Reflexões e desafios, por Nilcéa Freire - Correio Braziliense, 08/03/2008
Reflexões e desafios
Correio Braziliense - 08/03/2008
O Dia Internacional da mulher significa momento importante para compartilharmos as alegrias pela conquista de Políticas públicas que visam garantir a igualdade entre homens e mulheres em nosso país. É também momento para refletirmos sobre os desafios que ainda precisam ser superados. Em todo o mundo, inclusive no Brasil, são inegáveis os avanços que asseguram cada vez mais direitos às mulheres. No entanto, as desigualdades entre os sexos persistem e ainda estão longe de serem superadas.
A Violência contra a mulher é um dos desafios a serem superados, pois ela constitui uma das principais formas de violação de direitos humanos. É a expressão mais perversa do desequilíbrio de poder entre homens e mulheres. Além de ser grave problema mundial, que não distingue classe social, raça, etnia, orientação sexual, religião e grau de escolaridade. Portanto, enfrentá-la, é tarefa de cada um de nós.
É por essas razões que, há um ano e meio, mulheres vítimas de Violência doméstica contam com poderosa aliada, a Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir essa Violência, estabelece medidas para a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de Violência, inova o processo judicial ao estabelecer novos papéis para as autoridades policiais e para o Ministério Público, e pune os agressores. A Lei Maria da Penha é um marco na defesa dos direitos da mulher capaz de mudar o destino de milhares de vítimas. Com ela, a questão tornou-se de Estado e de toda a sociedade.
Na prática, no entanto, algumas inovações trazidas pela lei têm sido feitas de maneira lenta e desigual no país. De acordo com o levantamento feito pela Secretaria Especial de Políticas para as mulheres, até fevereiro deste ano foram instalados 21 juizados ou varas de Violência doméstica e Familiar em 12 estados e no DF. Outras 32 instâncias foram adaptadas para atender aos casos previstos na lei.
A partir desses dados, podemos observar que a lei ainda não repercute nos tribunais como deveria, pois o número de juizados e varas de Violência doméstica é insuficiente. Sem uma estrutura judiciária específica, certamente haverá grande prejuízo em celeridade a todos os casos. E as vítimas de Violência não podem ficar à mercê disso.
Na tentativa de ampliar essas instâncias e contemplar todos os estados, em março de 2007 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou recomendação aos tribunais de Justiça para criarem juizados de Violência doméstica e Familiar nas capitais e no interior, com a implementação de equipes multidisciplinares. O CNJ também sugere que os tribunais incluam em seus bancos de dados estatísticas sobre Violência doméstica, promovam cursos de capacitação multidisciplinar em direitos humanos e Violência de gênero voltados para magistrados, e que integrem o Poder Judiciário aos demais serviços da rede de atendimento à mulher.
A instalação desses juizados é de suma importância, pois até então os casos de Violência doméstica contra mulheres eram julgados nos juizados Especiais Criminais, onde a maioria era arquivada sem que a mulher tivesse qualquer amparo da lei frente à agressão sofrida. As punições, quando atribuídas ao agressor, não passavam de doação de cestas básicas, o que criava a sensação de impunidade.
Diante do pequeno número de juizados instalados no país, vale destacar o pioneirismo de alguns estados como Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Pernambuco. Por isso, afirmo que a criação dos juizados em todos os estados de federação é uma das medidas que garantirão a eficácia da lei. Esse novo modelo de juizado tem competência para resolver todas as questões, tanto as cíveis quanto as criminais.
A Lei Maria da Penha só será realmente efetiva quando o Estado, na figura dos governos federal, estaduais, municipais e a sociedade assumirem definitivamente o enfrentamento da Violência doméstica como prioridade.
Nilcéa Freire
Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Presidência da República