13/1/2020
Entrevista com a terapeuta
Denise Ferreira de Souza Ribeiro
Como foi Criada a Pastoral da Sobriedade?
Nasceu de um desafio lançado pelo Papa João Paulo II a todos nós, na luta contra o flagelo da dependência química que assola tantas famílias: “A Droga é um mal e ao mal não se dá tréguas”. Em junho de 1997, Dom Irineu Danelon convidou as Comunidades Terapêuticas para o Encontro das Instituições Católicas de Recuperação de Dependentes Químicos em Lins (SP), tendo como uma de suas ações concretas a criação da Associação Nacional de Comunidades Terapêuticas e Instituições Afins (ANCTC). Pela graça de Deus e inspirados pelo Espírito Santo, os bispos do Brasil na 36ª Assembleia, em Itaici (1998), aprovaram a criação da Pastoral da Sobriedade para que em nossa Igreja tivesse uma ação concreta e organizada. Em 2002, no Congresso Nacional da Pastoral da Sobriedade, a ANCTC se transformou em Federação Nacional de Comunidades Terapêuticas Católicas e Instituições Afins (FNCTC), que passou a ser a pessoa jurídica da Pastoral da Sobriedade.
Qual a Missão da Pastoral da sobriedade?
Nossa missão é evangelizar, apresentando o amor gratuito e misericordioso do Pai, anunciando Jesus Cristo Libertador, através do serviço, do diálogo e no testemunho de união fraterna, Integrando fé e vida, promovendo a dignidade da pessoa e da família, contribuindo para a construção de uma sociedade justa e fraterna.
Quais as ações da Pastoral da Sobriedade para a Dependência Química?
A Pastoral da Sobriedade além do Grupo de autoajuda implantado nas Comunidades e Paróquias no qual é sua porta de entrada e identidade principal, trabalha também com cinco frentes de atuação: Na prevenção ao uso de drogas, na intervenção junto a quem experimentou a droga, mas ainda não se tornou dependente dela, na recuperação do dependente químico, na reinserção familiar e social do dependente em sobriedade e na atuação política onde se entende como todas as formas de articulação e diálogo.
A Pastoral da Sobriedade segue alguma metodologia para atendimento ao Dependente Químico?
Como nosso objetivo é prevenir e recuperar da dependência química e outras dependências a partir da vivência dos 12 passos da Pastoral da Sobriedade, propomos como metodologia o “Programa de Vida Nova”. São reuniões semanais abertas, cíclicas e ininterruptas, onde participa o dependente e toda a família. Através da terapia do amor, e vivenciando este programa a cada dia, é possível a redescoberta de si mesmo, da sua autoestima e do sentido da própria vida. Os doze passos da Pastoral da Sobriedade são: admitir, confiar, entregar, arrepender-se, confessar, renascer, reparar, professar a fé, orar e vigiar, servir, celebrar e festejar. Vivenciando cada passo vamos adquirindo a SOBRIEDADE como estilo de vida.
Como é realizado o trabalho com as famílias dos dependentes químicos?
A família é toda inserida no programa de tratamento junto com o dependente. Acreditamos que a partir da participação, dependentes e familiares vão identificando onde precisam melhorar. A família aos poucos vai se dando conta dos “3Cs”, que são: não controlo, não curo e não sou culpado. O caminho é buscar a sobriedade também do familiar, ajustar a convivência, o perdão e retomar o limite que foi perdido. É muito importante que a família também busque o programa de Vida Nova para tratar suas próprias dependências e codependências, vícios e pecados.
Como funcionam suas reuniões?
As reuniões do grupo de autoajuda da Pastoral da Sobriedade são abertas e funcionam nas comunidades e paróquias, sempre uma vez por semana seguindo o Calendário Nacional dos 12 Passos. São no máximo duas horas de reunião, inserindo cantos alegres, oração e acolhida incondicional de quem chega. Com a reflexão da leitura da Palavra de Deus num contexto de fé e vida, dependência X sobriedade, a família é dividida em pequenos grupos e convidada a partilhar os questionamentos do passo do dia e seus sentimentos diante da realidade em que vivem. A terapia do amor acontece quando, nesse grupo, o dependente escuta as dores de outro familiar e a família escuta as dores de outro dependente. Quando um entende a dor do outro, sem, no entanto, gerar conflitos entre si, a harmonia familiar vai com tempo sendo restaurada. Muitos depoimentos de sobriedade ocorrem no final do encontro fortalecendo sua própria caminhada e incentivando os que chegam. A caminhada em busca da sobriedade é árdua, lenta, mas não é impossível.
Qual a importância da espiritualidade na recuperação de dependentes químicos?
A espiritualidade é uma qualidade essencial do homem. É a maneira de ser de cada um e que é capaz de motivar a sua vida pessoal. A espiritualidade consiste em deixar-se conduzir pelo espírito de Deus. Quando o dependente em recuperação descobre que existe um Deus que caminha com ele, que acolhe suas dores, suas angústias, que o ama da maneira como ele se apresenta, ele consegue a partir da vivencia diária do Programa de Vida Nova retomar sua autoestima, seus valores que haviam se perdido. A experiência pessoal transforma, engaja, recupera. É preciso orar e vigiar para evitar as recaídas, a espiritualidade dessa forma se torna uma ferramenta eficaz para o tratamento das dependências.
O que a motiva a trabalhar com esse tema?
Trabalho com essa pastoral já faz 19 anos. Primeiro porque gosto de gente, acredito na mudança do ser humano. E vejo que ela funciona. Muitas pessoas, por muitos fatores internos e externos, um dia se relacionaram com as drogas e se tornaram dependentes dela. Não nos cabe julgar. Cabe a nós e, em primeiro lugar a mim, ser canal de transformação, de vida e de esperança para o outro. Já vi muitas vidas que pareciam estar perdidas serem transformadas, voltando ao trabalho, retomando a harmonia familiar. Se posso ser canal de graça na vida de alguém, por que não fazer a minha parte? Por uma só vida restaurada já valeu a pena.
Como o Obid pode contribuir para seu trabalho?
O Obid é com certeza um canal de busca de conhecimento. Pode nos ajudar a direcionar de maneira eficaz superando as necessidades apresentadas em cada região do nosso país. De maneira séria e comprometida, podemos juntos traçar um rumo novo para tantas famílias e para o futuro do nosso País. É preciso que cada um faça sua parte, e juntos encontrar a vida plena que tanto sonhamos para nossa humanidade.
Denise Ferreira de Souza Ribeiro é terapeuta em Dependência Química, Coordenadora Nacional da Pastoral da Sobriedade, Presidente Executiva da Federação Nacional de Comunidades Terapêuticas Católicas e Instituições Afins (FNCTC)