16/06/2013 - Correio Braziliense - As Mulheres no futebol - Eleonora Menicucci
Publicado em
10/08/2010 16h05
Atualizado em
30/11/2019 11h14
Artigo publicado no Correio Braziliense em 16 de junho de 2013
O futebol praticado pelas mulheres no Brasil conquista espaço. Prevê-se a Libertadores da América de futebol feminino para outubro próximo, já pela quinta vez - e novamente no Brasil, como ocorreu em todas as quatro edições. A Copa Brasil de Futebol Feminino, encerrada em maio (com 31 participantes dos 27 estados, 54 jogos, 192 gols e média de 3,56 gols por partida), já registra sete edições. Pela primeira vez, uma Seleção Brasileira - no caso, a Feminina Sub-17 - tem, finalmente, uma mulher como técnica, Emily Lima. Também pela primeira vez, a Seleção Feminina conta, a partir deste ano, com uma equipe sub-15, com a missão de fornecer a base para as seleções principais. O noticiário, ainda que timidamente, começa a prestar mais atenção a esse universo.
O que esses fatos trazem à tona - à parte a alegria com que devemos recebê-los - são os preconceitos que ainda cercam a prática desse esporte pelas mulheres. Tanto mais paradoxal porque, revolvendo a crônica do futebol no Brasil e no mundo, se encontra o pé feminino ainda no século 19. Por que, então, esse véu tão duradouro sobre as mulheres e a bola?
Elas têm sua presença nos gramados registrada já em 1894, com a fundação do primeiro clube pela feminista e sufragista inglesa Nettie Honetball - o Ladies Football Club, em Londres. No ano seguinte, Lady Florence Dixie, atraída pelas ideias feministas de que as mulheres podiam praticar esportes e conquistar sua emancipação, torna-se presidente do clube. E viabiliza a primeira turnê da equipe, que ocorre na Escócia.
O fato é que o senso comum consagrou o futebol como atividade e expressão masculinas. Provavelmente tenha prevalecido no imaginário social a interdição das práticas esportivas pela suposição de que isso destruía a feminilidade e portanto masculinizaria as mulheres. Assim, elas foram afastadas do futebol por tabus, discriminação e proibições legais.
Algumas janelas se abriam, aqui e ali, para as mulheres. Assim, a organização dos Jogos Olímpicos Modernos no último quartel do século 19 e a luta feminista pelo direito ao voto - o sufragismo - possibilitaram à população feminina a oportunidade de praticar esportes, inclusive o futebol. E no Brasil, já nos anos 1920, alguns clubes admitiam a prática do futebol feminino, tanto na capital federal de então, o Rio de Janeiro, como na capital paulista.
Mas essas janelas claramente não significavam espaço consolidado. Tanto que, em 1941, o Conselho Nacional de Desportos promulgou o Decreto-lei nº 3.199, do general Newton Cavalcanti, que vetou às mulheres a prática de desportos considerados então incompatíveis com sua natureza. E em 1965 o conselho proibiu às mulheres o futebol de campo, assim como o de salão e o de praia, entre outras modalidades. Somente em 1979 a legislação foi revogada, refletindo a nova onda feminista dos anos 1970.
Mesmo assim, há registros pioneiros no Brasil, como o do pequeno clube mineiro Araguari Atlético Clube. Esse, em 1958, ousou organizar jogos de futebol feminino. Mas, sob pressão social, não resistiu e acabou (Folha de S.Paulo, 12/6/2011). Nos anos 1980, o Rio de Janeiro também teve seu time feminino, o Esporte Clube Radar.
Em escala global, a popularização culminou, em 1991, com a criação do Campeonato Mundial de Futebol Feminino. A CBF montou às pressas a primeira seleção nacional de futebol feminino. O Brasil, em 1999, ficou em terceiro lugar no Mundial. E participou dos Jogos Olímpicos de Atlanta, Sidney, Atenas e Pequim.
Mas essa institucionalização convive na prática com dimensões bastante incipientes. A profissionalização das meninas do futebol ainda é precária. A despeito do sucesso mundial das atacantes Marta e Cristiane e de algumas outras - ícones que têm recebido atenção do noticiário e incentivado milhares de meninas -, é nítido que ainda falta fortalecer essa prática esportiva pelas mulheres.
O futebol feminino tem todo o apoio do governo brasileiro, por meio tanto da Secretaria de Políticas para as mulheres da Presidência da República, quanto dos ministérios do Esporte e da Educação - aliás, SPM e a pasta do Esporte realizam, em 3 e 4 de julho, o Seminário Nacional mulheres, Esporte e Lazer e Políticas Públicas. Esses órgãos empenham-se na elaboração e fortalecimento de políticas públicas que, em conjunto com pulsões saudáveis e lúdicos da sociedade, permitam que o futebol seja de fato o grande campo simbólico no qual a alma brasileira se livre das travas patriarcais para vibrar numa imensa "ola" de cidadania plena.
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República