Violência contra a Mulher, uma Lei necessária, por Nilcéa Freire - Folha de S. Paulo, 05/08/2006
Violência contra a Mulher, uma Lei necessária
Folha de S. Paulo - 05/08/2006
A partir desta semana o Brasil passa a contar, com uma lei específica para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei aprovada pelo Congresso Nacional e a ser sancionada pelo Presidente da República, no dia 7 de agosto, dá cumprimento, finalmente, à Convenção para Punir, Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher da OEA, Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Estado brasileiro há 11 anos. O Brasil é o 18º país da América Latina a ter uma lei desta natureza.
Pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em dez países sobre o impacto da violência contra a mulher sobre sua saúde e divulgada em 2005, revela que no Brasil, somente na capital de São Paulo, quase um terço das mulheres (27%) já foram agredidas fisicamente por seus parceiros ou ex-parceiros. Na Zona da Mata em Pernambuco, este percentual sobe para 34% .
Levantamento realizado junto às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), apurou que no ano de 2005, apenas nas capitais brasileiras, houve cerca de 55 mil registros de ocorrências. O índice salta para 160.824 se consideradas as demais cidades. Estes dados, todavia, tornam-se ainda mais significativos por corresponderem a apenas 27% das DEAMs existentes e pelo fato de um número significativamente alto de mulheres não recorrer à autoridade policial por medo, vergonha e falta de crença na eficácia de sua denúncia.
Medo, vergonha encobrem com o silêncio. A violência doméstica e familiar contra a mulher é a expressão mais perversa do desequilíbrio de poder entre homens e mulheres e é ainda hoje, um grave problema mundial. No seu rastro estão índices expressivos de absenteísmo ao trabalho, a feminização da AIDS e baixo aproveitamento escolar de crianças que a presenciam.
“Naturalizada” por séculos de cultura patriarcal e machista, a violência contra a mulher configurou-se como questão pública, rompendo os limites das quatro paredes do lar através das vozes de milhares de mulheres que resolveram há cerca de trinta anos não mais se calar. Rupturas culturais são desoladoramente lentas, requerem mudanças de atitude nos lares e sociedades, nos marcos legais e institucionais.
Somando-se `as questões de natureza cultural , e também como sua conseqüência a inexistência de uma legislação específica vem garantindo a impunidade dos agressores. Situações que começaram como uma ameaça evoluíram muitas vezes para assassinatos sem que qualquer intervenção pudesse ser ou fosse feita para evitá-lo.
A nova lei altera o Código Penal e possibilita que agressores sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada, quando ameaçarem a integridade física da mulher. Acaba o pagamento de multas ou cestas básicas. A violência doméstica é tipificada como uma das formas de violação dos direitos humanos. Esses crimes passam a ser julgados em Varas Criminais, até a instituição de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no âmbito dos estados.
A lei prevê, ainda, inéditas medidas de proteção para a mulher que corre risco de vida, como o afastamento do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação física junto à mulher agredida e filhos.
O texto legal com que passamos a contar passou por um longo processo de discussão e maturação. Originado em proposta elaborada por um consórcio de ONGs, foi discutido e reformulado por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional.
Através da relatoria do projeto de lei foram realizadas audiências públicas em assembléias legislativas das cinco regiões do país, ao longo de 2005. As audiências contaram com intensa participação de entidades da sociedade civil.
O produto deste processo foi um substitutivo acordado entre a relatora, o consórcio de ONGs e executivo federal. Em dezembro de 2005, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e, em julho de 2006, no Senado Federal. Por unanimidade.
”Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência”. Este é o nosso desejo e deve ser o nosso compromisso.
Nilcéa Freire
Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Presidência da República