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Em memória aos 52 anos do golpe militar
Na Luta pelos Direitos Humanos, jamais esqueceremos um dos períodos mais perversos de nossa história: o golpe militar em 31 de março de 1964. Um tempo onde direitos foram extraídos, um tempo marcado por prisões, assassinatos, julgamentos militares feitos a revelia, desaparecimentos e violências a todo e qualquer direito civil. Tempos de truculência e desrespeitos. Reconstruir a democracia e o direito de cada um tem sido a luta do dia a dia da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
Para a secretaria, esse período em que diversas e graves violações de direitos humanos foram cometidas traz reflexões e relembra ações para que momentos como este permaneçam na história.
Em dezembro de 2014, a Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou o portal Memória da Ditadura (http://memoriasdaditadura.org.br/), o maior repositório virtual de informações sobre a ditadura civil-militar produzido pelo Instituto Vladimir Herzog em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a SDH.
Entre outros dados, o site apresenta informações sobre a história da Ditadura e dos movimentos de resistência, documentários, livros, mapas, depoimentos e uma área de apoio a educadores, com planos de aula, material didático e sugestões diversas sobre o ensino do tema.
A secretaria desenvolveu ainda o Projeto Direito à Memória e à Verdade , que se dedica a resgatar do esquecimento as lutas da resistência à ditadura militar e mais especificamente a história de lutadores e lutadoras que sofreram a perseguição, a tortura, o exílio, o banimento, a prisão, a morte e o desaparecimento forçado por lutarem contra o regime de opressão.
Por meio da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, instalada no dia 4 de dezembro de 1995, por meio da Lei nº 9.140, o Estado brasileiro, após 30 anos da instauração da ditadura civil-militar, reconheceu como mortas dezenas de pessoas que, em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, encontravam-se desaparecidas.
O governo federal instalou ainda o Grupo de Trabalho do Araguaia - O GTA, reformulado em maio de 2011, que é coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e pelos Ministérios da Defesa e da Justiça.
O Grupo realiza ações para localizar os desaparecidos políticos que atuaram na Guerrilha do Araguaia, movimento que surgiu na década de 1970 em oposição ao regime militar. Até hoje, dezenas de militantes da guerrilha estão desaparecidos.
O que é o Direito à Memória e à Verdade
Uma das peças básicas para a compreensão da História é a busca da Verdade, pois a partir dela se tem os elementos fundamentais. A explicação é que nada se constrói sobre a mentira a não ser a própria mentira. A Verdade dos fatos permite a real compreensão e a transformação e o desenvolvimento. A verdade só interessa para quem quer transformar o mundo.
Na moderna ideia de resgate da História Humana recente a Memória e a Verdade são colocadas como um direito, muito mais do que uma simples percepção. Não se trata de se ter a História como parte do país e de seu povo, mas de uso dessa História como parte da vivência presente e sempre atual do povo. E, para se ter essa História contada e vivida, é fundamental se ter a Verdade como princípio. A exigência de nunca se ter omitida uma parte sequer da experiência vivida pelo povo passa a ser um direito e também uma necessidade para se continuar o processo.
A ideia da defesa dos Direitos Humanos é sempre atacada como se fosse a defesa de criminosos ou a defesa de privilégios para quem cometeu crimes. Quem fala isso, na realidade, está defendendo a instalação da barbárie e a lei do mais forte, baseado na intolerância e no preconceito. A defesa dos Direitos Humanos é acima de tudo a defesa da Justiça, a legalidade e do Direito. Não se faz Justiça cometendo o atropelo do Direito ou da Legalidade. A defesa da Justiça é antes de tudo uma atividade democrática e republicana.
Para se entender o que vem a ser uma atividade republicana ou um comportamento republicano, deve-se entender que na República as pessoas têm direitos iguais e deveres iguais também. Perante a lei o trabalhador tem direito a um voto, do mesmo modo que seu patrão também o tem. Ambos são iguais perante a lei. Ninguém é mais do que o outro. Quem ocupa a presidência da República tem que cumprir a lei do mesmo modo que o cidadão comum, sem cargo público.
O que é uma ditadura?
É comum as pessoas falarem sobre a ditadura como se fosse um governo que, de uma hora para outra, passa a reprimir seu povo, torturar e matar sem motivo aparente ou explicável. Esse tipo de visão está totalmente errado.
Ditadura é uma forma de governo em que os direitos não são respeitados e todos os poderes estão concentrados em um indivíduo ou grupo de indivíduos. Para que essa concentração de poder aconteça é preciso que a divisão de poder, característica da Democracia, seja ignorada ou destruída. Na Democracia há uma divisão de poderes, que se completam e organizam a vida das pessoas. Em tese, na Democracia como a conhecemos são três os poderes existentes: Executivo, Legislativo e Judiciário. O Poder Legislativo tem a tarefa de criar as leis, que regulamentam a convivência entre as pessoas, diz o que pode e o que não pode ser feito, o que deve e o que não deve ser feito pelos governantes, etc. O Poder Judiciário julga o respeito e pune os que desrespeitam as Leis. Já o Poder Executivo faz toda a máquina do Estado funcionar.
