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DISCURSO
Discurso do ministro Silvio Almeida durante lançamento do Plano Ruas Visíveis, em 11 de dezembro de 2023
Senhoras e senhores,
Não é exagero dizer que hoje vivemos um momento histórico. Um raro momento em que as lutas sociais, as promessas e a efetividade prática dos direitos humanos se encontram.
Há 75 anos, as Nações do mundo, que refletiam diferentes matrizes culturais e históricas, promulgaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Depois de vivenciarem as atrocidades de duas grandes guerras - em especial a segunda guerra mundial - os povos decidiram desenhar um horizonte para o mundo; decidiram por projetar uma nova concepção de humanidade.
A declaração estabeleceu princípios que visavam ao estabelecimento de patamares jurídicos que garantissem a dignidade da pessoa humana em perspectiva universal.
A declaração então prevê os direitos individuais, econômicos, sociais e culturais, resultado da contribuição, vejam só, dos países da América Latina, que ali aportaram a experiência da negociação da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, adotada pela Organização dos Estados Americanos no mesmo ano, alguns meses antes.
A sentido da “universalidade” dos direitos ali consagrados ainda permanece em disputa e necessita de constante avaliação crítica. Ainda hoje precisamos, incessantemente, afirmar que a vida é um direito, que a liberdade é um direito, e que todos têm direito a desenvolver plenamente sua personalidade.
Hoje, o projeto civilizatório delineado pela Declaração está sob ataque. Grupos se organizam politicamente para questionar a validade de premissas que acreditávamos ser um consenso, com o propósito de defender valores que muitos acreditavam compartilhar desde o fim da Segunda Guerra Mundial e a descolonização tardia de boa parte do mundo.
O fato de termos pessoas em situação de rua, nessa quadra da história e em números absolutamente constrangedores em nosso país, com o histórico que nós temos, com as agendas que disputamos no cenário geopolítico, só demonstra, Presidente Lula, que o nosso projeto de humanidade e de democracia ainda se encontra em um estágio de disputa muito endurecido e muito desafiador para os que têm real compromisso com a agenda dos direitos humanos.
Amigas e amigos,
O projeto encarnado na Declaração Universal ainda está em construção e longe de sua realização. Temos hoje, ministra Nísia, mais de 221 mil pessoas em situação de rua. Isso significa que uma pessoa a cada mil habitantes desse país precisa fazer das ruas seu lugar de sobrevivência. São pessoas, inclusive crianças, que vivem na pobreza extrema, submetidas à intensa vulnerabilidade, expostas a todo tipo de violência.
É por esse motivo que, na semana em que celebramos os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançamos o Plano de Ação e Monitoramento para Efetivação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, o Plano Nacional Ruas Visíveis: pelo direito ao futuro da população em situação de rua. O plano demostra o compromisso do governo federal, o compromisso do Brasil, sob a sua liderança, presidente, de transformar as promessas que estão na declaração em realidade.
A Declaração Universal, sendo horizonte de futuro, é sonho, é plano, projeto, é vir-a-ser. O plano que lançamos é fruto de décadas de luta e de sonho da sociedade civil e dos movimentos sociais. É a retomada, é a atualização da Política Nacional para a População em Situação de Rua, criada em 2009, de forma participativa.
E, aqui, reitero minha saudação, respeito e reconhecimento às organizações da sociedade civil e movimentos sociais, que estão em síntese no Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua, o Ciamp-Rua, na pessoa do companheiro Anderson Lopes de Miranda. Quero dizer que este Plano é de vocês, é por vocês, trabalhadores e trabalhadoras, brasileiros e brasileiras, e que merecem todo o nosso respeito.
O plano conta com a contribuições da advocacia popular, do Ministério Público e das defensorias públicas, Ministro Flávio Dino. Igualmente tivemos a importante colaboração do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, representado pela companheira Marina Dermmam. O plano também é fruto da convergência de decisões do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, e aqui reitero o papel imprescindível do Supremo Tribunal Federal, aqui representado pelo Ministro Alexandre de Moraes, ao proferir uma decisão diretiva das responsabilidades dos entes federativos na construção de políticas intersetoriais e interinstitucionais que nos desafiam a oferecer os direitos devidos às pessoas em situação de rua. O plano é produto do trabalho de doze (repito: doze!) ministérios e de cinco outros órgãos do governo federal e de suas redes de serviços públicos, ministro Wellington Dias. Esse Plano, presidente, é resultado do governo que o senhor lidera. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem a honra de coordenar o Plano, mas ele não sairia sem a ajuda de todos os seus ministros.
