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FACTSHEET
Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia
I. A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO ACORDO
Em 6 de dezembro de 2024, os líderes do MERCOSUL e da União Europeia anunciaram, em Montevidéu, a conclusão das negociações do Acordo de Parceria entre o MERCOSUL e a União Europeia. O anúncio permite a preparação dos textos do Acordo para sua posterior assinatura e ratificação.
Fruto do esforço de mais de duas décadas de tratativas, o resultado alcançado pelas duas regiões é transformador tanto da perspectiva econômica quanto política, além de reforçar o MERCOSUL como plataforma de inserção internacional de seus Estados Partes.
O Acordo integrará dois dos maiores blocos econômicos do mundo. Juntos, MERCOSUL e UE reúnem cerca de 718 milhões de pessoas e Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente US$ 22 trilhões de dólares. [1] Quando examinado pelo volume de comércio entre os dois blocos, trata-se ao mesmo tempo do maior acordo comercial negociado pelo MERCOSUL e um dos maiores dentre aqueles pactuados pela União Europeia com parceiros comerciais.
Medido pelas populações abrangidas em conjunto com o tamanho das economias dos dois blocos, o Acordo de Parceria entre o MERCOSUL e a União Europeia é um dos maiores acordos bilaterais de livre comércio do mundo—em um contexto internacional de crescente protecionismo e unilateralismo comercial, esse resultado é uma sinalização em favor do comércio internacional como fator para o crescimento econômico.
Para o Brasil, o Acordo possui valor estratégico em diversos sentidos. A União Europeia é o segundo principal parceiro comercial do Brasil, com corrente de comércio, em 2023, de aproximadamente US$ 92 bilhões. O Acordo deverá reforçar a diversificação das parcerias comerciais do Brasil, ativo de natureza estratégica para o país, além de fomentar a modernização do parque industrial brasileiro com a integração às cadeias produtivas da União Europeia. Espera-se, da mesma forma, que o Acordo dinamize ainda mais os fluxos de investimentos, o que deve reforçar a atual posição da UE como a detentora de quase metade do estoque de investimento estrangeiro direto no Brasil.[2]
O Acordo anunciado em 6 de dezembro de 2024 incorpora compromissos inovadores, equilibrados e consentâneos com os desafios do contexto econômico internacional:
- O Acordo reflete um quadro internacional onde ganha centralidade o papel do Estado como indutor do crescimento e promotor da resiliência das economias nacionais, sobretudo após a pandemia do COVID-19. O MERCOSUL e União Europeia abrem importantes oportunidades para o aumento do comércio e investimentos bilaterais sem deixar de preservar o espaço para a implementação de políticas públicas em áreas como saúde, empregos, meio ambiente, inovação e agricultura familiar.
- O MERCOSUL e a União Europeia reconhecem que os desafios do desenvolvimento sustentável devem ser enfrentados por todos, tendo presente as responsabilidades comuns, porém diferenciadas dos países. O Acordo contempla, de forma colaborativa e equilibrada, diferentes compromissos que visam conciliar o comércio com o desenvolvimento sustentável de maneira efetiva. Valendo-se das sólidas credenciais de sustentabilidade do Brasil, o Acordo fomenta a integração de cadeias produtivas para avançar rumo à descarbonização da economia, além de estimular a concessão de tratamento favorecido para o comércio exterior de produtos sustentáveis. A UE também se compromete a oferecer pacote inédito de cooperação para apoiar a implementação do Acordo.
- A fim de preservar os ganhos de acesso ao mercado europeu negociados pelo MERCOSUL, o Acordo inova ao estabelecer mecanismo de reequilíbrio de concessões. Com isso, o Acordo oferece satisfação a nossos exportadores caso medidas internas da UE comprometam o uso efetivo de vantagens obtidas no Acordo.