Nas ditaduras, o Poder Executivo assume o controle sobre os demais Poderes e extrapola suas atribuições, com o uso das Forças Armadas e das polícias, que tem o direito do uso da força dado pela lei. Nas ditaduras, o Poder Legislativo perde força e é obrigado a fazer o que lhe impõe o Poder Executivo, quando não é fechado. O mesmo acontece com o Poder Judiciário, que passa a cumprir as leis impostas pelos ocupantes do Poder Executivo forte.
Quem concentra o poder durante as ditaduras representa um setor da sociedade, que quer ver seus projetos políticos, econômicos e sociais impostos. Em geral, as ditaduras são o instrumento de execução de um projeto da classe econômica e politicamente dominante sobre os demais segmentos da sociedade. Não há registro na História de ditaduras existirem para atender o capricho de uma pessoa. Isso é coisa de filme, sem base na realidade histórica.
A manutenção das ditaduras é sempre feita com muita repressão e a prática de muita violência sobre todas as camadas da sociedade. A censura e o cerceamento do poder de crítica são a base do poder ditatorial. O uso de propaganda e a mentira através dos meios de comunicação garantem que a população não desperte para um sentimento de oposição.
O que é golpe de Estado?
Estado é a estrutura de organização das sociedades, que garante o funcionamento das leis e de suas instituições. Se o Estado é capitalista, por exemplo, todas as leis e instituições existem para garantir a produção do capital e para garantir um mínimo de respeito aos que trabalham na produção do capital para o capitalista. Para aqueles que possam ou tentem desrespeitar a lógica do capitalismo existem as leis e instituições para fazer seu enquadramento e punição. Do mesmo modo, isso acontece nos Estados que tem o socialismo como objetivo. Todas as leis e instituições existem para garantir que a produção da riqueza coletiva e a manutenção do Estado socialista. E nos países que o Estado é baseado numa determinada religião a legislação e instituições existem para manter toda a sociedade respeitadora dos preceitos daquela religião.
Em todos os Estados que funcionam em condições normais a divisão dos Poderes Constituídos é respeitada. O Legislativo faz as leis, o Judiciário julga o respeito a elas e o Executivo age para o funcionamento de toda a máquina estatal.
O golpe de Estado acontece quando um dos poderes impede o funcionamento dos demais e passa a agir de forma impositiva sobre a sociedade. Em muitos casos, há o assalto ao poder. Nesses casos, o uso da força derruba o poder instituído e quebra a ordem jurídica existente. Em geral, são usadas as Forças Armadas para fazer esse assalto ao poder, quando o presidente é derrubado, os meios de comunicação são censurados, a liberdade dos cidadãos é tirada e os poderes do Estado são impedidos de funcionar. Poucas vezes na História um presidente deu um golpe, assumindo o controle do Estado sozinho, pois para isso precisaria também do apoio das Forças Armadas.
No Brasil, em 1964, as Forças Armadas deram um golpe de Estado para implantar uma ditadura militar, que atendia os interesses estrangeiros, principalmente dos EUA, era contrária aos direitos dos pobres e cometeu violência contra a população, em geral. Esse projeto econômico, político e social era contrário ao que estava sendo levado a efeito pelo Presidente João Goulart e as forças políticas e sociais que o apoiavam. Jango, como era conhecido o presidente, era nacionalista e tinha uma política em defesa dos direitos dos trabalhadores, e tinha respeito pelos direitos de todos os cidadãos brasileiros, principalmente os pobres.
Pretextos para o golpe de Estado de 1964
O governo de João Goulart tinha como grande marca a aplicação das chamadas Reformas de Base, que tentavam levar um desenvolvimento mínimo ao país. Muito longe de ser uma revolução social ou política, essas reformas estruturais tentavam dar ao país condições de desenvolvimento e à população pobre um pouco de condições de vida. Eram a Reforma Agrária (distribuição de terras aos camponeses), Reforma Urbana (programas habitacionais com a construção de casas para a população pobre morar), Reforma Educacional (programas educacionais para os filhos de trabalhadores estudarem e cursarem universidades), Reforma Fiscal (para fazer os ricos pagarem impostos e não apenas as camadas médias e trabalhadores) e a Lei de Remessa de Lucros ao exterior (que obrigava as multinacionais a deixarem no Brasil 10% dos seus lucros como reinvestimento e geração de empregos). Era, portanto, um governo nacionalista, com preocupações populares e democráticas.
Sindicalistas, partidos políticos de esquerda, intelectuais progressistas e a população trabalhadora das periferias apoiavam o governo popular de João Goulart e se mobilizava em defesa dessas reformas. Isso aumentou muito a popularidade do Presidente e as eleições presidenciais, que aconteceriam em 1965, seriam muito influenciadas por ele. A candidatura apoiada por Jango teria muita chance de ser eleita e a bancada parlamentar de esquerda também. Essa possibilidade assustava a direita brasileira. Além disso, o comportamento do povo brasileiro não era favorável aos planos golpistas ou eleitorais da direita. Esse povo já tinha evitado o golpe quando houve o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e garantiu a posse de João Goulart quando Jânio Quadros renunciou, em 1961. A participação popular atrapalhava os planos dos golpistas.
