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Segmentos se mobilizam em torno de pautas comuns na IV Conapir
A Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) reúne nesta quarta edição um grande número de delegadas e delegados de etnias e segmentos diversos. Entre os cerca de 800 membros das delegações presentes de todos os estados e do Distrito Federal estão, além da maioria negra, representantes de indígenas, ciganos, árabes e judeus, delegadas (os) das religiões de matrizes africana e ameríndia, das comunidades quilombolas e dos afro LGBTs.
Essas etnias minoritárias e os segmentos se articulam em torno de pautas comuns, para além das propostas aprovadas em suas conferências municipais, distrital e estaduais. Os grupos indígenas, por exemplo, que em seus estados de origem possuem demandas específicas, no âmbito nacional se unificam em torno de questões que ameaçam coletivamente seus direitos.
O mesmo ocorre com os ciganos, com os que professam religiões de origem afro-ameríndia, com os quilombolas e com LGBTs. As populações de ascendência árabe e judia possuem um perfil diferente e há poucas urgências localizadas, contudo, estão presentes com suas questões relacionadas à intolerância racial, religiosa e à xenofobia. Neste caso, e especial o dos árabes, as questões estão muito ligadas à imagem que se constrói dessas populações até dentro dos interesses da geopolítica internacional.
Sebastião Terena é membro de uma das tribos de sua etnia, que vive predominantemente em Mato Grosso do Sul. Parte de seu povo, no entanto, por conta de perseguições de fazendeiros, acabou sendo expulsa e hoje praticamente vive como nômade, entre os estados de Mato Grosso e Rondônia. “Hoje a nossa principal pauta é contra a PEC 215 e outros projetos de lei que querem acabar ou limitar a demarcação das terras indígenas”, afirma ele se referindo à proposta de emenda constitucional (PEC) que pretende transferir do Poder Executivo para o Legislativo a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas.
Constante ameaça
Terena afirma que a PEC 215, se aprovada, acabará de vez com as demarcações e poderá retroceder ainda mais a limitação dos territórios indígenas. Atualmente existem 223 terras indígenas aguardando por demarcações. Nelas, os índios vivem sob constante ameaça de fazendeiros e agressores que atentam contra as riquezas desses territórios.
“A violência é outro problema que atinge todos nós”, acrescenta ele, lembrando ainda dos guaranis que vivem em Mato Grosso do Sul sob constante ameaça do latifúndio. A liderança indígena lembra ainda da existência dos projetos de lei 490/2007 e 6.818/2013, que tramitam na Câmara dos Deputados e preveem alterações no Estatuto do Índio e o estabelecimento de uma nova lei para regular a demarcação de terras indígenas.
Criança teme a escola
“Hoje o espaço que mais causa medo a uma criança nascida em uma religião de matriz africana é a escola. A criança não teme a rua, não teme nenhum outro lugar como teme a escola. Isto porque é na escola que essa criança filha de adeptos do candomblé, por exemplo, sofre toda a carga de preconceito, intolerância e racismo religioso”. O relato é de Ekeji Cristina, líder religiosa de uma comunidade em Navegantes, em Santa Catarina.
Para Ekeji, a pauta mais urgente das religiões de matriz africana é a luta contra a intolerância. “Esta intolerância está gerando muita violência, mortes e destruição”, afirma ela, enfatizando que sacerdotes são mortos e templos destruídos quase que diariamente. “Agrava-se a isto uma macabra aliança feita entre lideranças de certas igrejas neopentecostais com os traficantes de drogas. Se antes já éramos atacados sem piedade por fundamentalistas religiosos, agora estamos sendo trucidados”, afirmou um sacerdote que preferiu não se identificar, temendo ser “ainda mais perseguido do que já sou”.
Doenças matam mais que chacinas
O líder religioso de matriz africana Renato Murad é também doutor em Saúde Pública. Ele traz para o debate nacional um tema muito pouco abordado pelo movimento negro e pelos órgãos de saúde pública e do sistema penitenciário: a saúde da população negra encarcerada. “Todos imaginam que as rebeliões e chacinas são as principais causas de morte dentro dos presídios. Mas não. A principal causa de mortes são as doenças adquiridas dentro ou levadas para dentro das cadeias numa contaminação cíclica”, afirma ele.
