16/10/2020
Entrevista com o médico psiquiatra,
Eduardo César Q. Gonçalves
Os benzodiazepínicos podem causar dependência química?
Os benzodiazepínicos, classe de medicações que compreende o clonazepam, diazepam, bromazepam e outros, foram inicialmente lançados na década de 1960 para o tratamento de epilepsia, e, desde o início, suas características de tolerância já eram conhecidas. Hoje em dia, são as medicações mais usadas ao redor do mundo para o tratamento de insônia e ansiedade, embora não sejam tratamentos de manutenção apropriados para tais condições, em grande parte pelo seu risco de desenvolvimento de tolerância e dependência aos seus efeitos. O risco de dependência aumenta conforme a dose e o tempo de tratamento e sabe-se que cerca de um terço dos usuários crônicos dessa classe de medicamentos tem efeitos de privação moderados a graves quando tentam parar subitamente o seu uso.
Qual faixa etária tem apresentado altas taxas de uso de benzodiazepínicos?
Os idosos apresentam um consumo preocupantemente alto desse tipo de medicações, com estudos apontando prevalências de 10 a 45% dentre pessoas com 65 anos ou mais. Por questões próprias ao processo de envelhecimento, os idosos são mais vulneráveis aos seus efeitos colaterais, levando a um risco aumentado de quedas e alterações cognitivas secundárias ao uso dos benzodiazepínicos. Existem várias pesquisas associando o uso crônico de benzodiazepínicos a problemas de memória persistentes e até mesmo a um risco aumentado de desenvolvimento de quadros demenciais.
Qual é o impacto do uso de drogas para idosos?
O uso de substâncias psicoativas é um problema de saúde pública usualmente atribuído à população jovem e adulta, porém vivemos hoje uma transição demográfica marcada pelo envelhecimento da população. Com isso, observamos um aumento de quase 50% da proporção de idosos com problemas por uso de drogas nas últimas duas décadas, atingindo mais de 3% das pessoas nessa faixa etária. O uso de drogas na população geriátrica está associado a risco aumentado de quedas e machucados, pior higiene e autocuidados, incontinência, desnutrição, dores crônicas, piora da memória, desorientação, além de problemas sociais, legais e familiares, dentre outros.
O uso de álcool é um problema na terceira idade?
Apesar do risco de alcoolismo diminuir com o envelhecimento, os estudos mostram dados alarmantes de consumo de álcool dentre os idosos. Pesquisas em nosso país encontraram taxas de até 12% de pessoas com mais de 60 anos com uso de consumo de risco de álcool. Apesar de terem menos problemas legais ou no trabalho decorrentes do uso de álcool, o alcoolismo na terceira idade leva a mais problemas de saúde, como hipertensão, diabetes, cardiopatias, tuberculose, deficiências nutricionais, além de se associar a outros transtornos psiquiátricos e maior chance de demência.
Qual é o impacto do uso de benzodiazepínicos e ingestão de álcool?
Tanto o álcool como os benzodiazepínicos são depressores do sistema nervoso central - vale lembrar que o midazolam, um benzodiazepínico, é utilizado até hoje para indução anestésica, e o éter, um derivado alcoólico, foi usado para anestesia até o desenvolvimento de drogas seguras para esse propósito. O uso concomitante dessas duas classes de substâncias pode levar ao torpor, coma, depressão respiratória, podendo agravar-se com parada respiratória e morte. Trata-se, portanto, de duas substâncias com potencial de abuso, dependência, e com graves efeitos colaterais e risco de interação.
Como a música e a meditação podem contribuir para o auxiliar no tratamento de transtornos psiquiátricos?
Existem vários tipos de práticas ou intervenções não farmacológicas que auxiliam no tratamento ou ajudam a aliviar sintomas de transtornos psiquiátricos. A musicoterapia, sabidamente, ajuda a aliviar sintomas de ansiedade, depressão, além de melhorar qualidade de vida e funcionamento social. Ademais, as práticas envolvendo aprendizado de instrumentos musicais estão associadas a melhora cognitiva e uma melhor qualidade de envelhecimento. A meditação tem sido cada vez mais praticada e estudada no tratamento de transtornos mentais e já se mostrou eficaz para transtornos depressivos, ansiosos, transtornos por uso de substâncias psicoativas, bem como também está associada a melhorias em memória e outras funções cognitivas. Importante lembrar que existem várias práticas meditativas que já são reconhecidamente eficazes, como as técnicas de mindfulness, meditação transcendental, Kirtan Kriya, Zen e Shamata-Vipassana
Qual a importância do hospital psiquiátrico para a dependência química?
A internação psiquiátrica se faz necessária quando o uso de substâncias psicoativas, seja em padrão de abuso, uso nocivo ou dependência, estiver colocando a pessoa em situação de risco, seja pelo risco de exposição, de causar danos para si mesma ou para os outros - situações nas quais a internação pode se dar até mesmo de forma involuntária. O hospital psiquiátrico deve ser capaz de prover segurança e tratamento adequado para o doente com problemas por uso de substâncias psicoativas, dispondo de abordagens multiprofissionais que possam ajudar a atingir remissão e abstinência.
O que o motiva a trabalhar este tema?
Como mencionado anteriormente, a nossa população tem envelhecido, com um aumento proporcional de idosos na constituição demográfica de nosso país. O reconhecimento e adequado tratamento dos transtornos por uso de benzodiazepínicos e de outras substâncias psicoativas nos idosos merece ainda especial atenção em virtude da maior vulnerabilidade desse grupo.
Como o OBID pode ajudar neste seu trabalho?
O Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas tem seu importante papel de levar informações confiáveis e de qualidade para a população e para os profissionais de saúde sobre o uso de substâncias psicoativas, com dados atualizados e científicos sobre o tema. Desta forma, nós, profissionais da área de saúde mental, podemos nos manter atualizados e oferecer cuidados adequados.
Eduardo César Q. Gonçalves é médico pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Psiquiatra pelo Hospital de Base do Distrito Federal, Psicogeriatra pelo Instituto de Psiquiatria HC-FMUSP e colaborador do Programa Terceira Idade (PROTER) IPQ HC-FMUSP. Médico psiquiatra da equipe de Psicogeriatria do Ambulatório Médico de Especialidades (AME) Psiquiatria Dra. Jandira Masur em São Paulo-SP.