Pesquisas realizadas pouco antes do golpe de Estado indicavam que João Goulart era muito popular e as reformas propostas por ele tinham o apoio da maioria da população, em geral. Mais de sessenta por cento da população aprovava o governo de Jango e quase setenta por cento apoiava as Reformas de Base proposta pelo governo de João Goulart. As chances eleitorais da direita eram mínimas. Pelo voto nunca teriam o apoio da população, que aprovava a política econômica e social do governo trabalhista. Só restava à direita brasileira o golpe de Estado.
Além dos empresários aliados dos EUA e interessados na instalação de um governo que tirasse os direitos trabalhistas, a liberdade sindical, a liberdade de opinião e expressão, quem se colocou a favor do golpe de Estado foi a chamada classe média, iludida pela propaganda conservadora, moralista e anticomunista da campanha de desestabilização do governo, feita pelos grupos criados pelos golpistas para criar o clima de caos no país.
As forças que deram o golpe de Estado de 1964 e implantaram uma ditadura, que durou 21 anos, tentavam esse assalto ao poder desde o fim do regime do Estado Novo, de Getúlio Vargas. Seguiam as orientações do Departamento de Estado dos EUA, que estava empenhado na chamada Guerra Fria. Essa Guerra Fria era o confronto ideológico entre o capitalismo, representado pelos EUA, e os países de economia socialista, representados pela União Soviética. Não era uma guerra aberta, mas um confronto de cunho ideológico e propagandístico contra o perigo de uma suposta dominação comunista nos países sob influência norte-americana. Os militares brasileiros e a parte mais conservadora e reacionária da burguesia brasileira passaram a combater tudo o que poderia ser uma movimentação de cunho progressista, renovador ou que pudesse parecer revolucionário.
Conseguiram eleger o presidente Eurico Gaspar Dutra, que teve um governo autoritário e cerceador de atividades populares e políticas. Fechou o Partido Comunista, restringiu a atividade sindical e reprimiu atividades culturais ousadas. Mais importante ainda, criou a Escola Superior de Guerra, órgão maior da paranoia anticomunista e centro articulador da direita conservadora do país. Com a eleição de Getúlio Vargas para a presidência da república, essa articulação política de direita passou a conspirar contra o governo e fazer oposição aberta, que levou ao suicídio do presidente da República. A morte de Getúlio Vargas gera uma monumental manifestação popular, que impede o golpe de Estado em 1954.
A mesma pressão contra a democracia se dá com o governo de Juscelino Kubistcheck de Oliveira, que tomou posse enfrentando uma crise militar séria mobilizada por esse mesmo grupo. A pressão continua até chegar a posse de João Goulart, em 1961, depois de nova crise militar resultante da renúncia de Jânio Quadros. Nesse momento, outra vez a população toma partido em defesa da democracia e da legalidade democrática e republicana.
Para fazer a campanha contra o governo democrático de João Goulart, os golpistas criaram alguns institutos de fachada para a conspiração. Eram o chamado IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática, que fazia a agitação de rua contra o governo, baseada em propaganda contra o comunismo, e o chamado IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, que produzia propaganda anticomunista e tinha um serviço secreto particular para perseguir opositores. Além disso, tinha uma tal CAMDE – Campanha da Mulher pela Democracia, suposta entidade representativa das mulheres cristãs e moralistas. Todas essas entidades faziam campanha de calúnias e difamação contra o governo e contra o presidente João Goulart, com apoio da imprensa conservadora.
Houve uma desestabilização do governo, as empresas passaram a esconder alimentos para deixar a população apavorada, os serviços públicos passaram a sofrer com problemas técnicos inexplicáveis e o país parecia estar em um caos completo. Era um caos provocado pela elite burguesa e seus parceiros. Com esse clima terrível, as Forças Armadas se apresentaram para fazer o assalto ao poder. Não era uma vontade da maioria das Forças Armadas, mas vários coronéis e generais se colocaram contra o governo e manifestaram o desejo de derrubar o governo o quanto antes. Começava a destruição da Democracia e começava a ser implantada a mais longa ditadura que o país já viu.
Com informações de Ivan Seixas, jornalista, que durante a ditadura militar foi membro do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes), da organização de resistência armada à ditadura e ao imperialismo norte-americano. Foi capturado e passou quase seis anos nas mãos do regime de terrorismo de Estado. Solto no processo de “abertura lenta, gradual e segura” do ditador Ernesto Geisel, se engajou imediatamente nas lutas populares pela reconquista das liberdades democráticas e da reconstrução da democracia no Brasil. Foi presidente do CONDEPE – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo, Coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor da Comissão Nacional da Verdade. Atualmente é o Coordenador do Projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Especial de Direitos Humanos
Leia, na íntegra, o texto sobre a Ditadura Militar no Brasil aqui.