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Em oitivas no MS, Direitos Humanos ouve relatos de preconceito e violência contra indígenas LGBTQIA+
Registros de preconceito, violência e dor foram compartilhados em rodas de conversa e oficinas de escuta com indígenas LGBTQIA+ e lideranças das aldeias (Fotos: Tati Nahuz - Ascom/MDHC)
Mulher cisgênero, indígena e bissexual. Desde cedo, Klara Benites, 30 anos, sofreu preconceito por ser LGBTQIA+. As primeiros reações a sua orientação sexual ocorreram na igreja da escola em que foi alfabetizada. “Com eles, adquiri coisas boas como o respeito e o amor ao próximo, mas também muita culpa e medo”, conta.
O olhar evangelizador da pastora pregava que Deus fez o homem e a mulher. E que qualquer outro tipo de relação seria errado. “Ela olhava pra mim e dizia que era pecado”, lembra. “Eu senti uma grande dúvida e muito receio de sofrer as consequências”, afirma Klara.
A descoberta da sexualidade ocorreu por meio de sonhos. “Eu sonhava com a minha ancestralidade, de como deveria viver como pessoa, e fui entendendo que não importa se você é uma pessoa heterossexual ou homossexual: se você for escolhido, é aquilo que você é. E você vai conquistando o respeito das pessoas”, relata a integrante do Coletivo Juventude Indígena Diversidade (Juind).
Foi para colher relatos como o de Klara Benides que uma comitiva formada por representantes da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), visitou seis aldeias indígenas Guarani-Kaiowá, em quatro municípios do Mato Grosso do Sul.Os registros de preconceito, violência e dor foram compartilhados em rodas de conversa e oficinas de escuta com indígenas LGBTQIA+ e lideranças das aldeias. As atividades aconteceram ao longo de cinco dias com a participação de, pelo menos, 400 pessoas, entre caciques, rezadeiras, jovens LGBTQIA+ e professores.
Direito à vida
Por se tratar de um tema novo nos territórios indígenas, o preconceito contra jovens LGBTQIA+ ainda é muito grande. Entre os casos relatados estão, inclusive, situações de suicídio. “A gente sofre violência psicológica com o preconceito e isso leva o LGBTQIA+ indígena a tirar a própria vida”, aponta o ativista e defensor da diversidade indígena, Gualoy-Kaiowa, da Tajassu Ygua, de Douradina (MS).
Em um dos casos, um jovem indígena, de 22 anos, se suicidou após a morte de um amigo indígena. Ambos eram homossexuais. “Ele ficou tão triste que não suportou”, conta.
Não por acaso, o relatório anual do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) sobre a violência contra os povos indígenas, revela que o número de casos de suicídios entre indígenas no Brasil passou de 115, em 2022, para 180, em 2023 – um aumento de 53%.
A maioria das vítimas são homens de 20 a 59 anos. O Amazonas lidera entre os estados com as maiores taxas, com 66 registros, seguido do Mato Grosso do Sul, com 37, e de Roraima, com 19.
Escuta ativa
Escutar. Esse talvez tenha sido um dos maiores desafios das oitivas, mas também o maior mérito dos encontros. “Foi muito doloroso, mas também houve momentos de muita emoção”, relata a secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, que liderou a comitiva.Segundo ela, as escutas foram feitas com muito cuidado e sensibilidade para permitir que os indígenas se sentissem seguros e acolhidos para compartilhar as violações que vivenciaram e a forma como lidaram com elas. O maior desafio, explica, era não ser invasivo. “Nós fomos dispostos a respeitar a ancestralidade e a dinâmica que cada comunidade vivencia”, comentou Symmy.
Para a secretária do MDHC, o estímulo à participação ativa dos povos indígenas na identificação de soluções e na construção de ações concretas para o enfrentamento da violência, fortalece a autonomia e o protagonismo da comunidade. “Quando nos propomos, enquanto Governo, a escutar mais do que determinar ou orientar, e transformar essa escuta em ação, isso nos torna muito potentes”, acredita.
Canais de denúncia
Durante a visita, também foram divulgados os canais de denúncia do MDHC, como o Disque 100, e promovidas ações de educação e conscientização sobre a prevenção e o combate à violência LGBTfóbica das comunidades Guarani Kaiowá para fortalecer estratégias de autoproteção, utilizando linguagem clara e acessível, e respeitando as especificidades culturais.
Desdobramentos
As oitivas integraram o programa Bem Viver+ de enfrentamento à violência e promoção de direitos humanos nos territórios do campo, das águas e das florestas e ocorreram como desdobramento do Encontro LGBTQIA+ Indígena Guarani Kaiowá, realizado em junho deste ano, na região.
As atividades contaram com apoio do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde e da Secretaria de Estado da Cidadania (SEC) do Mato Grosso do Sul (MS). O intuito da iniciativa é fortalecer a rede de proteção e promover ações conjuntas de enfretamento à violência contra pessoas LGBTQIA+ indígenas.
“Nosso objetivo é articular de maneira interinstitucional para que essas políticas sejam implementadas”, esclareceu o coordenador de Políticas LGBTQIA+ do Ministério dos Povos Indígenas, Niotxarú Pataxó. “Queremos dar mais segurança para que os indígenas LGBTQIA+ possam viver com mais tranquilidade”, ressaltou. A próxima etapa do projeto é transformar os depoimentos de vida em um diagnóstico detalhado sobre as violações de direitos contra pessoas LGBTQIA+ nos territórios indígenas.
As informações irão subsidiar a criação de políticas públicas e ações de enfrentamento, como a criação de um projeto de promoção de saúde mental voltado à prevenção de suicídio e com a participação de educadores locais e representantes das comunidades indígenas. “É histórico para nós”, comemorou Gualoy-Kaiowa. “A gente precisa dessa articulação e diálogo para que os Guarani-Kaiowá tenham uma rede de proteção”, defendeu o ativista.
O mesmo sentimento é compartilhado por Klara Benites, que segue firme e disposta a levantar a voz de gênero das mulheres e manter a tradição, levando a voz do povo Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul. A neta de líderes indígenas da Aldeia Porto Lindo, em Japorã (MS), quer dar continuidade a fala deles e levar adiante “as rezas e os conhecimentos” que eles colocam nela todos os dias através dos sonhos.
Saiba mais:
Encontro reúne indígenas LGBTQIA+ em evento piloto do Programa Bem Viver+
Texto: D.V.
Edição: B.N.
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