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Alimenta Cidades
Projetos de agricultura urbana levam mulheres da periferia de Recife à universidade
O contato com a terra e o conhecimento de seus potenciais produtivos têm transformado cenários urbanos e vidas em áreas de vulnerabilidade social pelo país. A apropriação dos territórios a partir da agricultura urbana está criando sentimentos de pertencimento e empoderamento para muitas pessoas, sobretudo mulheres.
Em Recife, município que já conta com uma secretaria específica para a área, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) está realizando projetos em parceria com a prefeitura e entidades da sociedade civil.
A primeira parceria do MDS com a capital pernambucana surgiu em 2021, com a indicação de uma emenda parlamentar que foi destinada à formalização de um convênio com a prefeitura. Desde então, essas ações vêm crescendo com a indicação de novos recursos.
Hoje, o MDS tem quatro projetos em andamento em Recife, sendo dois convênios com a prefeitura e dois termos de fomento com entidades da sociedade civil, o Instituto Sabiá e a OSC Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero.
Todos os instrumentos foram formalizados a partir de indicação de emenda parlamentar. Para 2025, o MDS trabalha para ter uma ação direta em Recife, no âmbito da estratégia Alimenta Cidades.
A coordenadora-geral de Agricultura Urbana e Periurbana do MDS, Kelliane Fuscaldi, destacou a importância de a equipe técnica conhecer de perto os projetos. “O que chamou minha atenção nesses projetos é que, quando viemos pessoalmente, conversamos com os beneficiários dos projetos e conhecemos a realidade das pessoas que são impactadas. Vimos um resultado que não conseguimos mensurar quando trabalhamos, por exemplo, na análise de um relatório.”
Troca de saberes
Uma das parcerias com a sociedade civil promove a formação de mulheres. É a Escola Marias, projeto desenvolvido com o Centro Sabiá, e que está na segunda turma, com aulas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
José Nunes, professor do Departamento de Educação da UFRPE, relatou que a Escola Marias tem sido uma experiência de muito aprendizado. “Ela fortalece as nossas parcerias com a sociedade civil, a partir da nossa parceria com o Centro Sabiá, que vem executando esse projeto, mas além disso, ela abre os portões da universidade para a sociedade como um todo”, explicou.
As alunas são mulheres agricultoras de bairros da periferia, em sua maioria negras, e que vêm protagonizando experiências de agricultura urbana. “Elas vêm aqui na universidade complementar sua formação. Elas já têm um conhecimento, no seu dia a dia, no desenvolvimento de suas hortas. E aqui elas trocam”, detalhou o professor, que ressaltou a importância do auxílio da instituição de ensino para que as estudantes tenham condições de irem às aulas.
“Fizemos escolhas importantes, como manter professoras também agricultoras e apoiar com uma bolsa que ajuda a custear o deslocamento e a alimentação dessas estudantes que, sem o apoio garantido pelo projeto, não estariam na universidade”, prosseguiu José Nunes.
“Então, elas fazem um curso que muitas vezes não esperavam fazer e vão construindo uma alimentação mais saudável a partir das hortas nos seus territórios, fortalecendo as organizações comunitárias, envolvendo outras mulheres e multiplicando esses saberes”, completou.
Maria das Graças Dourado, de 65 anos, é moradora de Peixinhos e faz parte da Horta Dandara, ela compartilhou sua história. "Amo estar aqui, porque é meu pedacinho de floresta. Temos jardim, plantas medicinais, frutas e cisterna. Eu fiz o curso da Escola Marias na primeira turma. E eu amei”, disse a agricultora que não imaginava estudar em uma universidade.
“Nunca pensei que poderia estar em uma faculdade. Eu sonhava para os meus filhos e netos, mas eu fui. Fiquei tão feliz que vocês nem sabem o quanto estou feliz até hoje. Eu já amava plantar, mas não sabia como era na realidade e eu vim e me ensinaram. A gente planta, colhe, leva para casa e divide. Eu estava em depressão, só queria estar em casa. E aqui estou ótima e muito feliz”, contou.
