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Entrevista
Secretária Lilian Rahal explica políticas de segurança alimentar: “A fome no Brasil tem cara”
“A fome no Brasil tem cara”, constata a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), Lilian Rahal. Essa ‘cara’ é a de uma mulher negra, mãe solo, com filhos pequenos, morando na periferia de uma grande cidade, com trabalho e moradia precários. De acordo com o relatório Vigisan 2022, são 33 milhões de pessoas no país que não sabem se vão ter alimento na mesa na próxima refeição.
A gente já entra com essa recomposição de renda e a partir daí tem todo esse outro rol de políticas que precisam ser trabalhadas. Então, lançamos o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), voltando a estimular esses circuitos curtos de compra e doação de alimentos”
Lilian Rahal, secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
A principal missão do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) é reverter esse cenário. “Nós temos esse desafio enorme de tirar o Brasil do mapa da fome e ter políticas estruturantes que permitam superarmos essa situação, essa vergonha, que é a fome no nosso país. Nós só conseguiremos sair dessa situação a partir de uma coordenação de esforços e de políticas que façam chegar renda a quem mais precisa”, defendeu Lilian Rahal na entrevista a seguir.
Para que o Brasil saia novamente do mapa da fome, como ocorreu em 2014, o Governo Federal tem reativado e reestruturado programas que recompõem a renda das famílias, com foco na população mais vulnerável. Por isso, o Bolsa Família garante uma renda mínima per capita de R$ 142, um benefício específico de R$ 150 para crianças de zero a seis anos e outro de R$ 50 para gestantes, nutrizes e crianças e adolescentes de sete a 18 anos.
“Nós temos um trabalho que se iniciou com a recomposição do Bolsa Família, da renda per capita, um programa que dialoga com a nossa realidade”, analisou a secretária do MDS. Outros programas foram remodelados para fomentar a produção de alimentos básicos, adequados e saudáveis, além de fortalecer as políticas de abastecimento, distribuição e comercialização desses alimentos.
“A gente já entra com essa recomposição de renda e a partir daí tem todo esse outro rol de políticas que precisam ser trabalhadas. Então, lançamos o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) , voltando a estimular esses circuitos curtos de compra e doação de alimentos”, exemplifica Lilian Rahal.
Ela cita ainda o novo Plano Safra para a Agricultura Familiar e a recomposição do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que faz com que a disponibilidade de alimentos nas escolas, onde cerca de 40 milhões de crianças se alimentam diariamente, seja mais adequada.
Apesar de percentualmente o país ter mais pessoas em insegurança alimentar no meio rural, 27 milhões desse público está no meio urbano. Um grupo interministerial foi constituído para tratar de estratégias específicas para as cidades, considerando diferentes experiências locais. Nesse sentido, equipamentos públicos como banco de alimentos, cozinhas solidárias e restaurantes comunitários estão sendo mapeados e fortalecidos.
Confira a entrevista na íntegra
Panorama da Fome
Secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Lilian Rahal
Nós temos esse desafio enorme de tirar o Brasil do mapa da fome e ter políticas estruturantes que permitam superar essa situação, essa vergonha, que é a fome no nosso país. Não é possível dizermos que uma só política vai dar conta de resolver a nossa situação. Nós só conseguiremos sair dessa situação a partir de uma coordenação de esforços e políticas que façam chegar renda a quem mais precisa, programas que fomentem a produção de alimentos básicos, adequados e saudáveis, políticas que nos permitam ter ações de abastecimento, distribuição e comercialização desses alimentos.
Nós temos um trabalho que se iniciou com a recomposição do Bolsa Família, a recomposição do per capita, implementação de um programa que dialogue com a realidade que nós temos. A fome no Brasil tem cara. E se a gente fosse dar uma cara para a fome no Brasil, ela seria uma mulher negra, mãe solo, com filhos pequenos de até dez anos, morando numa periferia de uma grande cidade, com ocupações precárias, seja do ponto de vista do trabalho, seja do ponto de vista da habitação.
