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Artigo: Por um fim no ciclo de luto (Ideli Salvatti)
Esta quinta-feira (4) marca o 24º aniversário da descoberta de 1.500 ossadas de pessoas inumadas de forma irregular na vala clandestina do Cemitério de Perus, em São Paulo. Para marcar a data, bem como a retomada nos trabalhos de identificação das vítimas, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti, publicou na edição desta quinta-feira (4) do Diário do Grande ABC artigo detalhando os motivos da importância histórica da retomada do trabalho de identificação dos restos mortais encontrados na vala. Leia abaixo a íntegra do texto
Por um fim no ciclo de luto
Ideli Salvatti
Há 24 anos, era identificada no Cemitério de Perus, em São Paulo, uma vala clandestina composta por 1.500 sacos plásticos com os restos mortais de pessoas sepultadas sem registro durante o regime militar. A descoberta comoveu o País: brasileiros com histórias de vida e sonhos haviam sido transformados em sombra pelo Estado que os devia proteger, um desaparecimento forçado que convenções internacionais descrevem como um crime de natureza continuada.
Para responder às famílias, também elas vítimas indiretas da violência estatal, a análise dos restos mortais de Perus está sendo retomada. Desde julho, profissionais contratados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República sistematizam dados sobre a vala, recorrendo a arquivos pessoais e documentos para identificar possíveis vítimas. Após dois meses, essa equipe apresenta hoje conclusões parciais.
Neste sentido, é obrigação do Estado resgatar a história dos opositores políticos, moradores das periferias e indigentes aos quais foi imposto o desaparecimento forçado. Além de revelar a memória de suas vidas e a verdade de suas mortes, tal resgate é fundamental para garantir que o desaparecimento forçado de pessoas e a criação de sepulturas clandestinas jamais voltem a ser política de Estado. Na literatura sobre o tema, isso é conhecido como a garantia da não repetição. E isto vale não apenas para períodos de regimes autoritários. Em abril deste ano, houve a descoberta de cerca de 3.000 pessoas com identificação enterradas como indigentes 14 anos antes, num ato de desrespeito a milhares de familiares e amigos que esperariam eternamente, em vão, notícias de seus entes queridos.
Sintomaticamente, a retomada dos trabalhos de análises das ossadas encontradas – realizados em parceria com a sociedade civil, instituições acadêmicas e outros órgãos governamentais – ocorre dias após o sepultamento de Epaminondas Gomes de Oliveira. Morto durante a Guerrilha do Araguaia, o sapateiro foi identificado e sepultado em Porto Franco, Maranhão, 43 anos depois de seu desaparecimento.
Ainda hoje a história de muitos desses nossos heróis segue anônima. Descobertas como essas servem como um alento: mais do que os restos mortais das pessoas desaparecidas, é preciso resgatar as vivas verdades ainda ocultas pelo longo período de escuridão. Nós queremos contá-las. Para que nunca mais se esqueça. Para que nunca mais aconteça.
Ideli Salvatti é ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Assessoria de Comunicação Social