- O Brasil fez questão de incluir no Acordo compromissos que garantem a transparência e a inclusividade. Entidades da sociedade civil, sindicatos, organizações não governamentais, além do setor privado e representantes de diversos segmentos sociais, ganham canais para expressar sua voz e monitorar os impactos do Acordo, que poderá ser revisado periodicamente para melhor atender aos interesses da sociedade. Além disso, há compromissos para fazer com que agricultores familiares, comunidades locais e mulheres tenham acesso efetivo aos benefícios que o Acordo pode gerar.
Em um quadro global de crescente contestação do estado de direito, da justiça social e da solução pacífica de conflitos, o Acordo representa a associação entre duas regiões que compartilham valores e interesses comuns, como a defesa da democracia, o multilateralismo e a promoção dos direitos humanos. Trata-se de um sinal inequívoco do compromisso do MERCOSUL e da União Europeia com as agendas de integração comercial e do desenvolvimento sustentável, em benefício da prosperidade de nossos povos. O Acordo estabelece diversos mecanismos de cooperação política entre os dois blocos. Esses espaços de diálogo reforçarão a colaboração entre o MERCOSUL e a União Europeia em debates globais que contribuem para uma ordem internacional mais justa e pacífica.
O Acordo também representa um marco nas relações bilaterais do Brasil com a União Europeia, iniciadas em 1960 e, em 2007, adquiriram o nível de parceria estratégica. O estabelecimento da Parceria Estratégica entre Brasil e União Europeia, a primeira entre o bloco e um país latino-americano, enriqueceu a vertente política das relações bilaterais, tradicionalmente densas no âmbito econômico e comercial.
A conclusão do Acordo de Parceria representa ainda prova inequívoca de que o MERCOSUL é a plataforma adequada para que seus Estados Partes, negociando conjuntamente, obtenham melhores condições de inserção no mercado global.
Certamente, o Acordo traz importantes resultados comerciais para Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai em termos de acesso ao mercado europeu e atração de investimentos. Mas, além disso, os compromissos assumidos conjuntamente pelo MERCOSUL deverão aprofundar a integração econômica entre os sócios do bloco, entre outros por fortalecer as instituições regionais como a Tarifa Externa Comum. Espera-se também que o Acordo de Parceria com a União Europeia acelere um ciclo virtuoso de inserção internacional do MERCOSUL, já que o acesso preferencial obtido pelo bloco europeu poderá ampliar o interesse de terceiros parceiros em negociar entendimentos com o MERCOSUL.
Sob a orientação do Presidente Lula, desde 2023 o governo brasileiro empenhou-se em garantir que a negociação produzisse um resultado equilibrado, levando em conta interesses e preocupações do Brasil, por exemplo, com o desenvolvimento industrial, a sustentabilidade e o espaço para políticas públicas em áreas estratégicas, como saúde pública e tecnologia e inovação. Os interesses do Brasil foram tratados num contexto em que a União Europeia, em 2023, apresentou ao MERCOSUL novas demandas na área ambiental, o que levou a uma negociação em que ambos os blocos propuseram ajustes e adições em relação ao chamado “pré-acordo” de 2019. O anúncio de 2024 marca a conclusão definitiva da negociação birregional, o que assinala a diferença com relação à declaração “política” divulgada em junho de 2019, quando ainda persistiam temas pendentes de negociação.
Entre 2023 e a conclusão definitiva das negociações em 2024, representantes dos dois blocos realizaram sete rodadas negociadoras presenciais, todas em Brasília. Esses encontros foram acompanhados, nesse período, de inúmeros encontros, presenciais e virtuais, entre negociadores-chefes dos dois blocos e técnicos negociadores. O apoio em alto nível político à conclusão do Acordo foi reiterado nos seis encontros que o Presidente Lula teve com a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, desde junho de 2023. O Brasil deverá sediar a Cúpula Brasil-UE em 2025.
