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Pesquisa indica que Bolsa Atleta melhora indicadores sociais familiares e incentiva a permanência do beneficiário no esporte
O conjunto dessas hipóteses aparece como resultado de uma pesquisa realizada para uma tese de doutorado prevista para ser defendida em dezembro de 2019 na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O estudo, conduzido pelo mestre em educação física Philipe Camargo, integra o projeto Inteligência Esportiva, parceria do Ministério da Cidadania com a UFPR para desenvolvimento de estudos. A sondagem entrevistou mais de três mil bolsistas, de todas as regiões brasileiras e de todas as categorias do programa.
Os números estão em fase final de tabulação e análise, mas já há achados importantes. Quase 80% dos entrevistados concordam com a afirmação de que o programa melhorou sua renda mensal. Outros 66,48% dão suporte à frase de que o Bolsa Atleta aprimorou a qualidade de vida. Há outros 58,2% que endossam a sentença de que o programa ampliou o acesso dele e/ou de sua família à educação e 46,41% afirmam que o programa ampliou o acesso ao lazer. Há, ainda, um grupo de 48% que concordaram com a tese de que o programa permitiu melhorar condições de moradia.
Além disso, quando perguntados se a melhoria desses indicadores sociais teria impacto em suas performances esportivas, 88% disseram que concordam integralmente (60%) ou parcialmente (28%). "Temos um número relevante de atletas que dizem que o programa, ao ampliar a renda mensal, ajuda na saúde, na educação, nas condições de moradia. E, quando tudo isso melhora, isso faz com que cresça a chance de melhores resultados. Embora o benefício não permita a muitos ter exclusividade para treinar, ele pode ser útil para que o acesso a outras áreas sociais seja facilitado. Pode haver críticas ao programa, mas ele facilita o atleta a se manter no universo do esporte competitivo", afirmou Camargo, de 31 anos.
Segundo o pesquisador, os valores mais baixos das bolsas iniciais (de base, estudantil e até nacional) não impactam necessariamente no desempenho esportivo, mas podem ser diferenciais em outros aspectos ligados à qualidade de vida. "E esse conjunto de variáveis facilita a vida do atleta", disse.
Arroz com manteiga
A hipótese de Camargo encontra acolhida na percepção da nadadora Edênia Garcia, que coleciona três medalhas em Jogos Paralímpicos (2004, 2008 e 2012), além de três ouros e um total de 13 pódios em mundiais na natação. "Os dados desse estudo batem muito comigo. Se eu tivesse respondido daria algo muito semelhante com esse resultado. Há um ganho que talvez nem os próprios idealizadores do projeto imaginassem. O Bolsa Atleta tem impacto profundo na minha família", comentou a atleta, que nasceu com a Doença de Charcot-Marie-Tooth, que é progressiva e afeta a musculatura, em especial de pés e mãos.
"Quando entrei no Bolsa Atleta, em 2006, a primeira coisa que fiz foi tentar adquirir um carro, porque a minha deficiência, na época, já não me permitia pegar ônibus. Eu caía muito, não tinha cadeira e precisava de quatro ônibus para treinar", contou.
"Outro ponto foi o lazer. Aos 19 anos fui pela primeira vez ao cinema. Sou de origem humilde. Foi só com a bolsa que tive acesso a lazer, a informações e a estudos. Passei a estudar em escolas particulares. Um indivíduo de alto rendimento que tem todos esses aspectos em equilíbrio, em harmonia, tende a render mais".
Edênia, atualmente, faz parte da categoria pódio, a mais alta do Bolsa Atleta, com repasses que variam de R$ 5 mil a R$ 15 mil, de acordo com o ranking do atleta. Mudou-se do Ceará para São Paulo com a família. Treina no Centro de Treinamento Paralímpico, estrutura de ponta que é um dos principais legados dos Jogos Rio 2016.
"Para você ter uma ideia bem louca, muitas vezes eu voltava do treino e o que tinha para almoçar era arroz com manteiga. Graças ao Bolsa Pódio tenho acesso aos melhores suplementos, a uma dieta balanceada, pagamos técnicos e temos um calendário de competições. A maioria dos atletas é de origem humilde, não nasce em berço de ouro. O programa tem um quê de transformação muito grande".
Na peteca e na piscina
Representante brasileiro no badminton nos Jogos Olímpicos Rio 2016 e atualmente morando na Dinamarca, Ygor Coelho se diz do mesmo time de Edênia. Para ele, o Bolsa Atleta tem sido um diferencial desde que ele era juvenil.