Nós começamos esse caminho para superar a fome no país com a recomposição do Bolsa Família, fazendo com que as pessoas tenham renda para comprar comida. Uma das principais políticas de acesso do ponto de vista da proteção social que temos é o Bolsa Família. Essa recomposição de, além de ter um benefício básico, ter um per capita para crianças de zero a seis anos e outro para gestantes e crianças e adolescentes de sete a 18 anos, faz com que a gente consiga atacar esse que é um dos principais problemas da fome: olhar quem está em situação mais vulnerável.
No ano passado, nós tivemos cerca de 380 mil crianças diagnosticadas no sistema de saúde com desnutrição grave ou aguda, que nós chamamos baixo peso. Isso a gente já não tinha há muito tempo no país. É um fenômeno bem claro, que a gente tem que enfrentar, que é justamente a idade que a gente colocou o per capita de R$ 150 no Bolsa Família.
A gente já entra com a recomposição de renda e, a partir daí, temos todo um rol de políticas que precisam ser trabalhadas. Assim como foi feita a recomposição do per capita do PENAE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que, de alguma forma faz com que a disponibilidade de alimentos nas escolas, onde cerca de 40 milhões de crianças se alimentam diariamente , seja mais adequada.
Portanto, dois grandes programas de acesso a alimentos foram recuperados, o Bolsa Família e o PNAE e tem todo um rol de programas sendo articulados dentro do MDS e para além dele. A Caisan (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional) é o grande espaço de coordenação das políticas de segurança alimentar, com a coordenação governamental , e temos o controle e a participação social por parte do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). Essa governança é essencial para que a política de segurança alimentar possa ser plenamente implementada.
PAA
O Programa de Aquisição de Alimentos foi relançado para que ele chegue cada vez mais ao público do Cadastro Único , ou seja, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais e, com isso, fazer com que esses fornecedores tenham uma oportunidade de comercialização, aprendizado e geração de renda.
O PAA, quando começou há cerca de 20 anos, atendia agricultores familiares um pouco mais organizados. Nós temos feito esse esforço para fazer com que ele chegue em quem está menos organizado e que precisa de um apoio para se organizar, para se estruturar, para entrar num processo de comercialização mais permanente.
Para as populações indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais nós mexemos nas regras do Programa para que ele de fato oportunize a participação dessas pessoas. Todo o nosso esforço é para fazer com que o Programa chegue nessas populações e que elas produzam sabendo que vai ter para quem vender e que o alimento chegue a quem precisa receber.
Esse esforço de criar circuitos curtos ou circuitos locais de produção e abastecimento é um pouco isso, olhar para quem precisa de alimento e quem pode produzir localmente e fazer com que esse alimento circule. Quer dizer, essa família que está produzindo hoje para entregar numa creche, ou num asilo, ou numa cozinha solidária, num banco de alimentos, ela vai ter essa oportunidade de ter esse aprendizado de comercialização.
Ela vai entender como é se organizar para entregar aquele alimento para determinados locais, públicos, como esse alimento tem que chegar, como é a nota fiscal, o que ela precisa para poder ter um alimento adequado, tanto do ponto de vista sanitário, quanto do ponto de vista da qualidade.
Dessa forma, o agricultor vai poder participar de outros mercados institucionais e do mercado privado também. Ou seja, você cria ali, dentro daquela localidade, daquele território, possibilidades de trabalho, ocupação e de comercialização mais efetivas.
Plano Safra
O Governo Federal preparou o Plano Safra, tanto da agricultura familiar , como da agricultura empresarial, que tem por missão estimular a produção de alimentos de uma forma geral e de alimentos básicos. Nós, ao longo desses últimos anos, perdemos tanto em área de produção, como em quantidade de alimentos produzidos, em detrimento da produção de grãos para exportação.
Há uma preocupação do Governo Federal em recuperar essa capacidade de produção de alimentos básicos. Então, o Plano Safra é lançado com esse objetivo de recompor a produção e oferta de alimentos para que sejam acessados de uma forma mais barata e simples.
