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Genocídio de jovens negros é tema de debate na Câmara dos Deputados
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
“ Uma mãe não pode criar um filho para que este seja assassinado como uma barata pelo Estado”, declarou Débora Maria da Silva, fundadora do movimento Mães de Maio, durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na tarde desta terça-feira (24). O debate, solicitado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT – MG), teve como objetivo a discussão do Atlas da Violência 2016 , que traça o perfil das vítimas de violência no Brasil . Além de Débora da Silva, t ambém foram convidados para participar do encontro o técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Daniel Cerqueira, que analisou os dados levantados no Atlas, e o professor de História e Sociologia da rede pública estadual de São Paulo e membro do Conselho Geral da UNEafro-Brasil, Douglas Belchior. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, por meio de sua Assessoria Parlamentar, participou da realização da audiência, que ocorreu no Plenário 14 da Câmara dos Deputados.
O técnico do Ipea, Daniel Cerqueira, afirmou que existe um verdadeiro genocídio de jovens negros no país, de acordo com o resultado do Atlas. “A maior crise que vivemos hoje não é a crise institucional ou econômica. A crise do país é a perda de milhares de vidas todos os anos. Temos uma média de 65 mil homicídios por ano, o que equivale a mais de 10% do total de homicídios cometidos no mundo inteiro. Já passou do momento de naturalizar a perda de vidas humanas”, declarou Cerqueira. O pesquisador constata que o número de homicídios está relacionado, sobretudo, ao racismo. “As principais vítimas s ão jovens, negros e de baixa escolaridade. O que está por trás dessas mortes? O racismo, a desumanização da pessoa negra e a afirmação do estereótipo do negro como sujeito perigoso estão entranhados em nossa sociedade, além do racismo institucional presente em nossas polícias ”, afirmou .
“ Vivemos a continuidade da lógica escravocrata. O Movimento Negro denuncia há muito tempo, de forma permanente, esse genocídio que atinge a população negra no país. O racismo institucional já nos é conhecido há quase 500 anos”, declarou o professor Douglas Belchior. Para ele, o racismo não é apenas o preconceito contra a cor de pele, mas uma estrutura de poder. “O medo e o ódio contra os negros pautam as políticas de segurança pública a partir da hegemonia racial branca do Estado” , argumentou. Belchior ressaltou que a proposta do PL 2438/2015 , que cria o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens, é avançada e radical para o país, pois propõe interromper a cultura de “naturalização de matar os negros”. A proposta foi apresentada em 2015 pela CPI que investigou casos de violência contra jovens negros e pobres no País. “ A sociedade não se comove com a morte da pessoa negra. A violência continua sendo a norma para os negros, a ferida está aberta. A pergunta que faço é: por que as instituições públicas não dão um basta nessa situação?”, questionou. Como um dos caminhos para enfrentar esse cenário, Belchior sugere discutir a dívida pública. “O poder se estabelece de forma racializada. A taxação de grandes fortunas e a reparação histórica, por exemplo, são medidas que podem ser tomadas para mudar essa situação”, considera Douglas Belchior.
Comissão
O deputado federal Reginaldo Lopes, que presidiu o debate, explicou que o sucesso do PL 2438/2015 depende da aprovação de outras matérias legislativas. “O Brasil está em guerra civil contra os jovens negros e pobres. E nossa proposta para enfrentar esse problema só terá sucesso se outras matérias que hoje tramitam na Câmara e que tratam de mudanças na segurança pública e um redesenho do modelo atual forem aprovadas. Não é por falta de diagnóstico que o Brasil não enfrenta esse problema. É por falta de vontade política. Enquanto o racismo institucional não for superado, não conseguiremos enfrentar esse problema. E esse espaço de debate é fundamental para aperfeiçoarmos a proposta do Projeto de Lei, e para sua aprovação, é necessária a apropriação dessa pauta pelo movimento negro”, afirmou o parlamentar, que destaca que num período de 10 anos, 600 mil vidas serão preservadas, caso a medida seja aprovada e colocada em prática.