Os ajustes realizados ao Acordo, por meio das negociações levadas a cabo em 2023 e 2024, além de trazerem maior equilíbrio para os compromissos em sustentabilidade, contribuirão para assegurar que o Brasil possa alavancar políticas de interesse público e fortalecer a indústria nacional — ao mesmo tempo em que proporciona oportunidades econômicas para todo o espectro da sociedade.
II. O PACOTE DE BRASÍLIA EM 10 PONTOS: DESTAQUES DAS NEGOCIAÇÕES DE 2023-2024
O anúncio de 6 de dezembro de 2024 marca a conclusão definitiva das negociações do Acordo de Parceria entre o MERCOSUL e a União Europeia. Diversamente do “acordo político” divulgado em 2019, quando permaneciam textos sujeitos a negociação, atualmente todos os capítulos estão negociados.
A etapa negociadora iniciada em 2023 ocorreu em contexto político e econômico distinto, marcado pela experiência da pandemia, pelo agravamento da crise climática e pelo acirramento de tensões geopolíticas, elementos que ofereceram um novo pano de fundo para as negociações. Além disso, o governo do Presidente Lula entendeu necessário realizar ajustes específicos aos termos negociados em 2019 a fim de tornar o Acordo mais favorável aos interesses brasileiros.
As negociações retomadas em 2023 dedicaram-se a:
- elaborar novos textos para temas que os dois lados aceitaram incorporar ao Acordo, especialmente nas áreas de comércio e desenvolvimento sustentável, mecanismo de reequilíbrio de concessões, cooperação e revisão do Acordo;
- adaptar termos que haviam sido pactuados anteriormente, a fim de tornar o Acordo mais adequado ao quadro político e econômico atual, especificamente nas áreas de compras governamentais, comércio de veículos, exportação de minerais críticos e direitos autorais
- concluir a negociação de temas que permaneciam em aberto desde 2019, especificamente nas áreas de indicações geográficas e regras sobre a implementação do Acordo.
Enquanto a presente seção destaca os principais pontos acordados na etapa negociadora iniciada em 2023, a seção seguinte apresenta os elementos do Acordo que não sofreram modificações desde 2019, em particular as concessões de acesso a mercados para produtos agrícolas exportados pelo MERCOSUL.
1. Novo Anexo ao Capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável, reforçando o compromisso dos dois lados com a agenda ambiental, social e econômica. Com vistas a promover o comércio internacional e, ao mesmo tempo, contribuir para o desenvolvimento sustentável, MERCOSUL e União Europeia negociaram um Anexo ao Capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável. Ao mesmo tempo em que reforçam seus compromissos ambientais, as Partes rechaçam barreiras desnecessárias ao comércio. O Anexo inclui dispositivos a respeito de regimes multilaterais ambientais e trabalhistas; relação entre comércio, investimentos e o desenvolvimento sustentável; comércio e empoderamento feminino; e cooperação.
No Anexo, MERCOSUL e UE acordaram uma série de compromissos de proteção ao meio-ambiente e de promoção do trabalho decente. Há previsão de cooperação na implementação de relevantes acordos multilaterais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), o Acordo de Paris, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) e Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). MERCOSUL e UE acordaram também adotar ações para a promoção de produtos sustentáveis no comércio birregional, promovendo oportunidades para pequenos produtores, cooperativas, povos indígenas e comunidades locais. O novo Anexo também conta com seção dedicada à promoção de cadeias de valor sustentáveis para a transição energética. Ademais, pela primeira vez, um acordo comercial do MERCOSUL contará com dispositivos sobre comércio e empoderamento feminino, com vistas a favorecer a cooperação e troca de melhores práticas em políticas que promovam a participação das mulheres no comércio internacional.
