A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer especificidades étnicas e territoriais de indígenas e quilombolas abriu espaço para o surgimento de outras leis infraconstitucionais. Por meio do Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007 foi instituída a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) que traz a definição de povos e comunidades tradicionais como: “Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
A definição legal de povos e comunidades tradicionais aponta para o reconhecimento dessas populações como sujeito de direitos, que reivindicam o direito a identidades específicas e que possuem formas de organização próprias, com estreita relação com o território e com os recursos naturais.
A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais traz também a definição de territórios tradicionais: “espaços necessários à reprodução social, cultural e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária.”
A implementação da PNPCT é acompanhada pelo Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), instituído pelo Decreto nº 8750, de 09 de maio de 2016. O Artigo 4ª – Parágrafo Segundo descreve a composição do Conselho que atualmente é composta por 28 segmentos da sociedade civil, sendo eles:
Ambos os Decretos (PNPCT e CNPCT) cumprem os objetivos dispostos na Constituição Federal – Artigos 215 e 216, que consagram diversos direitos fundamentais, entre eles o direito à cultura com vistas à proteção dos grupos sociais que contribuíram para a formação da identidade étnica, cultural e histórica de nossa sociedade.
Importante destacar que o Estado Brasileiro não tem a atribuição de reconhecer quem pertence ou não pertence a um povo e/ou comunidade tradicional, devendo ser respeitada a autodeclaração identitária, bem como o reconhecimento pelos pares da identidade.
O direito à alimentação adequada é reconhecido como um dos Direitos Humanos fundamentais e inerentes à dignidade humana. Todo direito humano é universal, ou seja, deve ser garantido a todo ser humano independente de raça, cor, sexo, orientação sexual, idade, origem étnica, religião e/ou orientação política. No Brasil, o Direito Humano a Alimentação Adequada (Dhaa) é garantido pela Constituição Federal de 88, art.6º e pela Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006 - Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), além de tratados internacionais ratificados pelo país. De acordo com a LOSAN, art. 3º:
“A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.
O direito à alimentação possui duas dimensões principais: 1) o direito de estar livre da fome e 2) o direito à alimentação adequada.
De acordo com o Guia Alimentar para a população brasileira, o direito à alimentação adequada deve levar em conta a dimensão cultural da alimentação:
“A alimentação adequada e saudável é um direito humano básico que envolve a garantia ao acesso permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais do indivíduo e que deve estar em acordo comas necessidades alimentares especiais; ser referenciada pela cultura alimentar e pelas dimensões de gênero, raça e etnia; acessível do ponto de vista físico e financeiro; harmônica em quantidade e qualidade, atendendo aos princípios da variedade, equilíbrio, moderação e prazer; e baseada em práticas produtivas adequadas e sustentáveis”.
A Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan/MDS) parte da compreensão da pobreza como uma categoria multidimensional, que não se expressa apenas na carência de bens materiais, mas também na carência de direitos, oportunidades, informação e nas distintas situações de precariedades relacionadas à inserção social. Reconhece ainda que famílias de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais são famílias que convivem com discriminação étnico racial e/ou cultural e que a convivência com essas discriminações são promotoras de vulnerabilidades que devem ser enfrentadas.
Neste contexto, as políticas públicas de segurança alimentar só serão universais se forem equânimes e só serão equânimes se reconhecerem as diferenças e especificidades de seus usuários/beneficiários.
Se de um lado o Direito Humano à Alimentação Adequada é um direito universal, existe o desafio de levar em conta as especificidades étnicas e culturais presentes no território brasileiro para que ele seja garantido a todos e todas.
Com base nesse entendimento, a Secretaria vem atuando para priorizar e aprimorar a implementação de ações e políticas públicas de promoção de soberania e segurança alimentar para que sejam adequadas às realidades e às especificidades dos povos e comunidades tradicionais, reconhecendo e respeitando seus sistemas de organização social e produtiva e valorizando as práticas, conhecimentos e tecnologias tradicionais.
Entre as políticas públicas executados pela SESAN/MDS, os que atendem com recorte específico para povos e comunidades tradicionais são: