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ESCUTA ATIVA
Audiência pública em SP acolhe demandas da sociedade e inaugura nova fase para reformulação da política de proteção a defensores de direitos
Atividade integra a nova fase de participação social do Grupo de Trabalho Técnico (GTT) Sales Pimenta (Foto: Gustavo Gloria - Ascom/MDHC)
"Quem defende direitos humanos, hoje, tem medo. Se você abrir a boca, você pode ser o próximo a ser silenciado". As impactantes palavras da defensora de direitos humanos Ana Maria da Silva, que atua como agente na Pastoral do Povo da Rua, em São Paulo, deu o tom das demandas apresentadas por mais de 50 pessoas presentes na audiência pública “Cenário de violação e proteção de pessoas defensoras e comunicadoras em meio urbano", na quarta-feira (24), no auditório da Defensoria Pública da União (DPU), localizado na capital paulista.
Convocada pelo ministro Silvio Almeida, a atividade integra a nova fase de participação social do Grupo de Trabalho Técnico (GTT) Sales Pimenta, colegiado responsável por elaborar sugestões para a reformulação e fortalecimento da Política Nacional e do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). O grupo também tem a missão de institucionalizar um plano nacional por meio de envio de anteprojeto de lei à Câmara dos Deputados, movimento previsto para fim deste ano, após prorrogação de seis meses dos trabalhos do GTT.Políticas públicas vinculadas ao Ministério dos Diretos Humanos e da Cidadania (MDHC) e que chegam a 20 anos nesta década, as iniciativas enfrentam o desafio de efetivar a proteção de defensores de direitos. Para superar essa realidade, o colegiado avança em mais um passo no sentido de cumprir medidas de reparação proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em 2022, decisão que levou à condenação do Estado brasileiro em razão da impunidade no caso do advogado de trabalhadores rurais, Gabriel Sales Pimenta, assassinado no Pará (PA) há mais de 40 anos, e outra do Ministério Público Federal (MPF) que ajuizou uma ação civil pública, em janeiro de 2017, requisitando que a União elaborasse um Plano Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos.
Acolhimento
Com a presença de observadores nacionais e internacionais, advogados, jornalistas e representantes de movimentos sociais, a audiência conduzida pelo coordenador-geral do PPDDH, Igo Martini, foi dividida em três blocos, contemplando temas como segurança pública, direitos sociais e ambientais e comunicadores sociais.
Anfitriã do evento, a defensora pública federal Carolina Castelliano classificou a proteção a defensores de direitos humanos como pauta prioritária na defesa da Constituição Federal. “Esse tema é transversal a qualquer política pública que vise promover efetivas transformações sociais”, relacionou durante a abertura da audiência.
Compuseram a mesa de acolhimento às demandas da sociedade a advogada Andréia Silvério, pela Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) e integrante do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH); a juíza federal aposentada e observadora agrária no Ministério do Desenvolvimento Regional, Claudia Maria Dadico; e, pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Paulo César Carbonari, que representou 20 organizações da sociedade civil que compões o GTT, entre titulares e suplentes.
Em sua fala, Carborani contextualizou que a futura entrega ao governo e sociedade da proposta de um plano nacional de proteção a defensores de direitos humanos também é uma resposta à decisão da Justiça Federal da 4ª Região, que condenou o Brasil a produzir a política pública já prevista no decreto de criação da política nacional, mas que não foi implementado durante as últimas gestões federais.
“Nossa missão é transformar a política de proteção em um instrumento que garanta maior institucionalidade. A política é mais ampla e o programa (PPDDH) é a aplicação. Nossa tarefa é produzir essas duas ferramentas por meio do plano para institucionalizar a iniciativa pública através de um projeto de lei”, explicou ao comentar os desafios do GTT, que objetiva transformar as políticas em ações mais consistentes, permanentes e estruturantes.
Escuta qualificada
Entre propostas, contribuições e denúncias de violações de direitos apresentadas ao logo dos três blocos da audiência pública, os representantes de entidades da sociedade civil apresentaram a perspectiva de quem sofre com sistemas de opressão historicamente violentos.“A abordagem policial é o primeiro passo para enfrentar o encarceramento em massa e o genocídio contra a população negra”, enfatizou Anderson Moraes, do Jornal Empoderado, sobre o tema segurança pública, que ainda recebeu sugestões como a desmilitarização de agentes de segurança para promover os diretos humanos no país, além do uso de câmeras.
Os direitos das pessoas LGBTQIA+ também foram abordados para a construção da política pública sob o ponto de vista das comunidades terapêuticas que, de acordo com a sociedade, são utilizadas como centro violador de direitos para instituir suposta “cura gay”. “Obrigar uma pessoa a uma religião é tortura”, disse o representante da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Paulo Mariante.
Além disso, os defensores de direitos humanos sugeriram o fortalecimento das redes de proteção das próprias instituições públicas para uma atuação transversal na qual a comunicação entre os órgãos seja permanente. Ainda sobre segurança pública, o público afirmou que o uso da força para intimidação é uma das realidades que atingem defensores de direitos humanos. Nesse sentido, foram sugeridas assistência jurídica, psicológica e atendimento às famílias dos ativistas. “Existe uma população martirizada antes de chegar ao acesso à justiça”, apontou a advogada internacional Talita Camargo.
A agente pastoral Ana Maria reiterou que é preciso unir à agenda a questão educativa, com ênfase da inclusão dos direitos humanos no nível superior de atores do sistema de justiça, bem como reestruturação da força policial sob o ponto de vista da garantia de direitos.
Sobre direitos sociais e ambientais, os ativistas elencaram denúncias como roubo de dados tecnológicos de quem atua pela promoção do meio ambiente, citaram a islamofobia como uma realidade e chamaram atenção para enfrentamento ao discurso de ódio por meio de amplas campanhas massivas. “As palavras matam antes das armas”, sublinhou Marcia Brandão, professora e acadêmica ativista pelos direitos ambientais.
Vozes que ecoam
Os direitos das pessoas migrantes, encarceradas e em situação de rua, assim como trabalhadores ambulantes, foram apresentados como urgências a serem contempladas na política pública – assim como a atuação das empresas para prevenção, não violação e não repetição de violações sofridas pelos defensores nos territórios. Em paralelo, a relação entre instituições políticas em conluio com interesses imobiliários foram alvo de denúncias sobre os cenários de violações de direitos, evidenciando que pessoas periféricas e que moram em favela são as principais atingidas.
A criminalização das ocupações também foi abordada durante a audiência, com a sugestão de que os estados tenham escritórios locais do governo federal com missões frequentes a locais que negam direitos, por exemplo, nas favelas brasileiras. Do ponto de vista dos comunicadores sociais, foi sugerido ao GTT Sales Pimentas que os textos finais contemplem não apenas a atuação, mas a realidade do trabalho jornalístico que, muitas vezes, não prevê o mesmo tempo em relação a outras atividades.
Diante dos relatos de criminalização de pessoas defensoras de direitos humanos, os representantes de entidades sociais encaminharam ao GTT a importância de campanhas sobre educação em direitos humanos, a necessidade da proteção popular historicamente realizada pela sociedade civil e o enfrentamento ao assédio judicial.
Por fim, os ativistas sugeriram o acompanhamento e o monitoramento do plano por meio de um fórum da sociedade civil a fim de que o Estado brasileiro deixe de ser violador e passe a ser protetor dos defensores de direitos. Marcaram presença na audiência pública representantes de organizações como Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Artigo 19, o Instituto Vladimir Herzog, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a União dos Movimentos de Moradia (UMM), o Instituto Ethos, entre outros.
Pelo MDHC, também integrou o encontro o diretor de Defesa dos Direitos Humanos, Felipe Biasoli; integrantes do GTT Sales Pimentas; e representantes dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Igualdade Racial, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, do MPF e da DPU.
Futuras audiências
Ainda no âmbito do grupo de trabalho, mais duas audiências públicas serão realizadas em agosto. Em Brasília, no dia 7, com o tema "Interseccionalidade"; e em 29 de agosto com o tema "Cenário de violação e proteção de pessoas defensoras e comunicadoras vinculadas às questões de terra e território e comunidades tradicionais", no Pará.
A expectativa é de que o plano nacional seja estruturado a partir de quatro grandes eixos: proteção popular, institucionalidade protetiva, investigação e responsabilização de violadores de direitos; e medidas preventivas e reparadoras.
Histórico
Coordenado pelo MDHC e instituído em novembro de 2023, o GTT leva o nome de Gabriel Salles Pimenta como como forma de resgatar a memória e reconhecer a luta do defensor de direitos humanos assassinado em 1982. Salles Pimenta era advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá e foi morto aos 27 anos, em Marabá (PA). Ele buscou proteção do Estado, mas não foi atendido.
Texto: R.D.
Edição: B.N.
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