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COMBATE ÀS DROGAS
No Dia Internacional da Família, Governo Federal ressalta a importância do núcleo familiar para quem está na luta contra as drogas
“Meu pai abriu a porta do carro, colocou a mão no meu ombro e falou: ‘Filhão, a gente vai sair dessa, eu e você, juntos’, e me abraçou. Ali, ele salvou a minha vida”. Foi assim, com o apoio incondicional da família, que Rodrigo Monteiro, de 40 anos, conseguiu juntar forças para lutar contra o vício em cocaína. Rodrigo hoje é médico do trabalho, dermatologista e perito judicial, mas ele nunca acreditou que pudesse chegar tão longe. “Achava totalmente fora do meu alcance. Estudar medicina não é para quem fez supletivo”, recorda.
A crença era justificada pela trajetória. Aos 13 anos, bebeu pela primeira vez. Aos 14, foi apresentado à maconha. Conheceu a cocaína aos 15. A inocência da juventude o fazia crer que as substâncias eram inofensivas, acreditava que conseguiria parar com o consumo quando quisesse. Mas o uso da droga, que antes ocorria esporadicamente, passou a ser frequente. Primeiro, uma vez por semana, até que Rodrigo, aos 17 anos, perdeu o controle que jurava ter. “É horrível, a gente olha pra si e sabe que não está no comando. Entre escolher comer e usar droga, eu escolhia a droga”, lamenta. “Eu saía numa sexta-feira pra ir pra balada, como qualquer pessoa normal, achando que voltaria pra casa às 04h, 05h da manhã. Mas eu saía na sexta e voltava pra casa na segunda-feira, terça ou mesmo na quarta”.
E se as noitadas na rua eram tomadas pela euforia causada pela droga, para os pais de Rodrigo, as madrugadas eram sinônimo de insônia e angústia. “É um desespero muito grande saber que seu filho está na rua e você não ter a menor noção de onde ele está e nem em qual condição”, conta a mãe, Selma Monteiro, de 70 anos. O transtorno que estava causando para a própria família era motivo de sofrimento para Rodrigo. A esse ponto, as duas irmãs mais velhas já não falavam mais com ele por não aceitarem o que as atitudes do jovem provocavam nos pais.
Perder o controle da própria vida e ter vergonha de voltar para casa foi o estopim para que o jovem resolvesse pedir ajuda. Numa madrugada, acordou os pais e revelou toda a verdade sobre a situação que estava vivendo. Decidiram que buscariam ajuda juntos.
Foram diversas idas a psicólogos, psiquiatras, grupos religiosos e até uma internação caseira – Rodrigo combinou com a família que só sairia de casa acompanhado. As medidas obtinham algum sucesso no começo, mas ele logo sucumbia e voltava para a antiga vida. Depois de tantas tentativas em vão, eles chegaram à conclusão de que Rodrigo, agora com 19 anos, deveria ser internado em uma clínica. O adolescente concordou.
Era uma sexta-feira quando foram conhecer o lugar escolhido, que ficava na cidade paulista de Taquaritinga, a cerca de 330 quilômetros da capital. A família toda aprovou a comunidade terapêutica e Rodrigo voltaria na segunda-feira seguinte já com as malas para ficar de vez pelos próximos 11 meses. Durante o final de semana, entretanto, considerou boa a ideia de fazer uma espécie de “despedida da droga”, uma vez que nunca mais a consumiria. As coisas, claro, saíram do controle.
“Eu estava numa rua perto de casa, num domingo, mas não tinha coragem de voltar. Com que cara eu iria chegar lá? Tinha vontade de me matar por achar que isso resolveria meus problemas, mas eu não tinha coragem. Era uma situação horrível, de completo desespero e eu não sabia o que fazer”, lembra Rodrigo. Decidiu ligar para casa de um orelhão, quem atendeu foi o pai. “Pelo tom da voz dele, eu tinha certeza de que ele não me aceitaria de volta. Eu contei onde estava, disse que queria voltar, mas que estava sem coragem. Pedi desculpas por tudo e desliguei”.
Ele havia desistido de si mesmo, mas a família não. Cinco minutos depois de ter falado com o pai ao telefone, avistou um homem descalço e sem camisa correndo em sua direção. A esse ponto da história, Rodrigo não consegue mais segurar as lágrimas e chora copiosamente enquanto fala do momento em que viu sua vida ser salva. “Na hora em que eu vi que era meu pai correndo, eu fui tocado por Deus. Naquele momento, eu decidi parar. Eu decidi que não poderia fazer mais isso comigo, com ele, com a minha mãe. Eu fui tocado por uma força que para mim é Deus. Eu decidi que aquela história iria acabar ali”.
E acabou. No dia seguinte, internou-se voluntariamente na comunidade terapêutica e em junho deste ano completa 21 anos de sobriedade. Durante a internação, o suporte familiar foi essencial. As irmãs voltaram a falar com Rodrigo e faziam questão de se juntarem aos pais nas visitas à clínica, fato que deixava o jovem emocionado e ainda com mais vontade de vencer o vício. “Eu renasci, aprendi a amar o próximo e a mim mesmo. Aprendi a dar valor às pequenas coisas. Achava muito legal vir pra casa almoçar em família, sentar ao lado da minha mãe, ver novela...”.
As famílias também precisam passar por um tratamento, pois todos acabam adoecendo junto com o dependente químico. “Não adianta os pais oferecerem ajuda e não se deixarem ser ajudados”, afirma Selma, mãe de Rodrigo. “Aqui em casa, todos vamos aos grupos de ajuda. As irmãs, as tias, todo mundo”.
