Carta de Brasília — "Pessoas com Deficiência na Luta por Equidade"
A Carta de Brasília "Pessoas com Deficiência na Luta por Equidade" é um manifesto político da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (5ª CNDPD). Com o objetivo de efetivar os direitos das pessoas com deficiência e superar práticas capacitistas, o documento apresenta uma síntese das propostas aprovadas pelos delegados e pelas delegadas durante o evento.
A quinta edição da Conferência Nacional ocorreu, após um intervalo de oito anos, no mês de julho, em Brasília, mobilizando mais de 1.600 participantes, incluindo gestores públicos e representantes da sociedade civil.
O documento está disponível também em linguagem simples e em Libras
Acesse a Carta de Brasília no site da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Carta de Brasília — Texto completo
Carta de Brasília Pessoas com Deficiência na Luta por Equidade
Nós, delegadas e delegados da 5ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, organizada com o tema "O cenário atual e futuro na implementação dos direitos da pessoa com deficiência: construindo um Brasil mais inclusivo", realizada em Brasília/DF, entre os dias 14 a 17 de julho de 2024, aprovamos e anunciamos a seguinte Carta de Brasília - Pessoas com deficiência na luta por equidade.
TOMANDO POR BASE
A Constituição Federal de 1988, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, promulgados pelo Decreto n º 6.949, de 25 de agosto de 2009, como Emenda Constitucional; assim como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015; e os demais instrumentos do ordenamento jurídico-normativo estabelecido no Brasil para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência.
RECONHECEMOS
A luta das pessoas com deficiência e militantes da agenda no Brasil e no mundo que nos antecederam e os avanços proporcionados pelas experiências das Conferências nacionais anteriores.
A importância da retomada da experiência democrática das Conferências, após a interrupção autoritária e capacitista, com a realização da 5ª Conferência Nacional, precedida pela realização de 504 conferências municipais, fóruns e conferências regionais, Conferência Livre de Acessibilidade Cultural e por 27 conferências realizadas em todos os estados da federação e no Distrito Federal.
Os enormes esforços das delegações estaduais para participarem da 5ª Conferência Nacional, especialmente a do Rio Grande do Sul, em virtude dos impactos das enchentes.
Que esta Conferência acontece porque os participantes têm em mais alto valor a importância da participação popular e da Democracia para a construção e implementação das políticas públicas e porque têm a consciência da urgência da efetivação dos direitos para a eliminação das práticas discriminatórias, capacitistas, duramente vivenciadas ao longo da história.
A necessidade de aprofundar o diálogo e a construção de políticas públicas abrangentes sobre a inclusão digital das pessoas com deficiência, visando garantir o acesso pleno a direitos e oportunidades, especialmente relevante em um mundo cada vez mais conectado e digitalizado.
Que, apesar dos avanços normativos e institucionais, as pessoas com deficiência seguem encontrando expressivas barreiras no acesso à cidadania e às políticas e serviços públicos e privados, assim como, na vida social e profissional, enfrentando sempre os piores indicadores socioeconômicos, como revelado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD/Contínua 2023, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Que as pessoas com deficiência seguem vítimas de violências e graves violações de direitos humanos, como demonstrado pelo Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2024, tendo como exemplo o caso da Senhora Sônia Maria de Jesus, mulher negra surda bilateral, mantida analfabeta em Libras, em português e em qualquer idioma reconhecido, e resgatada de condição análoga à escravidão em ambiente doméstico.
Que o capacitismo estrutural é a opressão e discriminação às pessoas com deficiência, que hierarquiza os sujeitos em relação aos seus corpos, a partir de um ideal de beleza e funcionalidade.
Que em decorrência da interseccionalidade de marcadores sociais (de raça/cor/etnia, gênero, geracional, renda, lugar de moradia e natureza da deficiência) certos grupos de pessoas com deficiência são mais expostos e penalizados por violações de direitos.
Que sistemas econômicos, políticos e sociais predatórios e autoritários estimulam guerras, crimes ambientais, violência urbana e rural, acidentes de trabalho, desnutrição e fome, também seguem gerando deficiências, especialmente na juventude negra, nas comunidades indígenas e entre os grupos mais empobrecidos.
Que ainda restam muitas lacunas para a efetivação de direitos, especialmente entre as pessoas, grupos e movimentos sobre os quais recaem a sobrecarga da interseccionalidade desses marcadores sociais.
A importância da transversalidade e da intersetorialidade como conquistas das políticas de direitos humanos e os avanços proporcionados pelos planos intersetoriais de direitos das pessoas com deficiência em nosso país.
Que ainda temos um longo caminho para assegurarmos a continuidade, alcance e recursos, assim como, a formulação e implementação dos planos municipais, estaduais e regionais de direitos das pessoas com deficiência.
LUTAMOS POR
Aprimorar o controle social assegurando o protagonismo das pessoas com deficiência, com ampla participação na definição de políticas públicas e acessibilidade nos demais conselhos de direitos e todos os instrumentos de participação social.
