Vadias porquê?
Coisas que causam o estupro. Não é bebida, andar só, nem usar roupa sexy. É o estuprador. 10 mulheres são estupradas por dia. E isso não é piada de mau gosto de Rafinha Bastos - um dos apresentadores do CQC. Eram muitas as manifestações. Cartazes, palavras de ordem, pulos contra o machismo e vaias para os misógenos. Um sábado diferente na zona central de Brasília. Aos poucos elas foram chegando. 18 de junho de 2011. Cenas que entraram para a história do Distrito Federal, tão acostumado a manifestações de trabalhadores, índios, sem terra e outras tantas categorias, vindos de todas as partes do país que desejam protestar no centro do poder.
Uma organização diferente. Convocação pela internet para a Marcha das Vadias, um movimento que começou no Canadá e se espalhou pelo mundo.
Centenas de mulheres de idades diversas e homens solidários à causa saíram às 13h40 do Conjunto Nacional. Uma percussão de baldes e latas, surdos e apitos, misturados às vozes revezadas ao microfone puxando o coro das “bacantes”, seguiu pela pista. Margeando o estacionamento, ocupando duas das três faixas do Eixinho, entre buzinas simpáticas ao protesto, seguia a multidão. Muitos fotógrafos, cinegrafistas profissionais, amadores. Celulares e câmeras para registrar o instante que entra para a história, memória da cidade, do movimento de mulheres.
Um caminhar tranqüilo e seguro, de quem sabe de seus direitos e segue em frente para vê-lo sair das páginas da lei, aprisionada, imobilizada pelo preconceito. Sociedade machista, complacente com a violência. Apitos para acordá-la. Cartazes para lembrá-la. Provocações à mente, ao comportamento vigente. Nada pode ser como antes.
O mundo gira, as mulheres avançam pela avenida, invadem a rodoviária de Brasília. Tudo diante de impassíveis policiais, pedestres e comerciários desavisados, sem entender bem o que diziam e queriam aquelas 1.000 mulheres vestidas de forma diversa, variações de vadias, versões religiosa, meio santa, meio puta, de mini-saias, fazendo top less. Acima de tudo mulheres livres, rebeldes, anárquicas.
E quem achou que anarquia não combinava com organização se esqueceu que no centro de tudo, acima de tudo existe uma causa. Candangos, pessoas em terra estrangeira, na secura do Cerrado daquele sábado quente sem uma nuvem sequer no céu, foram interrompidos em sua rotina. Das estudantes à frente do cortejo inusitado com frases escritas em batom no peito “esse corpo não lhe pertence”, ou “o corpo é meu”, das feministas da marcha das mulheres, das ONGs, dos homens que ousaram dizer que não eram leões e que “ser muito macho é sinal de estupidez”. Nada disso passou despercebido nas plataformas de ônibus, na impaciência de motoristas que seguiam rumo à Esplanada dos Ministérios pelo Eixo Monumental e foram surpreendidos por uma horda de vadias que pararam o trânsito em frente ao Conic, durante o trajeto rumo ao Parque da Cidade.
Um movimento para ficar na memória de quem aderiu, das que saíram das telas dos computadores e ganharam vida na rua, daquelas que já estão nela há muito tempo lutando por dias mais iguais e se juntaram às novas feministas, em sua forma de ver e perceber o mundo.
A provocação, essa insistência que leva o outro a pensar, mesmo que a revelia, mesmo que arrastado, pego de surpresa no ponto de ônibus, isso muda o próprio modo de pensar. E porque não? Afinal: você é um homem, ou um leão?