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Nova política de cuidados voltada aos dependentes químicos é “sinal de maturidade”
Os dependentes químicos encontraram um novo espaço junto às políticas públicas do governo federal: um espaço de cuidados. A atual diretriz da política de tratamento dos usuários de drogas, que fortalece parcerias com comunidades terapêuticas, por exemplo, é avaliada como positiva por especialistas do setor. Em entrevista ao Portal da Cidadania, o médico e Phd em Psiquiatria Ronaldo Laranjeira reconhece que as escolhas coordenadas pelo Ministério da Cidadania representam “um sinal de maturidade”, que ainda encontram respaldo na sociedade.
“Toda essa composição de acertos em sintonia com os vários níveis da sociedade fazem a gente ficar bastante otimista”, afirma o professor titular de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina e coordenador da Unidade de Pesquisa sobre Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Entre os acertos, Laranjeiras cita a formação de profissionais que atuam nas comunidades terapêuticas – oferecida gratuitamente pelo Ministério da Cidadania –, as escolhas de gestão baseadas em evidências científicas e a articulação com outros poderes da República para a promoção de uma política pública coerente e unificada.
Segundo o especialista, o contexto é favorável ao País: “chegou a hora de fornecer políticas públicas com qualidade”. Com 40 anos de pesquisas na área, o psiquiatra não deixa de apontar os principais desafios que serão enfrentados, paralelamente à execução da nova política. Confira a entrevista:
Ministério da Cidadania: Nesse novo momento o governo federal está valorizando o trabalho das comunidades terapêuticas no cuidado e no tratamento de dependentes químicos. Para o senhor, qual a importância desses espaços e qual deve ser o papel das comunidades?
Ronaldo Laranjeira: Há anos que as comunidades estão participando ativamente desse processo. Mas elas surgiram da omissão dos governos anteriores. Eles insistiram em uma política de tratamento que seriam os CAPS [Centros de Atenção Psicossocial]. Eu não tenho nada exclusivamente contra os CAPS, mas os últimos governos ficaram em uma política de que todas pessoas com dependências químicas deveriam simplesmente ir aos CAPS, e ambientes mais seguros como as comunidades terapêuticas foram simplesmente negligenciados. O que o governo atual fez foi reconhecer o que já existia. A maioria dessas comunidades vivem e sobrevivem de doações e do trabalho dos próprios participantes das comunidades. Então parece que houve todo um esforço para aumentar a participação delas e manter parte dos custos das comunidades. Até hoje, poucos governos deram suporte financeiro para essas comunidades. Então o governo atual teve esse reconhecimento de que as comunidades terapêuticas fazem parte de uma política pública sobre drogas, e isso foi uma grande mudança. Isso com certeza foi uma coisa importante e acho que o desafio agora é dar mais qualidade a esse serviço. Por isso são necessários critérios consistentes, legislação específica e padronização dos serviços. Eu acredito que esses critérios vão dar a qualidade necessária. É preciso ter um protocolo, formas de monitorar e avaliar os usuários dentro das comunidades terapêuticas. Buscar a integração das pessoas que estão nas comunidades terapêuticas com as próprias famílias, fazer o mais cedo possível a reinserção social com emprego e qualificação profissional. É preciso criar essa autonomia. O objetivo final deve ser a independência financeira e, se possível, o retorno da pessoa à família. Um grande problema é que parte dessas pessoas não tem mais família, mas esta é uma dificuldade que precisará ser superada, por exemplo, com a participação em uma outra comunidade que a acolha.
MC: Qual a importância da capacitação oferecida pelo governo federal para profissionais que atuam nas comunidades terapêuticas?
RL: Essa é uma experiência mundial. Não adianta você criar um grande serviço ou um grande tratamento se não houver um esforço bastante concentrado de treinamento. Do contrário, fica difícil julgar o efeito do trabalho que está sendo feito e o impacto. É preciso ter um mínimo de homogeneidade nas ações – não que se espere que todas as comunidades terapêuticas façam exatamente a mesma coisa, por exemplo. O Brasil é muito grande e diverso.
MC: O Ministério da Cidadania se articula com outros setores em sua política pública de atenção aos dependentes químicos. A Capacitação de Monitores e Profissionais das Comunidades Terapêuticas (Compacta), por exemplo, será executada pela Secretaria de Educação a Distância da Universidade Federal de Santa Catarina. E o conteúdo dessa formação foi elaborado pelo senhor. Como esse conteúdo foi pensado e de que forma está vendo essa parceria com o governo federal?
RL: Vejo com muito bons olhos. Estamos fazendo um treinamento que vai formatar todas as comunidades com alguns conceitos fundamentais sobre dependência química. Entender a natureza da dependência química, quais são os aspectos psicossociais e qual o impacto do uso e abuso de substâncias no desenvolvimento das pessoas. A estrutura do curso é composta em módulos sobre políticas públicas, prevenção, reinserção social, gestão e prestação de serviços. E nós não estamos inventando um curso, o conteúdo é proposto pela Organização das Nações Unidades (ONU), pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelos Estados Unidos e países da Europa. São conceitos universais do ponto de vista da ciência para quem lida com dependentes químicos.
MC: Como enxerga as diretrizes do governo federal para a área, em um contexto mais amplo? Acredita que há um respaldo da sociedade nessa nova política de cuidados em execução?
