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20/10 – Malala ilumina o mundo (Artigo) – Eleonora Menicucci
Artigo publicado em 19 de outubro no Correio Braziliense
Estamos vivendo um daqueles raros momentos em que uma atitude ilumina a humanidade. Trata-se do reconhecimento mundial da luta de uma menina pelo direito das mulheres à educação. Como se sabe, a paquistanesa Malala Youzafsai, de apenas 17 anos, acaba de ganhar o Nobel da Paz. Note-se que isso acontece emblematicamente no mesmo mês em que comemoramos no Brasil o Dia das Crianças e o Dia do Professor.
Há dois anos, a 9 de outubro de 2012, tentaram silenciar Malala e sua luta da maneira mais covarde: ela recebeu tiros quando estava dentro de um ônibus escolar. As balas, num primeiro momento, a levaram ao coma. Mas acabaram, mais tarde, provocando uma reação fortíssima em sentido contrário: tornaram a menina e sua luta mais vivas do que nunca. Levada a Londres, ela recuperou-se, cursa faculdade e mantém uma ONG voltada aos direitos das mulheres. Muito apropriadamente, esse Nobel da Paz foi compartilhado com um militante dos direitos das crianças, o indiano Kailash Satyarthi.
É muito interessante olhar de perto essa curta mas significativa biografia. Malala era uma menina que nunca havia saído de sua aldeia natal, Mingora, no vale do Rio Swat, noroeste do Paquistão. A região havia estado sob o controle do Talibã, até 2009. Mas a expulsão dos fundamentalistas pelo exército não significou o fim das ameaças. Essas incluíam a destruição de escolas para as meninas, o fechamento de centros comerciais, a decapitação de policiais, entre outras.
Foi nesse contexto que a britânica BBC sondou jovens e suas famílias da região, para ver se concordavam em reportar a situação num blog. Apavoradas, todas recusavam. Malala, com apenas 12 anos, topou. Sob um frágil pseudônimo, passou a contar o que era viver sob o terror fundamentalista, principalmente para as mulheres. Tamanha era a dificuldade que seus textos tinham de ser escaneados pela BBC, já que originalmente eram escritos à mão.
Na sequência do blog, o jornal The New York Times gravou um documentário com ela, o que a projetou de vez. Mas, lamentavelmente, Malala acabou sofrendo o atentado.
É interessante observar que a garota paquistanesa elegeu, ainda menina, um objetivo de vida que a tiraria dos limites consumistas frequentemente associados a boa parte dos adolescentes mundo afora. O apoio com que Malala contava era o de seu pai. Ziauddin, diferentemente dos outros homens da aldeia, sempre respeitou as mulheres, é ativista educacional, dono de escolas e poeta. Ele estimulava a filha a ficar discutindo política até altas horas da noite.
Atualmente, já com a vida refeita em Londres, mas sem poder retornar ao seu país, Malala vê sua luta reforçada. Ela é a mais jovem vencedora de um Nobel em todos os tempos. Trata-se da primeira vez que a honraria é concedida a uma mulher ainda adolescente, desde a criação do prêmio, em 1901.
A pessoa mais nova até então distinguida era um homem de 25 anos, o britânico William Lawrence Brag, Nobel de Física junto com o pai, em 1915. A média etária do prêmio é de 59 anos. Ou seja, Malala precisou de apenas um quarto do tempo de vida padrão dos laureados habituais do Nobel para merecê-lo.
Já havia sido distinguida com outros prêmios antes, caso do Sakharov, concedido unanimemente pelo Parlamento Europeu. A isso se soma um reconhecimento absoluto mundial por outras vias. Eu sou Malala, autobiografia lançada em 2013, virou best-seller. Vendeu mais de 100 mil exemplares só no Brasil. Ícones como Desmond Tutu, Barack Obama, Madonna, Hillary Clinton e outros a reverenciaram e apoiaram.
É óbvio que esse reconhecimento vem na proporção da justeza de sua luta. Conforme a ONU, apenas 23% das meninas pobres das áreas rurais da África Subsaariana - ou seja, menos de um quarto do total delas - completa a educação primária. E, no mundo todo, mais de 1,3 bilhão de mulheres não têm uma simples conta bancária.
O atraso ferozmente reivindicado pelos que negam os direitos das mulheres fere não apenas as mulheres - fere toda a humanidade. É urgente que se vire essa página. Já passou da hora. E uma das maneiras mais eficientes de ela ser virada é por meio da educação - como demonstra a saga de Malala.
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
Comunicação Social
Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM
Governo Federal