2. Compromisso com abordagem cooperativa a respeito de medidas sustentáveis domésticas que impactam o comércio. No novo Anexo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, a UE se comprometeu a utilizar os dados de autoridades do MERCOSUL na avaliação da compatibilidade das importações provenientes do MERCOSUL com requisitos de conformidade estabelecidos por legislações do bloco europeu. Esse compromisso é um reconhecimento da qualidade dos dados produzidos por instituições dos países do MERCOSUL para a implementação de legislações europeias. As Partes também reconheceram que as medidas ambientais que impactam o comércio devem ser consistentes com os Acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC), não devem constituir restrição disfarçada ao comércio e devem ser baseadas em informações técnicas e científicas. As Partes acordaram que o novo Anexo negociado não implica endosso das exigências ambientais adotadas por um lado e outro, reservando-se, nesse contexto, seus direitos no âmbito da OMC.
3. Compras Governamentais como instrumento de política industrial e desenvolvimento econômico. Diante do reconhecimento da importância de compras governamentais como instrumento para o desenvolvimento econômico e industrial, o capítulo de Compras Governamentais foi objeto de renegociação entre MERCOSUL e UE na etapa negociadora iniciada em 2023. O Brasil propôs ajustes nos termos que haviam sido tratados no passado, com vistas a preservar o uso do poder de compra do Estado como ferramenta da nova política industrial brasileira. Dentre os ajustes promovidos, merece destaque a completa exclusão das compras realizadas pelo Sistema Único de Saúde; a preservação da possibilidade de encomendas tecnológicas, importante política de fomento à inovação; a eliminação de restrições temporais ao uso de offsets tecnológicos e comerciais; a manutenção de espaço para políticas de incentivo a micro e pequenas empresas e agricultura familiar; e a preservação de margens de preferências para produtos e serviços nacionais.
4. Setor automotivo com eliminação tarifária em período mais longo. Com novas rotas tecnológicas para viabilizar a transição energética, o setor automotivo passa por transformação importante mundo afora. Nesse cenário, e diante da importância do setor para o Brasil, o MERCOSUL negociou condições mais flexíveis para a redução tarifária para veículos eletrificados e para veículos de novas tecnologias, mesmo as ainda não disponíveis comercialmente. Nesta etapa negociadora, o MERCOSUL destacou certos veículos do cronograma aplicável a veículos a combustão, anteriormente definido com eliminação de tarifas em 15 anos. Para veículos eletrificados, a desgravação passará a se dar em 18 anos. Para veículos a hidrogênio o período será de 25 anos, com 6 anos de carência. Para novas tecnologias, 30 anos, com 6 anos de carência. Até esta etapa negociadora, nenhum cronograma de desgravação era superior a 15 anos.
5. Criação de uma salvaguarda de investimentos para o setor automotivo. Foi estabelecido um mecanismo inédito de salvaguardas com vistas a preservar e ampliar investimentos automotivos. Caso venha a haver um aumento de importações europeias que causem dano à indústria, o Brasil pode suspender o cronograma de desgravação de todo o setor ou retomar a alíquota aplicável às demais origens (hoje, de 35%) por um período de 3 anos, renovável por mais 2 anos, sem necessidade de oferecer compensação à União Europeia. A avaliação levará em conta parâmetros como o nível de emprego, volumes de venda e produção, capacidade instalada e grau de ocupação da capacidade do setor automotivo. Esta salvaguarda de investimentos automotivos é mais facilmente acionável do que a salvaguarda geral prevista no Acordo.
6. Adoção de flexibilidade para políticas públicas sobre minerais críticos. A partir da renegociação de 2023-2024, o Brasil garante o direito de aplicar restrição às exportações de minerais críticos se julgar apropriado, por exemplo, para estimular a agregação de valor no país. Caso o Brasil venha a adotar imposto de exportação a esses produtos (o que não é o caso hoje), a alíquota aplicável à UE deverá ser mais baixa do que a incidente sobre outros destinos, não podendo ultrapassar 25%. O pré-acordo adotado em 2019 proibia qualquer incidência de direito às exportações no comércio entre Brasil e União Europeia.
