas a cessarem o tabagismo. Mas com o decorrer do tempo estamos observando justamente o contrário.
Quais as consequências do uso de cigarros eletrônicos?
Para o dependente de nicotina pode levar a falsa e equivocada sensação de menor risco à saúde e desestimular a cessação. Para o ex-fumante pode ser um risco para a recaída.
E, para o não fumante, em particular para o adolescente e jovem, um convite à iniciação. Estudos científicos independentes mostram que, comparado ao cigarro tradicional, em curto prazo há uma elevação do risco para infarto agudo do miocárdio e aumenta a chance de crise de asma em adolescentes. Em longo prazo aumenta os efeitos mutagênicos, já tendo sido confirmado o risco para câncer de pulmão e bexiga em camundongos.
Já houve casos de internação devido ao uso de cigarro eletrônico?
Sim, nos Estados Unidos já foram diagnosticados, até a presente data, 1.604 casos de graves doenças pulmonares relacionadas ao uso de vaporizadores, com 30 óbitos. No Reino Unido um rapaz menor de idade (17 anos) necessitou de transplante pulmonar após danos irreversíveis aos pulmões.
O que a motiva trabalhar com este tema?
A Política de Controle do Tabagismo no Brasil é muito bem estruturada e organizada, o que possibilita ótimos resultados. São muitos os atores no Brasil e no mundo que se dedicam à esta causa, quer seja atuando na prevenção, no atendimento ao dependente de nicotina, nas políticas públicas, no ensino, na pesquisa. Essa possibilidade de múltiplas atuações me encanta, tanto quanto poder ajudar um fumante a parar de fumar.
O que representa o OBID para seu trabalho?
O OBID com suas informações atualizadas promove aos atores do controle do tabagismo a possibilidade de traçar um planejamento de ação e atuação para dar continuidade ao exitoso Programa Nacional de Controle do Tabagismo.
Stella Regina Martins é médica especialista em dependência química da Área de Pneumologia do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP).