Geisy Arruda. Uma brasileira, por Nilcéa Freire - Revista Cláudia. Nº 12. Ano 48 - 12/2009
Geisy Arruda. Uma brasileira.
Revista Cláudia. Nº 12. Ano 48. Dezembro de 2009.
Passado o auge da polêmica envolvendo a universitária Geisy Arruda – que foi hostilizada, expulsa da universidade e readmitida horas depois devido às roupas que usava –; resta-nos o desafio de não esquecer o caso. Além disso, entre os três momentos pontuais citados, houve vários outros que o Brasil e o mundo testemunharam, e todos eles nos dão conteúdo para muita reflexão: o episódio, que mostrou centenas de pessoas se insurgindo contra a estudante – se sentindo no direito de xingar, coagir, humilhar e ameaçar –, chocou o país e fez inúmeras vozes se levantarem contra e a favor dela. Afinal, qual teria sido o seu erro, a sua falta, o seu crime? O motivo da confusão é tão absurdo que corre o risco de se diluir no meio da própria confusão. E é isso que a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – uma das tantas vozes a favor de Geyse – não quer que aconteça.
Geisy Arruda apenas se vestiu. E a roupa que usou não carece de adjetivos. É rosa? É curto? O foco da discussão deve ser outro: a quem cabe definir o que é passível de ser considerado “normal”? A quem cabe decidir sobre “comportamentos adequados”?
Geisy Arruda é uma mulher. Uma brasileira. Uma mulher - como somos todas - inserida em uma sociedade conservadora, repressora e machista e educada por ela. Uma mulher como qualquer brasileira, que tenta construir sua vida, que tem desejos e vulnerabilidades. A mesma mulher que pode vir a precisar da Central de Atendimento a Mulher – Disque 180 – para denunciar violências – física, moral, psicológica, contra o patrimônio. A mesma mulher que, às dezenas, é assassinada diariamente no país pelo marido e companheiro. Geisy é mais uma brasileira que, aos poucos, compreende a importância de denunciar a violência para romper o círculo de silêncio, fazer valer os seus direitos, defender-se, proteger-se e ver julgados e punidos seus agressores.
Mas são também muitas as brasileiras que participam e lutam diariamente, debatendo as questões de gênero e apontando que o fato de sermos mulheres não pode nos obrigar a dar explicações sobre nossas escolhas estéticas, profissionais, afetivas. Ainda bem que há muitas vozes para nos lembrar que são as mulheres que devem decidir sobre seu próprio corpo, suas roupas, suas relações de afeto, seu comportamento.
Aprender a conviver com as diferenças e com a diversidade é um exercício que qualquer sociedade que se pretenda democrática precisa fazer cotidianamente. Ou não haverá democracia nem liberdade. Nem para mulheres nem para homens. E mais do que sobre a pertinência da roupa de Geisy é sobre esta questão que devemos focar nossas reflexões.
Nilcéa Freire
Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Presidência da República