7. Criação de um Mecanismo de Reequilíbrio do Acordo para evitar que medidas unilaterais comprometam concessões comerciais negociadas. De forma inédita, foi agora estabelecido um mecanismo para evitar que medidas unilaterais das Partes prejudiquem o equilíbrio estabelecido no Acordo, uma vez que tais medidas têm o potencial de comprometer concessões comerciais negociadas e desequilibrar o resultado acordado. Após o “acordo político” de 2019, a União Europeia adotou legislações que, a depender da forma como sejam implementadas, poderão romper o equilíbrio refletido no entendimento de 2019 naqueles temas que não foram renegociados na etapa iniciada em 2023. É o caso, por exemplo, das cotas oferecidas pela UE para a exportação de carnes do MERCOSUL, que não foram reabertas na etapa de 2023.
Estabeleceu-se que uma arbitragem definirá se houve esvaziamento dos compromissos assumidos e em que montante, independentemente de ter havido violação ou não do Acordo. Se for o caso, a parte que restringiu o comércio deve oferecer compensações comerciais (abertura de mercado) ao outro lado. Se não houver acordo quanto à compensação, há direito a “retaliação” (suspensão de benefícios previstos no Acordo), no montante definido em arbitragem, com vistas a restabelecer o equilíbrio do Acordo.
8. Sociedade civil, sindicatos e organizações empresariais com direito a participação na revisão do Acordo. Com base no pacote negociado em 2023-2024, o processo de revisão da implementação do Acordo passa a ser mais inclusivo. A revisão, que tem como objetivo avaliar os impactos do Acordo no emprego, investimento e comércio entre as Partes, deverá considerar opiniões e recomendações de atores da sociedade civil, como ONGs, organizações empresariais e de empregadores, movimentos sociais e sindicatos. O exercício periódico de revisão dos impactos do Acordo poderá levar os governos das Partes a negociar emendas ao texto.
9. Recursos para a cooperação com vistas a apoiar países do Mercosul a se beneficiarem do Acordo. Juntamente com a conclusão do Acordo, a UE oferecerá pacote para apoiar países do MERCOSUL na implementação do Acordo, em particular em seus aspectos comerciais, tendo em conta a importância em particular de apoiar setores mais vulneráveis. Esse compromisso está associado à conclusão de um Protocolo de Cooperação, sob o qual MERCOSUL e União Europeia colaborarão para definir as prioridades dos programas a serem apoiados.
10. Conclusão de temas pendentes das negociações de 2019. A etapa negociadora de 2023-2024 também viabilizou a conclusão de temas que ainda estavam em aberto em 2019, como Indicações Geográficas, por exemplo para vinhos. Nessa etapa, foram negociadas disciplinas que delimitam os direitos de detentores de Indicações Geográficas, dentre outras aquelas que salvaguardam, nos países do MERCOSUL, os usuários prévios de nomes geográficos europeus que serão protegidos pelo Acordo.
III. O ACORDO DE PARCERIA MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA
O capítulo sobre Comércio de Bens contempla um amplo compromisso de liberalização tarifária em setores industriais e agrícolas, respeitando as especificidades de cada mercado.
A oferta realizada pelo MERCOSUL abrange uma ampla liberalização tarifária, com cestas de produtos submetidos a desgravação imediata ou linear ao longo de prazos que variam entre 4, 8, 10 e 15 anos. Essa oferta cobre aproximadamente 91% dos bens e 85% do valor das importações brasileiras de produtos provenientes da União Europeia. Apenas uma parcela muito reduzida dos bens está sujeita a quotas ou outros tratamentos não tarifários, enquanto a lista de exclusões representa aproximadamente 9% dos bens e 8% do valor total das importações. Para o setor automotivo, foram negociadas condições especiais para veículos eletrificados, movidos a hidrogênio e novas tecnologias, com períodos de desgravação de 18, 25 e 30 anos, respectivamente.