Instituir um Fundo nacional e interfederativo de promoção dos direitos da pessoa com deficiência.
Promover a ampliação da representatividade do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Conade, para que contemple a diversidade territorial e de movimentos sociais.
Ampliar as políticas afirmativas, tais como reserva de vagas para pessoas com deficiência para os processos eleitorais, aumento do percentual de reserva de cargos nos concursos públicos e instituição de reserva em cargos de confiança, bolsas de estudos, entre outros.
Qualificar a participação social na formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas, como prevê a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.
Instituir um sistema unificado de avaliação biopsicossocial da deficiência. É imperativo que essa avaliação seja realizada por equipes multiprofissionais da saúde, assistência social e educação, devidamente qualificadas, com um aumento substancial dos locais de avaliação e a redução do prazo de atendimento.
Integrar os dados do Cadastro Único da Pessoa com Deficiência aos demais sistemas de informação e gestão para acesso de todas as políticas públicas.
Promover programas de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho de forma digna, com equidade salarial e de benefícios, através de normativas e campanhas de conscientização e formação do empregador e demais profissionais, garantindo a inserção, permanência, oportunidade de desenvolvimento profissional, equiparação salarial das pessoas com deficiência e maior fiscalização do cumprimento da Lei de Cotas.
Estabelecer programas continuados de formação social e profissional de todas as áreas para o atendimento qualificado das pessoas com deficiência, considerando todo o ciclo de vida e a interseccionalidade de outros marcadores sociais para a efetividade das políticas públicas, desde os anos iniciais de vida, promovendo ações afirmativas e fornecendo materiais informativos de combate ao capacitismo.
Confirmar a comunicação universal como direito básico, regulamentando os meios de comunicação alternativa e promovendo políticas e programas de acesso às tecnologias assistivas da informação e da comunicação, para todas as especificidades, incluindo a mediação de pessoas com deficiência intelectual e múltipla.
Promover políticas públicas de fomento à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias assistivas nacionais, incluindo medidas para assegurar a acessibilidade digital em todas as esferas de serviços públicos e privados, por meio da regulamentação, com urgência, dos Artigos 74 e 75 da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), oferecendo também financiamento de crédito com baixo custo para que a pessoa com deficiência possa adquirir equipamentos e materiais de tecnologia assistiva, incluindo a qualificação voltada para o uso das mesmas.
Realizar mobilização popular para enfrentamento ao capacitismo, inclusive através da rede pública em todos os âmbitos, para que o tema seja de amplo conhecimento, informando que é crime e precisa ser denunciado e combatido.
Priorizar a proteção das pessoas com deficiência, particularmente àquelas que vivem em territórios vulneráveis, estão em situações de risco, calamidade ou de emergência humanitária.
Fortalecer o arranjo federativo para que se articule colaborativamente os esforços e recursos de todos os entes federativos - União, estados e municípios, seus poderes, órgãos constituídos e agentes públicos, destacadamente o Presidente da República, Governadores e Prefeitos - para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência.
Acessibilidade cultural e estética, garantindo a participação das pessoas com deficiência como especialistas na cadeia produtiva cultural, com fomento para ações culturais propostas por estes profissionais.
ESTAMOS COMPROMETIDOS EM
Difundir amplamente esta Carta de Brasília, com foco em especial na sensibilização e mobilização da população em geral, dos poderes públicos de todos os entes federativos, organizações da sociedade civil, setor privado, conselhos de direitos, entidades de classe, associações e instituições de cuidado, escolas públicas e privadas, lideranças políticas. Nosso compromisso inclui a promoção desta Carta em contextos eleitorais, assegurando que os princípios e diretrizes aqui estabelecidos sejam integrados nas agendas políticas e se tornem parte essencial das discussões sobre políticas públicas inclusivas e direitos das pessoas com deficiência.
Mobilizar para que as resoluções da 5ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência sirvam como diretrizes para melhoria das condições de vida da população com deficiência em todo o Brasil.
Fazer a defesa intransigente das conquistas sociais, em defesa da Lei de Cotas, contra toda forma de segregação, contra o trabalho análogo ao trabalho escravo, contra a internação compulsória, a qualquer ataque aos direitos civis, políticos, inclusive sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência.
Avançar por uma política nacional de cuidados, que reconheça os direitos e protagonismo de todas as pessoas, tendo a ética do cuidado como diretriz.
Promover a criação e o fortalecimento dos conselhos e dos fundos de direitos das pessoas com deficiência em todos os entes da federação.
É necessário esperançar por um Brasil acessível e inclusivo, sem deixar ninguém para trás.
É com a participação social de todas as pessoas, com e sem deficiência, que a vida há de melhorar! Acreditamos também que a garantia dos direitos da pessoa com deficiência não poderá mais ser cerceada. Somos feitos de lutas!