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Escutas nacionais revelam desafios e demandas de crianças, adolescentes e comunidade LGBTQIA+ na Política de Cuidados
A Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família (SNCF) do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) está com uma agenda intensa de escutas para promover a participação social na construção da Política Nacional de Cuidados. O objetivo é criar uma Política que atenda às demandas da população brasileira em toda a sua diversidade e complexidade.
As crianças e adolescentes, em especial a primeira infância, são um dos públicos prioritários da Política. Cerca de 20 conselheiros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) foram ouvidos, em reunião virtual. Foi consenso a importância de não negligenciar nenhuma fase da infância e adolescência, enfatizando a insuficiência dos programas de saúde mental e a crescente incidência de tentativas de suicídio entre os adolescentes.
Para a diretora-presidente da Associação de Pesquisadores e Formadores da Área da Criança e do Adolescente (Neca), Dayse Bernardi, “todo recorte etário significa que uma fase da infância pode estar sendo negligenciada. A adolescência não está sendo vista, ouvida e olhada, tanto na situação de evasão escolar, como de saúde mental”, declarou.
Ela afirmou que essa população não está tendo acesso aos programas de saúde mental e que estes são insuficientes para acolher o sofrimento psíquico deles, expresso, por vezes, em uso de substancias psicoativas e tentativas de suicídio. “É preciso ver essa faixa de idade como um período especial de crescimento”, recomendou a diretora.
Entre os temas discutidos, destacou-se a problemática da retirada compulsória de bebês, muitas vezes motivada por preconceitos contra mães usuárias de drogas ou com problemas de saúde mental. Esta prática, que desconsidera as particularidades de cada caso e frequentemente recorre à adoção como uma solução imediata, não considera a possibilidade de manter as crianças com suas famílias estendidas.
A vice-presidente do Conanda, representante do Conselho Federal de Psicologia, Marina Poniwas relatou uma preocupação: “As famílias pobres são acusadas de negligentes quando constituem uma rede de apoio no território para desempenhar o cuidado e são acusadas de terceirizar o cuidado”. A especialista defende que, ao invés de priorizar a adoção, deve-se oferecer suporte financeiro e recursos adequados para que as famílias estendidas possam acolher estas crianças de maneira eficaz e amorosa. Além disso, é fundamental a implementação de políticas de apoio à parentalidade, visando fortalecer os laços familiares e evitar a separação desnecessária.
A situação das mães solteiras, muitas das quais são negras, desempregadas ou que estão fora da força de trabalho, foi destacada pela Conselheira Ana Cifali, do Instituto Alana. A realidade mostra que essas mães enfrentam grandes desafios para se inserir ou permanecer no mercado de trabalho. Isso é agravado pela falta de políticas públicas que reconheçam e valorizem o trabalho de cuidado, bem como pela ausência de infraestruturas de apoio, como creches acessíveis e horários de trabalho flexíveis.
Também foi discutida a sobrecarga das mães com o cuidado dos filhos, que muitas vezes as afasta do mercado de trabalho, criando dependência financeira e aumentando o risco de violência doméstica. A criação de iniciativas que incentivem a reintegração dessas mães no mercado de trabalho, oferecendo condições justas e adaptadas às suas necessidades, como horários flexíveis e locais de trabalho próximos de casa ou da escola dos filhos foi uma das propostas para enfrentar o problema. Essas medidas não só promoveriam a autonomia financeira das mães, mas também contribuiriam para o desenvolvimento de comunidades mais inclusivas e sustentáveis.
Além disso, a conselheira Dayse Bernardi trouxe a importância da intergeracionalidade no contexto da política de cuidados, uma abordagem que une as necessidades da infância e da terceira idade. A ideia é promover interações entre crianças e pessoas idosas, visando não apenas preservar o direito ao brincar e à criação de memórias lúdicas para as crianças, mas também oferecer às pessoas idosas a oportunidade de compartilhar experiências e sabedoria. Esta estratégia fomenta a criação de laços sociais e afetivos, enriquecendo a vida de ambos os grupos etários.
Iniciativas como programas intergeracionais em centros de cuidados ou atividades comunitárias conjuntas podem proporcionar benefícios significativos, como a redução da solidão entre os idosos e o desenvolvimento de habilidades sociais nas crianças. A integração dessas gerações em atividades de cuidado mútuo é uma abordagem promissora para fortalecer o tecido social e promover uma cultura de respeito e solidariedade entre as diferentes faixas etárias.