Por outro lado, a oferta da União Europeia apresenta um escopo ainda mais abrangente de liberalização, com cestas de produtos que terão desgravação imediata ou linear em prazos de 4, 7, 8, 10 e 12 anos. Esses produtos correspondem a aproximadamente 95% dos bens e 92% do valor das importações europeias de bens brasileiros. Produtos sujeitos a quotas ou tratamentos não tarifários representam cerca de 3% dos bens e 5% do valor importado pela União Europeia, sendo esses tratamentos aplicados principalmente a itens do setor agrícola e da agroindústria. Essa abordagem reflete o equilíbrio buscado entre a abertura de mercados e a proteção de setores sensíveis para ambas as partes.
Oferta agrícola da UE
Produto |
Tratamento |
Carne bovina |
99 mil toneladas peso carcaça, 55% resfriada e 45% congelada, com intraquota de 7.5% e volume crescente em 6 estágios. Cota Hilton (10 mil toneladas): intraquota passará de 20% a 0% na entrada em vigor do acordo |
Carne de aves |
180 mil toneladas peso carcaça, intraquota zero, 50% com osso e 50% desossada e volume crescente em 6 estágios |
Carne suína |
25 mil toneladas, intraquota de 83 euros/tonelada e volume crescente em 6 estágios |
Açúcar |
180 mil toneladas, intraquota zero na entrada em vigor do acordo. Quota específica para o Paraguai de 10 mil toneladas, com intraquota zero |
Etanol |
450 mil toneladas de etanol industrial, intraquota zero na entrada em vigor do acordo. 200 mil toneladas de etanol para outros usos (inclusive combustível), intraquota com 1/3 da tarifa aplicada europeia (6,4 ou 3,4 euros/hectolitro), volume crescente em 6 estágios |
Arroz |
60 mil toneladas, intraquota zero na entrada em vigor, volume crescente em 6 estágios |
Mel |
45 mil toneladas, intraquota zero na entrada em vigor, volume crescente em 6 estágios |
Milho e Sorgo |
1 milhão de toneladas, intraquota zero na entrada em vigor do acordo, volume crescente em 6 estágios |
Suco de laranja |
Desgravação em 7 e 10 anos e Margem de preferência de 50% |
Cachaça |
Garrafas inferiores a 2 litros terão seu comércio liberalizado em 4 anos. A cachaça a granel terá quota de 2.400 toneladas com intraquota zero e volume crescente em 5 anos. Atualmente a aguardente paga alíquota de aproximadamente 8% |
Queijos |
30 mil toneladas com volume crescente e intraquota decrescente em 10 anos (exclusão de muçarela) |
Iogurte |
Margem de preferência de 50% |
Manteiga |
Margem de preferência de 30% |
Frutas |
Frutas como abacates, limões, limas, melões e melancias, uvas de mesa e maças não estarão sujeitas a cotas e terão suas tarifas completamente eliminadas. |
O capítulo de Regras de Origem define critérios modernos que asseguram que os benefícios comerciais sejam usufruídos pelas partes, com flexibilidades para setores específicos, como têxteis. Prevê também a adoção de autocertificação para reduzir custos e burocracias.
O capítulo de Facilitação de Comércio visa reduzir custos e simplificar processos relacionados à importação e exportação, com ênfase em transparência, sistemas eletrônicos e reconhecimento mútuo de operadores autorizados.
O capítulo de Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) promove boas práticas regulatórias para evitar barreiras desnecessárias, incentivando o uso de padrões internacionais e consultas públicas para maior previsibilidade e integração entre os blocos.
O capítulo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) facilita o comércio agropecuário, promovendo transparência e previsibilidade com sistemas como o “pre-listing” e procedimentos de regionalização para produtos de origem animal. O Acordo preserva os elevados padrões de produção de alimentos no MERCOSUL e na União Europeia.
