Planejamento familiar e direitos reprodutivos, por Nilcéa Freire e José Gomes Temporão - Julho/2007
Planejamento Familiar e Direitos Reprodutivos
19/07/2007
Na semana passada, na qual se comemorou o Dia Mundial da População (11 de julho), ganhou destaque a transformação apontada por recente relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA): em 2007 a população urbana igualou-se à população rural. A previsão é que para 2008 a população mundial atinja a marca de 3,3 bilhões de pessoas vivendo nas cidades, ultrapassando a população que vive em áreas rurais. A América Latina (e o Brasil, especialmente) foi um dos responsáveis por essa transformação histórica, que teve início nos anos 50 do século XX, num ritmo nunca atingido anteriormente. Preparar as cidades para este crescimento é o grande desafio que está colocado para as políticas públicas dos países.
A Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, provocou uma profunda transformação no debate populacional, transpondo os objetivos puramente demográficos e assumindo como meta o desenvolvimento humano.
A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim, em 1995, reafirmou os acordos da Conferência do Cairo e avançou na definição dos direitos sexuais e reprodutivos. Atualizou o conceito de direitos humanos, a partir da incorporação da definição de direitos reprodutivos como a capacidade de se reproduzir com liberdade para decidir se, quando e com que freqüência ter filhos e com acesso às informações para a tomada de decisão. Direitos reprodutivos passam a ser parte do exercício da cidadania e do desenvolvimento integral da pessoa humana.
Os princípios de Cairo e Pequim opõem-se, portanto, à idéia de metas populacionais e nos remete para a promoção da igualdade entre homens e mulheres como fator fundamental para a conquista de melhores condições de saúde e de qualidade de vida.
A transformação mundial segue no caminho do avanço técnico-científico que nos acena com maior expectativa de vida e a possibilidade de envelhecimento com qualidade. A invenção e a difusão de métodos anticoncepcionais favoreceram a autonomia das mulheres e promoveram a disseminação de comportamentos culturais diversificados.
O processo de globalização recente levou à acentuação da concentração da renda e das riquezas entre países e entre grupos dentro dos países. O acesso desigual das pessoas à informação, à saúde, à educação e aos benefícios sociais de uma maneira geral, bem como o crescimento da violência urbana, refletem esse processo desigual de apropriação da riqueza.
Os avanços e desafios do mundo moderno têm como conseqüência a queda da fecundidade mundial das mulheres. No Brasil, por exemplo, a taxa de fecundidade vem caindo sistematicamente nas últimas décadas e de maneira desigual entre as regiões do País e entre diferentes estratos sociais.
A crença de que a redução da natalidade nas populações pobres reduziria a pobreza não se concretizou. Foi justamente nas populações mais pobres que a taxa de fecundidade teve declínio mais acentuado na última década, o que nos leva a refletir sobre o crescimento da conscientização das mulheres sobre seu corpo e sua vida.
O planejamento familiar é direito de todos, cidadãos e cidadãs, e é dever do Estado. De acordo com a Lei 9.263/1996, a assistência em planejamento familiar deve incluir acesso à informação e aos métodos e técnicas para a concepção e anticoncepção, aceitos cientificamente e que não coloquem em risco a saúde das pessoas. Esse entendimento é compartilhado amplamente pela sociedade brasileira, segundo recente pesquisa realizada pelo Ibope, na qual 91% dos entrevistados de diferentes segmentos sociais se declararam a favor do planejamento familiar. Portanto, o recente Dia Mundial da População nos leva a reafirmar as decisões de Cairo e Pequim, com a implementação da Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (2004), do Pacto pela Redução da Mortalidade Materna (2005) e, desde o dia 28 de maio passado, do lançamento do Programa de Planejamento Familiar.
Dessa forma, buscamos ampliar o acesso à informação qualificada, aos serviços de saúde e aos procedimentos necessários para que homens e mulheres decidam livremente sobre a sua reprodução.
Nilcéa Freire
Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Presidência da República
José Gomes Temporão
Ministro de Estado da Saúde.