O plano decorre da articulação com Estados e Municípios. O plano é o reflexo do esforço das trabalhadoras e trabalhadores do O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e dos órgãos parceiros, a quem agradeço infinitamente, em nome da secretária-executiva do Ministério. O plano é constituído por um conjunto significativo de 99 ações com um orçamento inicial de quase um bilhão de reais. São ações sobre assistência social, segurança alimentar, saúde, violência institucional, cidadania, educação, cultura, habitação, trabalho e renda.
Presidente Lula,
Para a formulação de um plano como esse e para o acompanhamento dos resultados das ações, precisamos saber quem são e o que precisam as pessoas que estão hoje em situação de rua. Por isso hoje temos a satisfação de entregar também para a sociedade brasileira, o Observatório Nacional de Direitos Humanos, plataforma de acesso público com mais de 250 indicadores sobre pessoas em situação de rua, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+, pessoas idosas, crianças e adolescentes, entre outros temas, desenvolvido em parceria com universidades e sociedade civil. Com o apoio da Itaipu Binacional, é o maior conjunto de indicadores sobre esse grupo de temas disponível no Brasil, em linguagem simples e acessível.
A população em situação de rua quase dobrou entre 2018 e julho de 2023, e está presente em 42% do total de municípios do país, principalmente nos maiores grandes centros urbanos. 68% das pessoas em situação de rua são negras, 88% são homens e 14% possuem algum tipo de deficiência. A cada 100 pessoas vivendo em situação de rua no país, cinco são estrangeiras. Sabemos hoje que as mulheres, apesar de representarem 13% do total de pessoas vivendo nas ruas, foram vítimas de 40% dos casos de violência notificados em 2022.
Então, percebemos que é um grupo heterogêneo de pessoas, que estão em situação de rua por motivos diversos, como rompimento de vínculos familiares ou comunitários, desemprego, perda da moradia, e uso abusivo de álcool e outras drogas. Ou seja, companheiras e companheiros: esse grupo precisa ser compreendido em sua diversidade para que as ações a ele direcionadas sejam efetivas e não contribuam para perpetuar exclusões e violências.
Das 99 entregas eu quero destacar a da Moradia Cidadã, que foi desenhado com base na metodologia internacional, repito internacional, do Moradia Primeiro (housing first), que iremos, sim, pela primeira vez, começar a implementar no Brasil como modelo nacional O modelo é o de acesso imediato à moradia de forma individualizada, segura e integrada à comunidade, sustentado por políticas públicas de apoio interdisciplinar e de promoção da convivência comunitária.
O Plano está em sintonia, Ministro Jader, com programas estratégicos do Governo Federal, como o Minha Casa, Minha Vida e o Plano Brasil Sem Fome. E o plano como eu tenho afirmado é um início ou um recomeço do que o Presidente Lula começou anos atrás quando a política foi editada e que seguirá em atualização, em debate com os parceiros e com a sociedade civil e os movimentos das pessoas em situação de rua, até porque tivemos a aprovação recente da Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua, fruto do trabalho e do compromisso da nossa querida Deputada Erika Hilton. A Lei é consequência dessa luta incansável.
No Brasil e no mundo, o crescimento das desigualdades levou ao crescimento da população em situação de rua. Ao se tornarem um pouco mais visíveis, aqueles que se recusam a encarar de frente a injustiça presente em nosso país intencionalmente passaram a investir naquilo que chamamos de “arquitetura hostil”, que é a criação de obstáculos físicos. Por isso, todo o meu respeito e saudação ao amigo Padre Júlio Lancellotti, esse incansável lutador dos direitos humanos, esse amigo, esse homem santo.
Quero finalizar meu pronunciamento falando da rua. A rua é o lugar dos caminhos e do poder das encruzilhadas. A encruzilhada, amigos e amigas, é o conflito, é a boca que tudo recria, e é também a oportunidade. Nos termos de outra tradição, à qual também me filio, a encruzilhada é a dialética da vida. A encruzilhada é o lugar dos povos subalternos e marginalizados e a possibilidade de reinvenção desses mesmos povos na sua potência criadora. Hoje, celebramos essa encruzilhada, porque ao mesmo tempo em que queremos superar a situação de rua, queremos exaltar as pessoas em situação de rua: sua luta, sua potência, sua força, sua capacidade criativa e sua resistência.
Que, ao recordarmos os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao exaltar a luta e os sonhos do povo da rua, teçamos, companheiras e companheiros, este novo amanhã, um amanhã que começa hoje.
Muito obrigado.