População LGBTQIA+
A Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família do MDS tem se dedicado intensamente a escutar diferentes vozes para moldar a Política Nacional de Cuidados. A comunidade LGBTQIA+, frequentemente vítima de diversas formas de discriminação, violação de diretos, e enfrentando obstáculos específicos no acesso a cuidados e saúde, é um dos públicos com atenção especial. A pandemia exacerbou as vulnerabilidades desse grupo, com muitos membros sofrendo violência e rompimento de laços familiares. Redes nacionais, coletivos e outros grupos que compõem o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ foram escutados pela SNCF.
Destacou-se a necessidade de políticas de cuidados que reconheçam as variadas expressões de gênero e sexualidade, levem em consideração os diversos arranjos familiares na prestação de cuidados e esteja associada a um programa de apoio à população LGBTQIA+ na terceira idade. Para os Conselheiros, as redes de apoio atuais muitas vezes são insuficientes ou ineficazes no atendimento às especificidades dessas pessoas, evidenciando uma lacuna significativa nos serviços disponíveis.
A transversalidade é um aspecto crucial para compreender e abordar as necessidades das pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais, queers, intersexuais e outras diversidades de gênero e sexualidade, e para criar uma política de cuidados eficaz e acessível. Os Conselheiros expuseram que as políticas precisam ser transversais: não devem ser pensadas de maneira isolada, mas incorporadas em todas as áreas, como educação, saúde, habitação, segurança e assistência social. O aspecto da descentralização territorial das políticas foi o mais destacado pelos presentes.
Atualmente, muitos profissionais nos municípios não estão qualificados para atender às demandas dessa população. Os ambulatórios trans, por exemplo, predominantemente localizados nas capitais, não refletem a presença e as necessidades deste público, que está presente em todo o país. Especialistas e ativistas apontaram ainda a necessidade de estruturas de apoio específicas, como casas de acolhimento e centros de apoio. Eles enfatizam que, embora existam redes de atendimento voltadas para mulheres, estas muitas vezes falham em atender adequadamente as mulheres lésbicas.
Para os membros do Conselho Nacional LGBTQIA+, é crucial que o governo considere fatores como raça, gênero e classe ao determinar as prioridades para atenção, suporte e cuidado. Eles enfatizam a necessidade de políticas que reconheçam as experiências singulares enfrentadas pelos membros da comunidade, que muitas vezes vivenciam desafios adicionais devido à intersecção de sua identidade sexual ou de gênero com outras identidades marginalizadas. Uma atenção particular deve ser dada aos membros da comunidade LGBTQIA+ que estão em situação de rua, em condições de pobreza ou que são idosos, assegurando que suas necessidades específicas sejam atendidas.
Durante a reunião, foi destacada a necessidade de reforçar e investir em iniciativas existentes, como o programa "Brasil sem Homofobia", por meio de formações continuadas para profissionais. Além disso, ressaltou-se a importância de implementar políticas que integrem arte e cultura, bem como de fortalecer a autonomia econômica da população LGBTQIA+, reconhecendo as diversas formas de arranjos familiares e expressões de identidade dentro da comunidade. É essencial que tais políticas sejam inclusivas e atendam às diversas necessidades dessa população em todo o território nacional.
O diálogo com a comunidade e a consideração de suas vivências e demandas são fundamentais para o desenvolvimento de uma política de cuidados verdadeiramente inclusiva e representativa, garantindo que todas as pessoas LGBTQIA+ tenham suas necessidades de cuidados atendidas de forma digna e igualitária.
Além dessas escutas, já foram realizadas rodas virtuais e presenciais junto a outros 15 grupos populacionais. Empresas, população rural, indígena, centrais sindicais e sindicatos de trabalhadoras domésticas, associações de cuidadoras e de catadoras de material reciclável, mulheres migrantes, população de rua, movimentos sociais, pessoas idosas e pessoas com deficiências são alguns dos segmentos contemplados pelo processo de participação social. Outras quatro rodas de escuta estão agendadas ainda para dezembro.
A população brasileira pode participar do processo de maneira online. As contribuições serão subsídios para o processo de formulação da Política e do Plano Nacional de Cuidados. No portal Participa + Brasil serão coletadas opiniões e sugestões sobre o Marco Conceitual da Política, incluindo aspectos como seu escopo, destinatários dos direitos, grupos beneficiados, além dos princípios e diretrizes que deverão orientar esta iniciativa pública.
No formulário eletrônico é possível relatar necessidades específicas de cuidado, avaliar a eficácia dos serviços atualmente disponíveis, identificar lacunas e propor melhorias. Esta consulta pública estará aberta para contribuições até o dia 15 de dezembro de 2023, oferecendo uma plataforma inclusiva para que todos possam influenciar e moldar políticas públicas de cuidados no Brasil.
Assessoria de Comunicação – MDS