Frequentar comunidades terapêuticas e grupos de apoio é fundamental para o sucesso do tratamento, explica Miguel Tortorelli, presidente da Federação de Amor exigente. “Ao sair da internação, é essencial que a pessoa siga buscando ajuda. A dependência é uma doença incurável e nesses grupos a pessoa vai saber do que ela precisa pra continuar bem. É a fase dois do tratamento.” E isso se aplica também às famílias. Tortorelli afirma que as famílias que conseguem mudar o pensamento e a forma de agir são plenamente capazes de recuperar o ente querido.
O Ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, ressalta ainda que o núcleo familiar é o alicerce principal em inúmeras etapas de nossas jornadas. No caso da dependência química, não seria diferente. "A família é essencial na vida de qualquer ser humano. E, nesses processos terapêuticos, seu apoio é fundamental: é na família que nos apoiamos nos momentos mais decisivos de nossas vidas".
As taxas de recuperação nos grupos e comunidades impressionam: chegam a 90%. O Ministério da Cidadania realiza um consistente trabalho com entidades da sociedade civil que recuperam usuários. Em 2018, o governo financiava 2.900 vagas para tratamentos nesses grupos. Hoje, o montante chega a 11 mil. São 150 milhões de reais aportados anualmente pelo Governo Federal para 484 comunidades terapêuticas. E os números vão aumentar ainda mais: em julho, será anunciado o resultado de um edital que deve fazer com que o financiamento alcance 20 mil vagas.
“Desde a publicação do decreto presidencial que alterou a Política Nacional Sobre Drogas, em abril de 2019, pudemos nos aproximar de grupos que trabalham focados na recuperação e reinserção desse indivíduo na sociedade. Deste modo, ele pode voltar a ter uma vida cidadã digna”, diz Quirino Cordeiro, Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas.
Ter um filho envolvido com drogas, geralmente, causa nos pais uma sensação de culpa e impotência. A pergunta “onde foi que eu errei?” costuma ser frequente. É sabido que manter um ambiente familiar saudável, com amor, união e manutenção dos valores éticos é fundamental para prevenir problemas com substâncias psicoativas, como álcool e drogas. O psiquiatra Estéfano Ubiali ressalta que proximidade, rotina, bons exemplos, dedicação acadêmica e profissional, ausência de violências, espiritualidade e promoção de hábitos saudáveis são fatores protetivos que costumam gerar bons resultados.
Mas nem sempre são o suficiente. A dependência química é uma doença. “Ela não é diferente de outras doenças multifatoriais, como as infecciosas e autoimunes. Existem fatores biológicos, psicológicos e sociais”, explica Ubiali.
Alberto * conhece bem o que é essa sensação de impotência. A filha, Jéssica *, se envolveu com cocaína vinte anos atrás, aos 22. “Descobrir que a Jéssica estava envolvida com drogas foi um choque. Ela é filha única, sempre fiz tudo por ela – e continuo fazendo”, conta Alberto .
Em junho, Jéssica , completa um ano de sobriedade. A história dela difere da maioria dos casos de dependência química, em que as pessoas começam com bebidas alcóolicas, cigarro, maconha e vão conhecendo drogas novas. Ela experimentou cocaína pela primeira vez por causa do namorado. “Quando descobri que ele usava droga, depois de dois anos e meio de relacionamento, fiquei muito triste, mas estava muito apaixonada e decidir experimentar”, revela.
Um ano depois de experimentar, a jovem já consumia a droga todos os dias. A tal ponto, o relacionamento não a fazia mais feliz e estava determinada a deixar o namorado e a dependência, mas percebeu que não conseguiria sozinha. Foi quando decidiu pedir ajuda ao pai.
O caminho para a recuperação revelou-se tortuoso. Durante 17 anos, Jéssica teve inúmeras recaídas. Nesse esse período, engravidou do filho, que hoje é adolescente. A gravidez foi o período que a deixou mais tempo longe da cocaína, passou quase dois anos limpa, mas, novamente, Jéssica acabou cedendo ao desejo.
Em 2018, pediu ajuda ao pai mais uma vez. “Meu pai foi conversar com um amigo de infância que trabalha em uma comunidade terapêutica. Eu comecei a frequentar as reuniões e lá conheci uma pessoa que me convenceu de que me tratamento só seria completo com a internação”. Foram seis meses de cuidados intensivos em uma comunidade terapêutica até que tivesse alta, em junho do ano passado.
Assim como na história de Rodrigo, a família foi fator fundamental para o sucesso do tratamento de Jéssica . “O apoio é uma coisa que move, porque a gente fica sem autoestima e sem amor próprio, então, tendo esse suporte você pensa mais nas pessoas. Quando você faz um ato de autodestruição, como usar drogas, por mais que você não pense em você, você pensa nos outros e isso te dá consciência”, desabafa Jéssica .
A dependência química é uma batalha a ser enfrentada pelo resto da vida, mas com tratamento e muito apoio daqueles que o cercam, é possível voltar a ter uma rotina normal. Pra quem já passou pelo pesadelo, ficou a lição: o amor da família salva. “Se não tiver a união familiar, fica mais difícil de conseguir os objetivos”, avalia Selma Monteiro, mãe de Rodrigo. Jéssica reflete sobre o aprendizado: “Ao mesmo tempo em que teve muita dor, teve muita lição. Acho que mudei muito como ser humano. Tornei-me mais humilde, aprendi que eu preciso das pessoas”.
* Os nomes foram trocados para manter a privacidade dos entrevistados.
Ascom - Ministério da Cidadania