"Eu, por exemplo, investi o Bolsa Atleta que juntei por dois anos para um treinamento na Dinamarca por três meses em 2014. Evoluí muito graças a esses treinos lá e consegui chegar aos Jogos Olímpicos do Rio", afirmou o atleta, que hoje vive na Dinamarca com patrocínios privados e do Comitê Olímpico do Brasil, além de ser integrante da categoria olímpica do Bolsa Atleta.
"O Bolsa Atleta tem me ajudado bastante na alimentação, nos meus torneios por aqui. Faz uma diferença enorme. Mas posso citar, também, o exemplo da Miratus, no Rio de Janeiro. Lá, muitas crianças usam o dinheiro da bolsa para comer melhor em casa. Ajuda em viagens nacionais. É um programa que muda de verdade a vida das pessoas. Transforma", disse Ygor.
Do balde ao chuveiro
Integrante do Bolsa Atleta desde 2009, o ginasta Arthur Nory também se encaixa nos achados da pesquisa. Até chegar à medalha de bronze nos Jogos Olímpicos Rio 2016 numa dobradinha com Diego Hypolito na prova de solo, Nory viveu percalços para se manter no esporte. E alguns deles foram minimizados com o incentivo federal.
"Em 2010, eu morava com meus pais e minha irmã e fizemos umas reformas em casa. Na época ficamos uns seis ou oito meses sem conseguir tomar banho de chuveiro. Estávamos com problemas na fiação e meus pais não tinham condições de arrumar. A gente tomava banho de balde. Juntei dinheiro da bolsa e de outras fontes, guardamos e conseguimos arrumar. Desde aquela época, em que eu era bem mais novo, já existia esse suporte para ajudar no dia a dia, na minha vida social, fora da ginástica, para ter uma condição melhor de vida", contou o atleta, atualmente integrante da categoria Pódio.
Estímulo para persistir
Se os dados da pesquisa encontram repercussão nas categorias mais altas da Bolsa Atleta, a mudança de perspectiva também ocorre entre os mais jovens. Thomaz Ruan de Moraes, de 17 anos, é o sexto do mundo nos 400m da categoria T47 do atletismo paralímpico. Integrante da categoria internacional do programa do Governo Federal, ele explica que a adesão ao programa serviu para que ele mesmo acreditasse em seu potencial.
"Eu já treinava antes, mas não com a mesma intensidade, o mesmo interesse. Hoje tenho a perspectiva de treinar melhor e de buscar grandes resultados. Além disso, mexe com a minha vida pessoal. Passei a ajudar mais minha mãe e tenho os equipamentos adequados. Só vim para São Paulo por causa da bolsa. As pessoas acharam que eu tinha potencial e fiquei feliz com isso", disse.
Relação de longo prazo
Natural de Campo Grande (MS), o pesquisador Philipe Camargo fez a graduação em educação física na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e o mestrado em educação física na UFPR. A relação dele com o tema do Bolsa Atleta é antiga. Já no mestrado, ele trabalhou numa investigação voltada para o impacto do programa no handebol.
"O interesse surgiu dessa necessidade de entender, por parte dos atletas, o impacto que a política causa na vida esportiva deles", disse. "Quando a gente analisa alguns documentos e relatórios institucionais, como os do Senado e do Tribunal de Contas, a gente vê algumas fragilidades que podem impactar no desenvolvimento desse atleta, inclusive a questão dos valores das bolsas, que muitas vezes não é suficiente, sozinho, para garantir melhoria esportiva. E aí começamos a fazer outras leituras, com esse viés mais abrangente, social".
Método e universo
No doutorado, Philipe buscou uma formação complementar à da UFPR com um período na Loughborough University, no Reino Unido. A coleta de dados para o estudo teve dois momentos. Um primeiro foi por meio de grupos focais, com bolsistas da região metropolitana de Curitiba. "Ali identificamos características do programa que nos auxiliaram a consolidar o questionário final", disse Philipe. Em seguida, houve a aplicação do questionário. Após a "limpeza dos dados", foram validadas as respostas de 1.519 entrevistados.
A amostra contou com 43,25% de entrevistados do sexo feminino, contra 56,75% de questionários com integrantes do sexo masculino. O universo cobriu atletas olímpicos, paralímpicos e de modalidades de inverno, num total de 47 esportes. "A tese será defendida em dezembro. Esses questionários estão sendo analisados a partir de uma perspectiva da teoria das políticas públicas do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social). Por isso me interesso na percepção que os atletas têm dos impactos sociais do programa", explicou o pesquisador da UFPR.
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Gustavo Cunha - Ministério da Cidadania