DISCURSO DA DELEGAÇÃO BRASILEIRA NO 20º ANIVERSÁRIO DA IV CONFERÊNCIA MUNDIAL DA MULHER
Senhora Presidenta,
Venho em nome de mais de cem milhões de mulheres – e de homens comprometidos com os direitos das mulheres e a igualdade de gênero. Trago a mensagem da Presidenta Dilma Rousseff e da Ministra das Mulheres Eleonora Menicucci de firme compromisso com a plena implementação da Declaração e da Plataforma de Ação de Beijing. Para o Brasil, a busca da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres é uma política de governo e uma política de Estado. Não pode haver dúvida de que para o Brasil os direitos das mulheres são direitos humanos.
Viemos comemorar o 20º aniversário da IV Conferência Mundial sobre a Mulher. Queremos comemorar no sentido original da palavra, o de lembrar-nos juntos. Temos muito o que celebrar, é verdade; para nós, o fato de uma mulher ter sido, pouco mais de quatros meses atrás, conduzida à Presidência da República pela segunda vez em nossa história fala por si só do caminho que estamos procurando percorrer no sentido de alcançar a igualdade de gênero e, em particular, no sentido de ampliar a participação igualitária nos processos de tomada de decisão. A isso se somam os mais de dez anos de trabalho da Secretaria de Políticas para as Mulheres que eu represento, e outras conquistas das mulheres brasileiras. Mas o caminho que nos resta percorrer nos impõe sobriedade nessa comemoração. Uma sobriedade que, entendemos, deve impor-se em todas as regiões do globo.
Estamos confiantes no potencial da comunidade internacional de alcançar um futuro sem discriminações para as próximas gerações. O patrimônio normativo que acumulamos nas Nações Unidas em matéria de gênero, por exemplo, nos oferece bases sólidas, abrangentes. Isso inclui, com destaque, a Declaração e a Plataforma de Ação de Beijing.
Mas a importância da Conferência de Beijing não está somente na letra de seus documentos finais. Está também no consenso mundial que eles reuniram, e nos compromissos assumidos por Governos e organizações internacionais e pelos movimentos feministas e de mulheres para tornar realidade a promessa da igualdade de gênero. Vemos a força desse consenso e desse compromisso erodir-se ano a ano, nesta mesma Comissão do Status da Mulher. E isso nos preocupa.
Refiro-me à declaração política que aprovamos no primeiro dia desta 59ª Sessão. Congratulo as delegações pelo esforço de mostrar ao mundo de maneira consensual que seguimos unidos em torno da Declaração e da Plataforma de Ação. Estamos particularmente gratas pela incidência que esperamos que esta declaração possa ter na consolidação do tratamento dos temas de gênero nas negociações que se avizinham sobre a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015. Queremos que a busca da igualdade de gênero seja incorporada como um objetivo à parte e como um enfoque transversal.
Mas a união que alcançamos não foi forte o suficiente para buscarmos juntos as maneiras de enfrentar as 12 áreas críticas de preocupação. Nem para identificar os novos desafios.
Quero hoje falar do enfrentamento ao feminicídio. Aprovamos no Congresso brasileiro um Projeto de Lei que modifica o Código Penal para incluir entre os tipos de homicídio qualificado o feminicídio, definido como o assassinato de mulher por razões de gênero. O projeto será sancionado hoje pela Presidenta Dilma Rousseff. Quero falar do combate à homofobia, cuja criminalização defendemos no Poder Legislativo. Mas esta declaração se restringe a uma rápida menção à violência contra as mulheres.
Gostaríamos de falar de educação não discriminatória. De igualdade no mundo do trabalho. De HIV/AIDS, e de mortalidade materna. Mas, nesse último tema, somente faz-se uma pequena referência à temática da mulher e da saúde. Sequer se mencionam os temas de saúde sexual e reprodutiva e de direitos reprodutivos. E muito menos dos direitos sexuais e do enfrentamento ao racismo. Que dizer do aniversário de uma Conferência que brilhantemente afirmou que "os direitos humanos da mulher incluem seu direito de ter controle e decidir de forma livre e responsável sobre as questões atinentes a sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual, sem coerção, discriminação e violência".
Em um momento como este, que deveria ser de aprofundamento e de definição de novas metas e formas de parceria e cooperação, tivemos que limitar-nos a reproduzir acordos do passado. Em vez de olhar o futuro, nós, como comunidade internacional, estamos com os olhos presos na realidade do já distante ano de 1995.
É por isso que é preciso rememorar Beijing. A força da IV Conferência Mundial sobre a Mulher esteve na capacidade que as delegações demonstraram de por sobre a mesa os problemas que afligiam as mulheres de então e encontrar soluções para eles. Soluções duradouras, porque vincadas em direitos e na afirmação da dignidade intrínseca das mulheres. Nem todas as disposições da Plataforma de Ação foram objeto de consenso, mas houve consenso de que o documento em seu conjunto constituía uma nova base para a atuação de todos.
Essa força tem-se perdido. Não podemos permitir que os particularismos continuem superpondo-se ao interesse geral. Como representante de um país em desenvolvimento como o Brasil, gostaria de dar nosso depoimento: não há nada na Declaração e na Plataforma de Ação de Beijing que não seja de alto interesse para o mundo em desenvolvimento. Porque não haverá desenvolvimento, sustentável ou de qualquer outro tipo, de que não faça parte metade da humanidade, como seu impulsionador e beneficiário. O pleno potencial das mulheres ainda está por ser liberado.
Comemorar Beijing, em seu vigor criativo e negociador, é de interesse de todas as pessoas que desejam um mundo mais justo e igual, sem exceções.
Muito obrigada.
Linda Goulart
Secretária-Executiva da Secretaria de Políticas para as Mulheres
Presidência da República