Notícias
Um terço das mulheres nordestinas sofrem violência doméstica, afirma pesquisa financiada pela SPM
Financiado pela SPM, estudo realizado pela Universidade Federal do Ceará e o Instituto Maria da Penha faz ligação da violência doméstica no Nordeste brasileiro com foco entre gerações, vulnerabilidades raciais e socioeconômicas e incidência sobre a saúde, direitos sexuais e direitos reprodutivos das mulheres.
A Pesquisa "Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher" (PCSVDFMulher) constatou que 27% de todas as mulheres com idades entre 15 e 49 anos já foram vítimas de violência doméstica ao longo da vida e 17% das nordestinas foram agredidas fisicamente pelo menos uma vez na vida.
A divulgação dos dados inéditos fez parte da celebração dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, realizado na tarde dessa quinta-feira (23), e contou com a participação da secretária Nacional de Políticas para as Mulheres, Fátima Pelaes, com a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, da Maria da Penha, presidente do Instituto Maria da Penha, e do professor José Raimundo Carvalho, coordenador mundial e pesquisador principal da pesquisa.
Para o professor, os resultados são frutos de um trabalho inédito de cientistas nacionais e internacionais. “Compilamos aqui, pela primeira vez, um conjunto de dados único e longitudinal que aborda a violência doméstica e seu desenvolvimento cognitivo-emocional e suas inter-relações no impacto das gerações”, destaca José Raimundo, que conduziu a pesquisa com o professor Victor Hugo Oliveira.
A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres investiu cerca de R$ 2 milhões no projeto. O resultado da pesquisa está sendo usado na construção de ações e políticas públicas no enfrentamento à violência.
“Para cada número aqui apresentado, precisamos entender que existe um nome, rosto, uma mulher que está sofrendo violência. Para estas mulheres é que precisamos trabalhar políticas responsáveis, juntando forças, fazendo uma revolução cultural contra o machismo que existe na nossa sociedade ”, afirmou Fátima Pelaes.
Em sua fala, a secretária convidou a todos a participarem dessa luta no enfrentamento à violência. “Estamos em plena campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência e nos próximos dias vamos lançar uma ação, a Rede Brasil Mulher, que irá unir governos e sociedade para, juntos, enfrentarmos esses desafios”, disse.
Impacto no mercado de trabalho e produtividade
Os resultados do relatório Violência Doméstica e seu Impacto no Mercado de Trabalho e na Produtividade das Mulheres mostram que das mulheres vítimas de violência doméstica no Nordeste, nos últimos 12 meses, 23% recusaram ou desistiram de alguma oportunidade de emprego nesse mesmo período de referência porque o parceiro era contra. Enquanto isso, 9% das mulheres não vitimadas pelos parceiros reportaram ter recusado alguma oportunidade de emprego.
Mulheres vítimas de violência domésticas, nos últimos 12 meses, reportam menor frequência no exercício de sua capacidade de concentração, na capacidade de dormir bem, em tomar decisões, além de se sentir frequentemente estressadas e menos felizes em comparação às mulheres não vitimadas pelos parceiros.
Para a região Nordeste, mulheres vítimas de violência doméstica apresentam uma duração média de emprego 21% menor do que a duração daquelas que não sofrem violência e possuem um salário cerca de 10% menor do que aquelas que não são vítimas de violência. Ser vítima de violência doméstica se correlaciona negativamente com a produtividade e o salário-hora da mulher, e esse efeito é maior em mulheres negras.
Saúde e bem-estar
7% das mulheres agredidas durante a gestação têm entre 15 a 24 anos (bit.ly/lmp-geracoes). As agressões em todas as fases da gravidez foi verificada em 34% das entrevistadas (6% no universo de 10 mil mulheres). Os dados revelam implicações para a saúde das mulheres, incidindo sobre os seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, e das crianças, trazendo novos elementos para a resposta do Brasil para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3: Saúde e Bem Estar.
As mulheres se tornam vulneráveis à depressão, estresse, comportamentos de risco com uso de drogas lícitas e ilícitas, pré-natal inadequado, sangramento vaginal, ganho de peso, hipertensão, pré-eclâmpsia, entre outras intercorrências e enfermidades. Em relação à criança, estudos da área indicam restrição de crescimento uterino, curta duração, redução de peso da criança ao nascer, 0,9% a mais de probabilidade de morte ao nascer e até 1,5% a maior de probabilidade de morte até o 5º ano de vida.
Espiral da violência de gênero
Um dos apontamentos mais alarmantes é sobre a transmissão da violência entre gerações. 4 a cada 10 mulheres que cresceram em um lar violento sofreram o mesmo tipo de violência na vida adulta. Ou seja, há uma repetição de padrão em seu próprio lar. A chamada Transmissão Intergeracional de Violência Doméstica (TIVD) é definida como um mecanismo de perpetuação da violência que, segundo os estudos, sugere maior incidência de violência doméstica em lares onde a mulher, seu parceiro ou ambos estiveram expostos à violência na infância. O mesmo percentual, 4 a cada 10 mulheres, também surge em relação ao impacto no comportamento masculino, revelando que parceiros que cresceram em um lar violento também cometeram agressões contra suas parceiras.
De acordo com a pesquisa, 1 a cada 5 mulheres teve contato com algum tipo de violência doméstica na infância ou na adolescência. 23% afirmaram ter lembranças da mãe sendo agredida e 13% sabem que a mãe do parceiro também sofreu algum tipo de agressão. Destas, 88% presenciaram (viu ou ouviu) as agressões físicas sofridas pela mãe.
O peso da violência doméstica também é maior quando há um divisão entre brancas e negras. 1 a cada 4 entrevistadas negras afirmou se lembrar de episódios de violência contra sua mãe. Já entre as entrevistadas brancas, o número é sensivelmente menor quando 1 a cada 5 afirmou ter presenciado algo.
Agressores
A pesquisa explora a ação da violência por parte de parceiros e ex-parceiros das vítimas. Os índices são muito próximos entre os relacionamentos antigos e atuais das mulheres em situação de violência.
12% das mulheres relataram que o parceiro ou ex-parceiro (o mais recente), quando criança, soube das agressões físicas sofridas pela mãe. 85% deles presenciou os atos de agressão pelo menos uma vez. 10% das entrevistadas reportaram que seus parceiros e ex-parceiros haviam sido agredidos, pelo menos uma vez, durante a infância por familiares. Em Aracaju, 16% das mulheres responderam que seus parceiros e ex-parceiros souberam ao menos uma vez das agressões sofridas pela mãe. 9% das entrevistadas reportaram que seus respectivos parceiros e ex-parceiros foram agredidos na infância por familiares - neste último indicador, a concentração é em Salvador (15%).
Exposição de crianças à violência de gênero
Das mulheres vítimas de violência doméstica, 55% relataram que os filhos presenciaram o episódio ao menos uma vez.
Sobre a pesquisa
A amostra da PCSVDFMulher é composta por mais de 10 mil mulheres, sendo quantitativa, probabilística e representativa das moradoras das nove capitais do Nordeste, com idades entre 15 e 50 anos. Para o estudo do tópico Violência na Gestação, a análise se restringiu às mulheres entrevistadas pela PCSVDFMulher que tiveram pelo menos uma experiência de gravidez ao longo da vida, resultando em 4.056 mulheres que, efetivamente, responderam questões relativas à experiência de violência na gestação.