RL: Estou na área há 40 anos e pela primeira vez eu vejo o governo federal mudar a política. Ele fez esse enfrentamento com o Congresso e o Senado que resultou na Nova Lei de Drogas. Houve então uma coordenação, um protagonismo muito bom por parte do governo para mudanças legislativas com apoio da Câmara, do Senado e da própria população. A sociedade apoiou esse tipo de mudança política com objetivo de oferecer mais tratamentos, e de oposição ao conceito de legalização do uso de drogas. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, encaminhou tudo isso com o respaldo do presidente Bolsonaro e da Câmara e do Senado. Acho que isso é único no Brasil. Historicamente nunca vi tanta sintonia entre esses diferentes poderes. Eles ainda abriram rapidamente um número significativo de comunidades terapêuticas e concomitantemente criaram um treinamento de capacitação para que dê certo – algo acertado. A meu ver, não bastaria simplesmente criar vagas em comunidades e dar dinheiro. O governo está me parecendo responsável no sentido de oferecer conceitos básicos para transformar as comunidades terapêuticas em órgãos com conhecimento científico. É preciso levar em conta as peculiaridades de cada local e oferecer ferramentas científicas que justifiquem inclusive o fato da pessoa precisar passar um período fora da sua vida normal dentro de um ambiente específico. É preciso entender o que é a dependência química em todas as suas diferentes formas e fazer um diagnóstico do uso e do abuso. A dependência química não se manifesta igualmente em todas as pessoas, então é preciso ter a capacidade de diferenciar cada caso.
MC: Como o senhor vê a nova Política Nacional Sobre Drogas e a Nova Lei de Drogas sancionada em junho pelo governo Bolsonaro?
RL: Eu estou muito otimista. Sou daquelas pessoas que estão há 40 anos militando como professor, clínico e ativista. Nunca vi uma oportunidade tão grande e de sintonia entre os vários níveis do governo com a sociedade, todos objetivos comuns. É um grande momento para haver essa sintonia para podermos fazer a diferença, na área de prevenção e na lição clara do governo contra a legalização, uma postura francamente contra a legalização. Toda essa composição de acertos, em sintonia com os vários níveis da sociedade, fazem a gente ficar bastante otimista.
MC: O Ministério da Cidadania utiliza em várias áreas as evidências científicas como base de suas ações. Um exemplo é o Criança Feliz – que estimula o desenvolvimento infantil por meio de visitas domiciliares –, baseado em pesquisas que comprovam que, além de uma maior capacidade cognitiva, crianças com os incentivos corretos tendem a apresentar melhor desempenho escolar e menos chances de envolvimento com o crime e de uso de drogas. Como o senhor vê o uso da ciência norteando as políticas e a possibilidade de medir os resultados?
RL: Hoje existem dois consensos sobre políticas de prevenção. O primeiro é que você deve se basear no melhor que as pesquisas têm, porque esses componentes irão ajudar a atingir resultados mais efetivos. O segundo é que a política pública não pode simplesmente ser implementada e você falar que deu certo. Todos os países, de tempos em tempos, precisam monitorar suas políticas para ver se o objetivo está sendo alcançado. Porque o que mais acontece no mundo todo é que de tempos em tempos as políticas públicas são modificadas. E isso não ocorre necessariamente porque deram errado, mas porque elas precisam melhorar, precisam ser aperfeiçoadas. É algo realista. Alguns anos atrás o governo anterior financiou cinco programas de prevenção na área de álcool e drogas. Nenhum desses cinco se mostraram válidos ou positivos. Não que eu ache que os colegas tenham sido negligentes, mas é que é difícil mesmo fazer uma política pública que tenha um grande efeito. São detalhes técnicos que, às vezes, sendo aprimorados, o impacto dos programas de prevenção melhoram. Nenhum programa de prevenção nasce pronto, e não é demérito nenhum se um outro governo depois alterar e melhorar. Para mim, a política pública que o governo atual está mantendo é um sinal de maturidade, e com uma avaliação do que está sendo feito, daqui uns dois anos, as ações podem melhorar ainda mais.
MC: Muito falou-se também sobre políticas públicas antigas baseadas mais em ideologias do que em resultados e evidências científicas...
RL: Os antídotos para barrar essas atitudes ideológicas é medir o que se está fazendo. O que os países desenvolvidos têm feito? Cria-se a política e se contrata empresas para avaliação. Este é um grande antídoto, não ficar transformando políticas públicas em ideologia. Eu, como pesquisador, não tenho interesse em perder anos da minha vida fazendo coisas ideologizadas e depois dizer que não deu certo. E não faria isso também porque não seria o melhor jeito de ajudar as pessoas mais vulneráveis do país. Chegou a hora de fornecer políticas públicas com qualidade, que precisam ser monitoradas regularmente para saber se está dando certo, porque se não estiver dando certo, poderá ser modificada o mais rápido possível.
MC: O que ainda precisa ser feito para mudar a realidade de quem precisa desses atendimentos?
RL: O grande desafio é melhorar o serviço. Tem pessoas de altíssimo nível no governo que sabem o que tem que ser feito: parcerias com o Narcóticos Anônimos, com o Alcoólicos Anônimos, com o Amor Exigente, que o CAPS precisa mudar e ser mais ativo, que os hospitais psiquiátricos têm que ter mais qualidade, e que é preciso estar em sintonia com a sociedade organizada. Acho que isso vai causar grande impacto. Não será apenas o setor da Saúde que vai resolver o problema das drogas. É essa articulação entre vários setores que faziam muito mas que às vezes não se sentiam participando do governo. Eu acho que o governo tem que ir em busca dessas parcerias. Isso vai fazer a diferença nos próximos anos. Eu acredito muito nisso.
Por Diego Queijo
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cidadania
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