Distribuição de Alimentos
O objetivo principal da ação de distribuição de alimentos é fazer com que eles cheguem a famílias ou pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar permanente e têm dificuldade de acessar os alimentos de uma forma rotineira.
Às vezes você pode disponibilizar renda e as pessoas não têm onde comprar os alimentos e não tem como produzir. Pode ter questões de terra e território não resolvidas, ou dificuldades para a produção em determinado momento. São situações diversas que fazem com que determinados grupos ou determinadas comunidades tenham dificuldade de acessar alimentos e só a renda não basta.
Então, o objetivo da ação de distribuição de alimentos é justamente fazer com que os alimentos cheguem em grupos populacionais específicos que têm dificuldade de acessar alimentos só por meio da renda. Esse é o objetivo principal, e nós atuamos secundariamente e excepcionalmente no caso de desastres, quando a Defesa Civil demanda o ministério e atendemos com cestas de alimentos.
Ambiente Urbano
Das 33 milhões de pessoas em situação de fome, percentualmente nós temos mais gente em situação de insegurança alimentar grave no ambiente rural do que no urbano, mas numericamente, desses 33 milhões, 27 milhões estão nas cidades. Nós constituímos um grupo na Caisan com diferentes ministérios para tratar da insegurança alimentar em ambiente urbano.
Estamos analisando quais estratégias vem sendo adotadas pelos diferentes municípios para enfrentar a insegurança alimentar e como podemos constituir essa rede, juntando diferentes equipamentos e experiências para enfrentar a fome. Estamos olhando para os restaurantes e cozinhas solidárias, bancos de alimentos, equipamentos de recepção e distribuição de alimentos de uma forma geral, sejam públicos ou da sociedade civil.
Nesse momento, inclusive, a gente está fazendo um grande chamamento para poder mapear todas as cozinhas solidárias que existem no país. Só nesse pequeno período que nós abrimos esse chamamento, tivemos mais de 1.300 cozinhas inscritas . A partir disso, nós vamos desenhar uma estratégia de coordenação das ações de segurança alimentar em ambiente urbano e fornecer apoio efetivo do MDS.
Alimentação Saudável
A má nutrição tem duas faces, de um lado ela se manifesta por meio da fome e de outro, por meio do sobrepeso, da obesidade. Quer dizer, as pessoas comem, mas comem mal. A gente não pode dizer que elas têm uma segurança nutricional efetiva.
Nós revisitamos a estratégia intersetorial de prevenção e controle da obesidade, elaborada lá atrás, e também estamos preocupados com a composição da cesta básica. Eventualmente, iremos propor uma nova cesta básica que consiga olhar para a realidade do sistema alimentar que nós temos atualmente no país. Nós temos uma preocupação efetiva em fazer com que o Guia Alimentar da população brasileira seja a grande referência. Para nós, a cesta básica deveria dialogar com o Guia.
Nossa intenção agora, também é revisitar o marco referencial em educação alimentar e nutricional e disponibilizar nos equipamentos públicos, por exemplo, na rede escolar, do SUAS, do SUS (Sistema Único de Saúde) e fazer com que esse marco seja trabalhado pelos profissionais.
Segurança Hídrica
Publicamos um edital de seleção pública do Programa Cisternas para a Região Amazônica e a ideia é fazer com que nós tenhamos organizações da sociedade civil apresentando propostas para implementação do programa nas áreas de populações extrativista, ribeirinha, para a implementação das tecnologias que nós trabalhamos para a Amazônia, que são tecnologias de captação e tratamento de água e saneamento. Essas tecnologias são muito importantes para reduzir doenças de veiculação hídrica na região.
Na Amazônia, não temos um problema de falta de água, mas temos um problema de dificuldade de acesso à água potável para consumo. Então, de alguma forma, isso pode ser importante para ajudar no combate ao desmatamento e para gerar possibilidade de as famílias terem renda efetiva. A partir do momento que ela tem água de qualidade, ela pode processar os produtos disponíveis na comunidade e entrar em ações de inclusão produtiva de longo prazo. Em breve, também lançaremos um edital para a região do semiárido.
Assessoria de Comunicação - MDS