Juciara da Silva tem 24 anos é mãe de três filhos, está na segunda turma da Escola Marias e faz parte da Horta Margarida, ela compartilhou as expectativas. “O que a gente espera desse curso é aprender mais sobre plantar e colher. O primeiro módulo passou muita informação sobre as plantas e como fazer canteiros orgânicos. Então espero aprender mais sobre alimentação saudável, uma melhoria tanto para a horta quanto para todos da comunidade. E que a gente tenha mais colheita”, relatou a estudante.
“O depoimento que cada pessoa traz é muito importante para a realidade de vida delas. São mulheres com problemas de saúde, problemas de depressão, que sofrem preconceito e que, muitas vezes conseguem resgatar sua autoestima, sua identidade e dignidade, a partir do momento que se envolvem nas atividades da horta”, avaliou Kelliane.
Para Aniérica Almeida, coordenadora técnico-pedagógica do Centro Sabiá, o principal impacto visto e relatado pelas alunas, é o fortalecimento do processo de organização enquanto grupo de mulheres. “Isso é muito evidente, porque na escola Marias, a gente não só trabalha as temáticas técnicas. A gente tem todo um processo de formação que é político, de reflexão sobre a vida, o cotidiano e sobre esse lugar da periferia que essas mulheres vivem”.
Um resultado do projeto é o fortalecimento da autonomia das mulheres. Outro ponto que se destaca é a questão da saúde mental. “Todas elas trazem um relato de como chegaram aqui, adoecidas mentalmente, e como esse espaço, o trabalho de mexer com a terra e o convívio em grupo nesse coletivo faz bem para a saúde delas”, completou Aniérica Almeida.O curso da Escola Marias é formado por dois módulos: um sobre produção de alimentos, realizado na UFRPE e outro na cozinha comunitária do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), onde são trabalhados conceitos de alimentação saudável e receitas. “A partir do que as estudantes aprendem, aplicam nas hortas para experimentar de forma mais prática”, explicou Aniérica.
A Horta Dandara é um dos espaços de convívio e prática vinculados à Escola Marias. Localizado na periferia de Olinda (PE), a horta reúne mulheres que têm aquele ambiente como extensão de suas casas. Manuela da Silva, de 30 anos, é da comunidade de Peixinhos, e já frequenta a Horta Dandara há quase quatro anos. “Eu tinha problemas de depressão e minha mãe me convidou para conhecer o espaço. Eu me senti muito acolhida e aprendi, tive trocas, tanto de conhecimento com a terra, quanto na construção da cisterna”, contou. Para ela, “esse envolvimento de cuidar da terra e saber como plantar, qual o tempo certo de colher e convívio com as pessoas é muito importante”.
Impacto ambiental
Kelliane Fuscaldi salientou que outro ponto muito importante relacionado à agricultura urbana é o impacto ambiental. “Na medida que se consegue trazer os resíduos e realizar sua compostagem e utilizá-los na horta e, ao mesmo tempo, garantir que as cidades tenham esses espaços verdes, onde as pessoas possam entrar em contato com a natureza e garantir a absorção da água da chuva, são infinitos benefícios que essa atividade pode trazer para uma cidade.”
Adriana Figueira, secretária-executiva de agricultura urbana de Recife, destacou a importância da parceria com o MDS. “Já existia agricultura aqui, iniciativas isoladas, e isso veio a fortalecer, a partir desses espaços. Começamos a dar cursos, a treinar, plantar e capacitar as pessoas. A partir desse nosso projeto, fizemos um programa de agroecologia para a cidade, em que nós trabalhamos com agricultura sustentável, que não tem agrotóxicos e não prejudica o meio ambiente”, ponderou.
Com envolvimento de pessoas da comunidade e até de mercados locais, além da própria coleta da equipe, já existe um trabalho consistente de compostagem em nos espaços. “Esse composto que a gente produz já é revertido para as nossas unidades de produção. Não adquirimos mais adubo, já somos autossustentáveis nisso. Na agroecologia, a gente segue a economia circular”, detalhou. “Com isso, já produzimos cerca de 60 toneladas de adubo”, registrou a secretária municipal.
Os resíduos, restos de alimentos, são transformados em composto orgânico, que são usados nas plantações das unidades produtivas que, por sua vez, vão gerar alimentos. Desde o início da produção de compostagem, toneladas de resíduos deixam de ir para aterros, o que diminui a emissão de gases de efeito estufa.
Assessoria de Comunicação - MDS