O capítulo de Diálogos estabelece mecanismos de cooperação técnica entre os blocos em temas como bem-estar animal, biotecnologia agrícola e resistência antimicrobiana, promovendo troca de informações e harmonização regulatória.
O capítulo de Defesa Comercial reafirma os direitos de aplicação de medidas antidumping e compensatórias conforme as normas da OMC, garantindo proteção contra práticas desleais de comércio.
O capítulo de Salvaguardas Bilaterais permite proteger indústrias domésticas de surtos de importação decorrentes da liberalização comercial. O capítulo passa a contar com um mecanismo específico para o setor automotivo, com vistas a preservar e promover investimentos.
O capítulo de Serviços e Investimentos amplia a transparência e segurança jurídica para investidores e prestadores de serviços, respeitando a soberania regulatória em áreas sensíveis e promovendo a modernização de regulações domésticas.
O capítulo de Compras Governamentais garante acesso preferencial ao mercado público europeu para empresas do MERCOSUL e vice-versa. Os compromissos específicos do Brasil levam em conta o interesse em preservar espaço para política pública nas áreas de desenvolvimento industrial, saúde pública, tecnologia e inovação, pequenas e médias empresas e pequenos produtores rurais.
O capítulo de Propriedade Intelectual consolida padrões internacionais de proteção e reforça o reconhecimento de indicações geográficas, como “Cachaça” e “Canastra”, fortalecendo a marca Brasil na Europa. De forma importante, o capítulo não altera as normas sobre patentes que foram acordadas no âmbito da OMC, demanda importante para a formulação de políticas de saúde no Brasil.
O capítulo de Pequenas e Médias Empresas promove ações específicas para facilitar sua integração em cadeias globais, como programas de capacitação, parcerias e participação em licitações públicas.
O capítulo de Defesa da Concorrência reafirma o compromisso de combater práticas anticompetitivas, promovendo cooperação entre autoridades dos blocos para fortalecer instituições regulatórias.
O capítulo de Subsídios estabelece regras para garantir transparência e prevenir distorções de mercado.
O capítulo de Empresas Estatais busca equilíbrio entre critérios comerciais e objetivos públicos, garantindo que empresas estatais possam operar com flexibilidade para cumprir funções de interesse nacional.
O capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, que passa a contar com novo Anexo (vide seção anterior), reafirma compromissos multilaterais como o Acordo de Paris e a Agenda 2030, integrando sustentabilidade às relações comerciais e promovendo cadeias produtivas sustentáveis. Conta também com compromissos para evitar que o argumento ambiental sirva para justificar barreiras desnecessárias ao comércio.
O capítulo de Transparência promove boas práticas regulatórias com exigência de consultas públicas, avaliações de impacto e revisão periódica de medidas, garantindo previsibilidade no comércio.
O capítulo de Exceções prevê salvaguardas para proteger segurança, saúde, meio ambiente e cultura, permitindo a adoção de medidas excepcionais desde que sejam proporcionais e não discriminatórias.
O capítulo de Solução de Controvérsias define mecanismos de resolução de disputas, com consultas iniciais e possibilidade de arbitragem, assegurando cumprimento das obrigações. O capítulo passa a contar com seção dedicada à preservação do equilíbrio do acordo, independentemente de violação aos termos acordados (vide seção acima).
IV. PRÓXIMOS PASSOS
As negociações do Acordo de Parceria entre o MERCOSUL e a União Europeia encontram-se totalmente concluídas.
As partes pacificaram o entendimento em todos os textos, seja nos temas objeto de reabertura, seja naquelas pendências que persistiam desde 2019. A conclusão das negociações, contudo, não produz efeitos jurídicos imediatos, que ocorrem apenas com a assinatura e entrada em vigor do Acordo.
MERCOSUL e União Europeia começarão, a partir de agora, a preparação dos textos do Acordo para sua assinatura e entrada em vigor. Tal processo envolve:
(i) Revisão legal: O processo de revisão legal do Acordo, voltado a assegurar a consistência, harmonia e correção linguística e estrutural aos textos do Acordo, está avançado.
