Segurança pública: conversa de mulher, por Nilcéa Freire - Jornal do Brasil - 17/05/2009
Segurança pública: conversa de mulher
Jornal do Brasil - 17/05/2009
Nós, mulheres, conquistamos, ao longo das últimas décadas, o direito de também sermos protagonistas da história. Lutamos para poder dividir este papel que, anteriormente, era reservado apenas aos homens. Não busco reacender uma suposta guerra de sexos. Pelo contrário, a intenção é mostrar o quanto as responsabilidades podem ser compartilhadas e como, a partir das diferenças de gêneros, podemos construir um mundo mais justo e igualitário. Esse entendimento é fundamental no desenvolvimento de Políticas públicas. Nesta perspectiva, defendemos que a opinião e as propostas femininas devem ser levadas em consideração no que se refere à segurança pública, um dos temas mais debatidos atualmente.
Por isso, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres está desenvolvendo a iniciativa Diálogos sobre Segurança Pública, que conta com o apoio de três agências das Organizações das Nações Unidas: Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). O estudo inédito, em realização em sete cidades (São Paulo, Rio de Janeiro, Canoas, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Belém), reúne Mulheres de vínculos sociais distintos para discutirem os temas Violência e Segurança pública. O objetivo desses encontros é evidenciar um olhar feminino sobre a segurança nas cidades, apresentando novas propostas e soluções para a questão.
Para dar conta de um universo social tão rico, a metodologia é baseada no diálogo entre Mulheres de diferentes segmentos sociais. São donas-de-casa, médicas, presidiárias, pescadoras, professoras, socialites, líderes comunitárias, artistas, formadoras de opinião, engenheiras, secretárias, Mulheres com diferentes orientações sexuais, brancas e negras, entre tantas outras origens, ocupações e atividades. Os resultados desses encontros serão apresentados na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, em agosto. A iniciativa também está vinculada ao Programa Regional Cidades Seguras, promovido pelo Unifem.
Entender a violência a partir de uma perspectiva de gênero pode trazer uma importante contribuição e uma melhoria efetiva nas Políticas públicas de segurança. Isso porque as mulheres, de um modo geral, são figuras centrais na mediação social. Este papel pode ser observado na sua capacidade de equacionar conflitos, seja entre seus filhos e familiares, seus colegas de trabalho ou seus amigos.
Existe na sociedade um ciclo no qual as violências – física, sexual, psicológica, doméstica – se intercomunicam e se reforçam. Nesta roda-viva, as Mulheres estão mais expostas e vulneráveis a determinados tipos de agressão, como a sexual e a doméstica, por exemplo. Dentro desse entendimento, é preciso levar em consideração que existem pontos de interseção entre a violência doméstica e a vivida nas esferas públicas da sociedade, tanto nas metrópoles quanto no interior do país. Reconhecer as especificidades, diferenças e similitudes é o primeiro passo para reverter o quadro atual.
A segurança pública pode avançar muito com a percepção feminina e com a experiência adquirida pelas Mulheres na articulação em rede para o combate permanente à violência doméstica. Um exemplo é o apitaço, em Recife. As moradoras, quando agredidas, apitam. O barulho chama atenção da vizinhança que vai socorrer a vítima e impede que o agressor continue a bater. A expertise em criar, montar e lidar com redes sociais pode ser uma importante ferramenta para a segurança pública.
É sabido que a taxa de mortalidade causada pela violência é maior entre homens jovens, de 15 a 24 anos. O notório é o quanto essas vidas perdidas choradas por mães, filhas, irmãs, tias, avós, esposas e namoradas muitas vezes são transformadas por essas Mulheres na luta pelos direitos humanos. O compromisso pela vida é maior que o medo dos bandidos e que a sensação de impunidade. Pelo direito de enterrar seus mortos, Mulheres vão dos tribunais do tráfico aos tribunais de Justiça. De fato, as Mulheres estão à frente de muitos movimentos em defesa dos direitos humanos e da cidadania.
Embora as Mulheres sejam diretamente atingidas pela violência, observa-se que a opinião feminina, de um modo geral, não é levada em conta no desenvolvimento de Políticas de segurança pública. Precisamos quebrar o paradigma existente no imaginário coletivo que segrega este tema como uma discussão masculina na qual as Mulheres são apenas enxergadas como vítimas, aquelas que devem ser protegidas. Queremos mostrar que podemos ser protagonistas, propondo soluções para o desenvolvimento de uma cultura de paz e respeito à alteridade.
Nilcéa Freire
Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Presidência da República