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O programa Escola sem Partido viola frontalmente a Constituição e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro
A educação tem um papel vital na promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, tendo como princípios estruturantes a igualdade, a dignidade, a inclusão e a não discriminação, conforme a Declaração da ONU sobre Educação em Direitos Humanos de 2011.
Sob o argumento de combater a “doutrinação ideológica dos estudantes”, o programa Escola sem Partido defende o veto a qualquer aula, conteúdo ou atividade que afronte as convicções religiosas ou morais dos pais e dos alunos. Sustenta uma educação pautada pela neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado. Na Câmara há três projetos versando sobre a matéria — PL 7.180/2014, PL 867/2015 e o PL 1.411/2015 — e no Senado há o PLS 193/2016. Objetivam assegurar ao estudante uma formação “neutra”, isenta de reflexão e de crítica. O tema ainda está sendo enfrentado na arena jurisdicional, em virtude de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.537) proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Para a Advocacia-Geral da União, o projeto é inconstitucional. No mesmo sentido, o MEC tem manifestado seu repúdio ao projeto. A Associação Brasileira de Escolas Particulares defende que “dialogar é melhor que proibir”. Sustenta ser papel da escola contribuir para a autonomia intelectual e existencial do aluno e para a formação de seu senso crítico, o que pressupõe o acesso amplo e sem restrições em relação às mais diversas tendências, correntes, partidos, crenças e ideologias, à luz da pluralidade política e ideológica da sociedade brasileira.
O programa Escola sem Partido viola frontalmente a Constituição e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro. Determina a Constituição que a educação visará ao pleno desenvolvimento da pessoa (artigo 205), adicionando que o ensino será ministrado com base no princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como no princípio do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (artigo 206). Por sua vez, ao tratar do Plano Nacional de Educação, consagra que deve ser vocacionado à promoção humanística (artigo 214). Liberdade, pluralismo e cidadania são os valores a inspirar os parâmetros constitucionais referentes à educação. A escola há de ser o espaço de formação cidadã, estimulando o debate livre e a reflexão crítica, visando à expansão das potencialidades humanas.
A ordem constitucional está em total harmonia com os instrumentos internacionais de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 26, enuncia que toda pessoa tem direito à educação orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento e do respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. No mesmo sentido, está o artigo 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Consolida-se, assim, o direito à educação em direitos humanos como um direito humano fundamental.
Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o processo educacional deve ser orientado por valores, atitudes e habilidades voltadas ao pleno desenvolvimento da personalidade humana, com vistas à criação de uma cultura universal de respeito aos direitos humanos; ao senso de dignidade; à promoção do diálogo, tolerância e igualdade de gênero; e à efetiva participação de todos em uma sociedade livre, pluralista e democrática.
O Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos da Unesco e do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos também é claro ao reforçar a importância de se construir uma cultura de educação em direitos humanos em todos os níveis de ensino, calcada no pluralismo e na liberdade de expressão e pensamento.
A educação é tanto um direito humano em si mesmo quanto um direito de “empoderamento” a impactar o modo pelo qual os demais direitos são exercidos. Para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a educação é essencial para a promoção dos direitos humanos, da igualdade de gênero, da cultura da paz e da não violência, da valorização da diversidade, da democracia e para a construção de sociedades justas, pacíficas e inclusivas, pautadas no desenvolvimento sustentável.
Neste contexto, é fundamental assegurar o direito à educação que permita transitar de uma cultura de negação e violação a direitos para uma cultura de afirmação e promoção de direitos; de uma cultura de violência para uma cultura da paz; de uma cultura de discriminação e intolerância para uma cultura de respeito e diversidade. Daí a mais veemente defesa de uma escola pautada pela educação em direitos humanos, no marco de uma sociedade pluralista, livre e democrática.
Flávia Piovesan é secretária especial de Direitos Humanos e professora de Direito da PUC/SP,
Jaime Nadal Roig é representante no Brasil do Fundo de População das Nações Unidas,
Lucien Muñoz é representante no Brasil da Unesco
e Nadine Gasman é representante da ONU Mulheres Brasil
Assessoria de Comunicação Social
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