(ii) Tradução: Concluída a revisão legal, o Acordo passará por tradução da língua inglesa para as 23 línguas oficiais da União Europeia e as 2 línguas oficiais do MERCOSUL, entre as quais a língua portuguesa.
(iii) Assinatura: A assinatura, em que as partes manifestam formalmente sua aceitação do Acordo, será realizada após concluídas a revisão legal e as traduções do Acordo.
(iv) Internalização: Seguida da assinatura, as partes encaminharão o Acordo para os respectivos processos internos de aprovação. No Brasil, tal processo envolve os Poderes Executivo e Legislativo, por meio da aprovação do Congresso Nacional.
(v) Ratificação: As partes notificam sobre a conclusão dos respectivos trâmites internos e confirmam, por meio da ratificação, seu compromisso em cumprir o Acordo.
(vi) Entrada em vigor: O Acordo entrará em vigor e, portanto, produzirá efeitos jurídicos no primeiro dia do mês seguinte à notificação da conclusão dos trâmites internos. Como o Acordo de Parceria entre o MERCOSUL e a União Europeia estabelece a possibilidade de vigência bilateral, bastaria que a União Europeia e o Brasil – ou qualquer outro país do MERCOSUL – tenham concluído o processo de ratificação para a sua entrada em vigor bilateralmente entre tais partes.
V. BRASIL-UE EM NÚMEROS
União Europeia (fontes: Banco Mundial e Eurostat – 2023)
- 27 países
- População de 449 milhões de habitantes
- PIB de 18,3 trilhões de dólares
- Exportações de bens de US$ 2,56 trilhões para o mundo
- Importações de bens de US$ 2,52 trilhões do mundo
Comércio Brasil-União Europeia
- A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil
- Em 2023 a corrente comercial bilateral, de US$ 92 bilhões, representou 16% do nosso comércio exterior.
O Brasil exportou US$ 46,3 bilhões para a União Europeia em 2023
- Alimentos para animais - 11,6%
- Minérios metálicos e sucata - 9,8%
- Café, chá, cacau, especiarias - 7,8%
- Sementes e frutos oleaginosos - 6,4%
- Ferro e aço - 4,6%
- Vegetais e frutas - 4,5%
- Celulose e resíduos de papel - 3,4%
- Carne e preparações de carne - 2,5%
- Tabaco e suas manufaturas - 2,2%
O Brasil importou US$ 45,4 bilhões da União Europeia em 2023
- Produtos farmacêuticos e medicinais - 14,7%
- Máquinas em geral e equipamentos industriais - 9,9%
- Veículos rodoviários - 8,2%
- Petróleo, produtos petrolíferos - 6,8%
- Máquinas e equip. de geração de energia - 6,1%
- Produtos químicos orgânicos - 5,5%
- Máquinas e aparelhos especializados para determinadas indústrias - 5,3%
- Máquinas e aparelhos elétricos - 4,7%
- Materiais e produtos químicos - 3,6%
- Ferro e aço - 3,4%
VI – IMPACTOS ESTIMADOS - Simulação dos efeitos do Acordo Comercial Mercosul – UE para o Brasil
Desvios percentuais estimados para o ano de 2044; valores em reais consideram o ano base de 2023
o Efeito positivo de 0,34% (R$ 37 bilhões) sobre o PIB
o Aumento de 0,76% no investimento (R$ 13,6 bilhões)
o Redução de 0,56% no nível de preços ao consumidor
o Aumento de 0,42% nos salários reais
o Impacto de 2,46% (R$ 42,1 bilhões) sobreas importações totais
o Impacto de 2,65% (R$ 52,1 bilhões) sobreas exportações totais
Os impactos estimados baseiam-se nos resultados de simulação de equilíbrio geral dinâmico recursivo (GTAP-RD)