Sobre Direitos Humanos e Empresas
A agenda “Direitos Humanos e Empresas” passa a existir a partir do avanço na compreensão sobre as relações entre atividades empresariais e a proteção ou violação a direitos humanos advindos dessas atividades.
O marco histórico desta agenda se dá com o discurso do ex-presidente chileno Salvador Allende, em 1972, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Sua fala colocou em evidência as empresas como novos “entes” presentes no sistema internacional, com capacidade de incidir sobre as estruturas políticas e econômicas dos Estados, sem que existam instrumentos adequados para sua regulação.
A partir da década de 1970 surgem, portanto, iniciativas internacionais em resposta ao diagnóstico de impunidade sistêmica da qual desfrutariam as empresas, como a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT e as Diretrizes para Empresas Multinacionais da OCDE.
Na década de 1990, o Conselho de Direitos Humanos da ONU cria um grupo para analisar os métodos de trabalho e atividades das empresas transnacionais e apresentar um documento normativo como resultado final. Este seria conhecido como as Normas sobre Responsabilidades das Empresas Transnacionais e Outros Negócios com Relação a Direitos Humanos, apresentado no início dos anos 2000, e que não obteve aceitação por parte do Conselho de Direitos Humanos.
Em 2011, o professor John Ruggie, nomeado como Representante Especial pelo então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, elabora e apresenta os chamados Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. O documento dispõe sobre diretrizes voluntárias a Estados e empresas para com a "proteção, respeito e remediação" ligados às atividades empresariais e direitos humanos.
Mas o debate sobre a insuficiência deste documento em relação às demandas de regulamentação da sistêmica violação de direitos humanos por parte das empresas transnacionais resulta na aprovação da resolução 26/9 do Conselho de Direitos Humanos, em 2014, dando início à negociação de um Tratado Internacional sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos, no âmbito das Nações Unidas, que ainda segue até os dias de hoje.
No Brasil, a agenda de Direitos Humanos e Empresas destaca-se pelo lançamento da Campanha pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pelo Fim da Impunidade, em 2012, durante a Cúpula dos Povos, evento que ocorreu durante a Conferência Internacional Rio +20. Dois anos depois, em 2014, é criado o GT Corporações, uma rede de instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e sindicais, como espaço de diálogo sobre a agenda e proposição de estratégias de incidência sobre a mesma. Por fim, destaca-se a contribuição do Conselho Nacional de Direitos Humanos, com sua Resolução 5/2020, que dispõe sobre Diretrizes Nacionais para uma Política Pública sobre Direitos Humanos e Empresas.
É notório que em nosso país, assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça são valores supremos de nossa Constituição Federal.
Ainda assim, estudos do Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos (CIEDH), de 2020, apontaram que o Brasil é um dos países latino-americanos com o maior número de ações judiciais relacionadas a casos de violações de direitos humanos por empresas. E ainda que estejamos falando de violações ligadas às múltiplas dimensões de direitos humanos, sabemos que esta realidade é mais violenta com grupos em situação de maior vulnerabilidade, como povos indígenas e comunidades tradicionais, população negra e periférica, crianças e idosos, mulheres, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Direitos como acesso à água, meio ambiente saudável e condições de saúde, direito à terra e casos de uso de violência, ameaças e assassinatos contra pessoas defensoras dos direitos humanos, falta de condições dignas de trabalho, e situações de trabalho forçado ou escravidão contemporânea compõem um cenário específico da situação em nosso país.
Entendemos que a missão da Coordenação-Geral de Direitos Humanos e Empresas, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, passa por retomar o aprofundamento crítico na compreensão desta agenda.
Nesse sentido, entendemos que qualquer agenda de Direitos Humanos e Empresas deve ser assegurada por princípios que se orientem, em primeiro lugar, pelo protagonismo e perspectiva das pessoas detentoras de direitos e grupos de pessoas vítimas, ou vítimas em potencial, de ameaças e violações a seus direitos humanos pelas empresas.