Daniel Dias: o adeus às piscinas do maior medalhista brasileiro em Jogos Paralímpicos

Todo esforço para conter a emoção de nada adiantou depois que o multimedalhista Daniel Dias finalizou a última participação dele como atleta de alto rendimento em Jogos Paralímpicos. O atleta disputou a última prova de sua carreira na natação paralímpica no Centro Aquático de Tóquio, na final dos 50m livre S5. Na chegada, ficou atrás de três chineses, mas o quarto lugar na competição não foi a causa das lágrimas nos olhos. Junto com a batida final na borda, chegou ao fim a história de uma vida dedicada ao esporte profissional contada em 27 medalhas paralímpicas, 14 delas de ouro.

No protocolo de conversar com jornalistas instantes depois de sair da água, Daniel não segurou o choro diante de tudo o que o esporte representou em sua trajetória. “Está difícil falar agora, mas é agradecer. A palavra, para resumir, é gratidão. Agradeço a Deus pelo dom que tenho, a minha família e aos meus patrocinadores. Acabou mesmo, por isso está difícil. A vontade era voltar no tempo. A saudade já é grande, mas estou feliz”, afirmou. “Cada braçada nessa reta final era para minha família. Papai tá chegando em casa. É isso que falo. Deus fez infinitamente mais do que pensei. Se escrevesse não seria perfeito como foi. Choro de feliz. Uma vida dedicada a isso aqui”, se emociona.

Além do legado em Jogos Paralímpicos, Daniel tem no currículo 40 pódios em campeonatos mundiais (31 ouros) e 33 medalhas em Jogos Parapan-Americanos, todas de ouro. Além das medalhas que acumulou em Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016, em Tóquio ele completou a coleção com mais três bronzes, nos 100m, 200m e no revezamento 4x50m livres misto. Ele também é o único brasileiro a ter três Troféus Laureus, considerado o “Oscar do Esporte”.

A aposentadoria foi anunciada antes dos Jogos em Tóquio, o que gerou natural expectativa e ansiedade por parte da imprensa, da torcida, da delegação brasileira em Tóquio, da família e de todos os atletas que reconhecem Daniel Dias como um exemplo de excelência. A esposa, Raquel Dias, ao lado dos três filhos do casal, Asaph, 6 anos, Daniel, 5, e Hadassa, 1, postou um depoimento mais que especial nas redes sociais de Daniel no dia da última participação do atleta em Tóquio: um misto de carinho, homenagem e reconhecimento da importância dele em suas vidas e para o esporte paralímpico.

“Pois é, amor, chegou aquele dia que a gente esperava: serão suas últimas braçadas e suas últimas pernadas na natação paralímpica, e estamos muito felizes por tudo que você representou e representa para nosso país. Estamos aqui para dizer que temos muito orgulho de você, e estamos pertinho de você aonde você estiver, sempre contando os dias para você voltar, e queremos que aproveite cada momento do seu último dia”, registrou.

A nadadora Carolina Santiago, que conquistou o terceiro ouro em Tóquio pouco depois de Daniel sair da piscina, confessou que ficou até um pouco frustrada de não poder acompanhar a última prova de Daniel porque estava prestes a cair na água nos 100m peito S12.

“Foi difícil me concentrar porque sabia que estava todo mundo na arquibancada vendo a prova do Daniel, e eu queria estar ali saudando o maior atleta de todos os tempos. Ele é incrível, uma pessoa que é exemplo do que é ser um atleta de alto rendimento. É inspirador tanto na forma como encara a competição quanto como compete”, comentou a atleta, que sai de Tóquio com três ouros, uma prata e um bronze e dois recordes paralímpicos (50m livre e 100m peito) em seis provas que disputou .

Segundo Carol, um dos retratos da influência e do legado de Daniel estão no fato de a natação paralímpica brasileira estar mais competitiva e homogênea como um todo. “Hoje em dia não tem mais essa coisa de passar o bastão para um outro atleta. Eu acho que o trabalho na natação paralímpica brasileira está muito bem feito, desde a base, o que tem possibilitado que muitos atletas tenham bons resultados em várias classes e no masculino e no feminino”, diz.

Para o fundista Yeltsin Jacques, responsável pela 100ª medalha de ouro do Brasil em Jogos Paralímpicos , conquistada nos 1.500m T11, Daniel Dias é referência para o esporte paralímpico no mundo, não só no Brasil. “Ele é um dos principais atletas da história mundial, uma referência para mim. Até minha esposa brinca comigo, porque ela disse que conhecia o Daniel Dias antes de mim no esporte paralímpico. Acho que quase todo mundo no Brasil conhece a história dele, a história de um multimedalhista. Ele é o nosso Michael Phelps. E se eu conquistei a centésima do Brasil foi porque, antes de mim, ele conquistou 14”, ressaltou.

“Ele é um ícone para todos os esportes. Um ídolo para todas as gerações, tanto no esporte paralímpico quanto no olímpico. Não é todo dia que nasce um cidadão que ganha pelos menos 14 medalhas de ouro em Jogos Paralímpicos. Dá muito orgulho ter o Daniel próximo e ter acompanhado a carreira dele antes, como atleta e, agora, como gestor”, afirmou Bruno Souza, secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania.

Inspiração em Clodoaldo

Natural de Campinas, São Paulo, Daniel Dias compete desde os 16 anos, inspirado por Clodoaldo Silva, grande nome da natação em Atenas 2004, com seis ouros e uma prata. Desde então, adotou de forma espartana um cotidiano de abdicação para se manter no alto rendimento. Depois de tanto tempo nessa rotina, os objetivos agora são ficar perto da família, cuidar do instituto Daniel Dias, além de ministrar palestras e clínicas de natação.

Daniel também faz parte do Conselho Nacional de Atletas e da Assembleia Geral do Comitê Paralímpico Brasileiro.  “É um momento difícil depois de tanta preparação e grandes desafios nesses três anos, como a dificuldade de treinar, além das reclassificações funcionais antes da competição, que prejudicaram a mim e muitos atletas. Mas estou em paz e feliz”, diz o atleta, que tem má-formação congênita nos membros superiores e na perna direita e compete pela classe S5.

"O Daniel Dias é um retrato da excelência, um daqueles casos raros de figura que desperta admiração e respeito de todos os que o cercam no meio esportivo, seja olímpico ou paralímpico. Como coordenador do Bolsa Atleta e presidente da Comissão Nacional de Atletas, tenho orgulho enorme de ver que a política pública cumpriu seu papel e contribuiu para que essa trajetória pudesse ser escrita da maneira que foi", afirmou Mosiah Rodrigues.

Desde que chegou em Tóquio que Daniel tem comentado sobre a importância de ajustes no processo de reclassificação de atletas conduzido pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC, em inglês). Nessas mudanças, atletas de classes superiores, com menos limitações físicas, são remanejados para classes inferiores, com mais limitações.

Investimento direto

Ao longo dos quatro ciclos paralímpicos, o Governo Federal, por meio do Bolsa Atleta, investiu mais de R$ 1,19 milhão na carreira de Daniel Dias. Ele integra o programa desde 2010, e integra a categoria mais alta, a Pódio, desde 2014.

Diretoria de Comunicação - Ministério da Cidadania, de Tóquio, no Japão