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SEMINÁRIO MERCOSUL
Mercosul reconhece o valor econômico do cuidado
Foto: Roberta Aline/ MDS
Construir a agenda política para implementação de uma sociedade de cuidados é um desafio que a América Latina está disposta a enfrentar. No I Seminário Mercosul, realizado nesta quarta-feira (8.11), em Brasília, com a presença de autoridades de governos de seis países latino-americanos, diversos organismos internacionais e sociedade civil, as Políticas e Sistemas de Cuidados foram apresentadas como uma possível revolução, e o debate foi comparado às discussões realizadas há 20 anos, no marco do início do Programa Bolsa Família, principal política de transferência de renda da história do Brasil.
Foi quase unanimidade entre as autoridades presentes, o reconhecimento da capacidade transformadora dessa política, no sentido de promover a reorganização da divisão do trabalho de cuidado entre homens e mulheres, entre famílias, Estado e empresas, para engatar uma mudança nos paradigmas econômicos atuais.
O potencial de transformação reside no fato de que essas políticas estão colocando o foco nas pessoas, ou seja, a política afirma que o cuidado é uma necessidade e um direito de todas as pessoas e que tem que haver uma transformação na forma como esse cuidado hoje é realizado"
Laís Abramo, secretária nacional da Política de Cuidado e Família do MDS
A secretária nacional da Política de Cuidado e Família (SNCF) do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Laís Abramo, destacou que “o potencial de transformação reside no fato de que essas políticas estão colocando o foco nas pessoas, ou seja, a política afirma que o cuidado é uma necessidade e um direito de todas as pessoas e que tem que haver uma transformação na forma como esse cuidado hoje é realizado, porque ele está baseado fundamentalmente nas famílias e no trabalho invisibilizado das mulheres no interior de seus próprios domicílios”.
Compromissado com o enfrentamento da desigualdade no Brasil, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, comentou a necessária virada econômica exigida para encarar o direito ao cuidado como um investimento social.
“A nível mundial, o investimento em cuidados poderia gerar 230 milhões de empregos até 2030”, explicou o ministro. Ele ressalta ainda que o Brasil só atingirá as metas de eliminação da fome e da pobreza e de enfrentamento às desigualdades se avançar nas Políticas de Cuidado.
Os serviços públicos e privados de cuidados são oferecidos de maneira insuficiente e desigual. Em 2050, o Brasil terá cerca de 77 milhões de pessoas dependentes de cuidado, entre idosos e crianças, segundo dados do IBGE. No entanto, segundo levantamento do MDS, apenas 30% dos municípios brasileiros contam com instituições de assistência a idosos, a maioria localizada na região Sudeste.
O mesmo acontece com a oferta de creches. Em 2019, 35,5% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches. Essa média nacional, entretanto, não expressa as profundas desigualdades de acesso conforme raça, renda e local do domicílio. Na região Sul, 43% das crianças estão matriculadas em creches, contra 17,4% na região Norte.
Do lado de quem cuida, há sobrecarga de trabalho num mercado não reconhecido como produtivo, não valorizado como trabalho, desregulamentado e sem mecanismos de fiscalização. A maioria das trabalhadoras domésticas são mulheres negras, que enfrentam condições de trabalho precárias e baixa proteção social. Quanto maior o salário da mulher, menos tempo ela despende nos trabalhos domésticos.
Toda essa sobrecarga de trabalho de cuidado, que está sobre os ombros das mulheres, impede que elas tenham a sua autonomia econômica e possam entrar no mercado de trabalho. Para Laís Abramo, isso é, então, “um enorme desperdício de recursos humanos e recursos das mulheres, que não estão sendo usados justamente para gerar renda, para que elas tenham uma inserção decente no mercado de trabalho e assim conseguir contribuir de maneira muito eficaz, não apenas para a provisão do bem-estar das suas famílias, mas também para a dinamização da economia e para o desenvolvimento do país”, opinou.
O I Seminário do Mercosul foi organizado pelo Governo Federal, enquanto exerce a presidência pro tempore do bloco, e marca o retorno da atuação brasileira em fóruns internacionais. Os países da América Latina estão em diferentes estágios de elaboração e implementação de políticas para quem precisa de cuidados e quem cuida, sendo o Uruguai o país em mais avançado nível de implementação.
A oficial sênior de Assuntos Sociais da Divisão de Assuntos de Gênero da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), Lucía Scuro, reforçou a necessidade dos governos apostarem em políticas ousadas e robustas e sugeriu não tomar o setor de cuidados como um custo, propondo uma ousada inversão: “Qual o custo de não investir em políticas de cuidado?”, provocou.
No painel sobre as experiências nacionais de criação de políticas e sistemas de cuidados, foram apresentadas as iniciativas do Brasil, Chile e Paraguai. “O Brasil chegou atrasado nessa agenda, mas chegou com força, vontade e muita disposição”, declarou Laís Abramo.
Política Nacional
O Grupo de Trabalho Interministerial (GTI-cuidados), responsável por elaborar a Política Nacional de Cuidados, foi criado em maio deste ano e recentemente iniciou um processo de consulta pública. A política de cuidados do Paraguai também foi elaborada por meio de um Grupo Impulsor Interministerial, liderado pelo Ministério das Mulheres, e está em tramitação no Congresso do país. Ambas as propostas têm como objetivo a universalização progressiva do acesso ao direito e definiram crianças, pessoas idosas, pessoas com deficiência e trabalhadoras do cuidado como público prioritário de suas políticas.
Já o Chile tem se mostrado atento à necessidade de adaptar as políticas de cuidado às particularidades regionais e locais. Chile Cuida é o Sistema Nacional e Integral de Cuidados do país, desenvolvido desde 2022 e implementado de maneira progressiva por meio dos municípios. O país conta com nove programas específicos de cuidado, 41 programas intersetoriais e diversas políticas públicas governamentais associadas ao cuidado.
Um dos desafios para a implementação dessas políticas é a precariedade enfrentada pelas mulheres que desempenham atividades remuneradas do cuidado, entre elas as trabalhadoras domésticas, e a ausência de ratificação de convenções importantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que protegem essas pessoas e garantem seus direitos.
Essa foi uma das preocupações trazidas pela especialista de Gênero da OIT, Paz Arancibia. Ela diz que não podemos seguir separando o mundo produtivo do reprodutivo, que já passou da hora de politizar o cuidado e tratá-lo como uma questão pública. E, embora as políticas de cuidado tenham sido tratadas pela maioria dos presentes como algo inovador a ser celebrado por sua potência transformadora, Arancibia expôs que 12 países da América Latina ainda não são signatários da C156 da OIT, uma convenção que data de 1981 e versa sobre a proteção de trabalhadoras e trabalhadores com responsabilidades familiares para que não sejam discriminados no ambiente de trabalho.
Por último falou a representante do Fórum Feminista Antirracista por uma Política Nacional de Cuidados, Isabel Freitas. Aplaudida pela intervenção, Isabel criticou o termo “crise de cuidados” reposicionando-a como uma crise da vida. Ela explicou que essa situação é fruto de um modelo de desenvolvimento econômico que privilegia a mercantilização da vida e dos recursos naturais em prol do lucro de empresas. “Precisamos trazer isso para o centro do debate político”, reforçou.
O evento foi organizado pelo Governo Federal em conjunto com a Agência Brasileira de Cooperação e a ONU Mulheres. O ministro Wellington Dias continua nesta quinta-feira (9) os diálogos na 42ª Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social (RMADS) do Mercosul.
Assessoria de Comunicação - MDS