Autor em uma das palestras nesta IV CONAPIR, Renato Murad vem abordar o tema “Saúde da População Negra com Foco em População Carcerária”. Ele lembra que a população carcerária negra ocupa hoje quase 80% de todos os presídios brasileiros. “Dos cerca de 700 mil presos que lotam os presídios do Brasil, mais de 79% são negros. E são eles que estão mais suscetíveis às doenças e, consequentemente, os que mais morrem nas cadeias. É uma chacina silenciosa que acontece dentro do sistema carcerário brasileiro”, denuncia.
Outro problema grave é a contaminação cíclica de doenças graves como tuberculose e DSTs, especialmente o HIV, sem falar nas doenças dermatológicas. “O que está acontecendo é o seguinte: a pessoa cai no cárcere, adquire algum tipo de doença e no momento em que ela é libertada, volta para casa e começa a ter uma vida normal, se relaciona, faz sexo... Ou seja, ela leva do cárcere a doença para a sua comunidade. No momento em que outra pessoa adquire a doença na comunidade e vai presa, ela leva a enfermidade de volta para o presídio”, pontua.
Luta de um quilombo urbano
Xunxum é uma conhecida liderança quilombola da cidade de Várzea Grande, que fica na região metropolitana de Cuiabá, capital de Mato Grosso, estado que possui 32 quilombos rurais e cinco urbanos. Um desses é o Capão do Negro, onde mora Xunxum. Ele veio para a IV CONAPIR se juntar aos demais quilombolas de todo o país trazendo a principal pauta em comum: o reconhecimento e demarcação de suas comunidades, além da defesa de suas culturas. “Isto numa comunidade urbana é ainda mais difícil, por causa das influências diretas que sofremos”, afirma ele, lembrando que o cururu e o siriri, tradicionais música e dança de herança afro, com mistura indígena, vem se perdendo. “A garantia de nosso território também vem sendo ameaçada. Sem falar no forte preconceito que sofremos como de negros”, afirmou.
Assim como os indígenas e os ciganos, o reconhecimento e a demarcação dos territórios quilombolas é uma luta nacional. E igualmente aos índios, as comunidades quilombolas são constantemente ameaçadas de despejo e suas lideranças, de morte. “A falta de respeito às nossas terras tradicionais é uma constante em Mato Grosso. Muitas comunidades já foram destruídas pela ganância dos fazendeiros”, denuncia Xunxum.
Entre a princesa e a bruxa
O preconceito sofrido pelos ciganos, a histórica perseguição e o desrespeito a sua cultura são os temas que os representantes da etnia trazem para o debate nesta IV CONAPIR. Dinha Cigana, da etnia calon, a predominante no Brasil, conta que os ciganos sofrem ainda com a discriminação na hora de busca por empregos. “Quando a gente, principalmente nossos jovens, batalham por um emprego digno, até conseguem o emprego, mas na hora que descobrem que somos ciganos não tem mais emprego”, reclama.
A própria figura do cigano é associada a muitos estereótipos negativos. Os homens, em geral, são tidos como “vagabundos, preguiçosos e ladrões”. As mulheres são vistas como feiticeiras. “Para as crianças eu sou vista como uma fada ou uma princesa. Mas os adultos me vêm como uma bruxa. Sempre nos associam como que faz feitiçaria”, acrescenta Dinha.
Sujeito negro diferente
Outro segmento com forte presença na IV CONAPIR é o dos afro LGBTs. É um dos segmentos dentro do movimento negro com forte presença de luta por seus direitos. Washington Luiz Dias é o coordenador da Rede Afro LGBT, explica que a pauta racial é uma pauta totalizante, no sentido de que ela precisa “dar conta de todas as negras e todos os negros”.
“Entre nós, negros e negras, temos os LGBTs, a população em situação de rua, os deficientes, portanto, temos que transversalizar essas especificidades. Então, nós nos reivindicamos e somos movimento negro LGBT. E aquilo que a gente traz é a perspectiva intersexualizada das pautas. Não dá para a gente cuidar do sujeito negro como se ele fosse único. Não. Nós somos diferentes e é preciso reaprender a viver nesta diversidade que nós somos”, observou.
‘Nós, os invisíveis’
Se os negros em geral são invisíveis na lógica do racismo institucional, isso á ainda mais verdadeiro para as pessoas negras com algum tipo de deficiência. Este segmento participa da IV CONAPIR com uma delegação pequena, mas que está gritando alto em defesa dos seus direitos. Eliana Correia, vinda de Senador Canedo, em Goiás, é uma das delegadas representantes das pessoas com deficiência. “Estou indignada! Os negros com deficiências nunca são lembrados. Para mim existe uma discriminação dentro do próprio movimento. Estamos aqui para defender nossos direitos”, afirmou ela.