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DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
Silvio Almeida abre semestre letivo da UnB com aula sobre humanidade, luta por liberdades e exaltação ao pensamento crítico
Durante exposição de argumentos e declarações, ministro Silvio Almeida defende que "a ideia de humanidade é histórica e está em permanente construção" (Foto: Clarice Castro - Ascom/MDHC)
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, ministrou aula magna na Universidade de Brasília (UnB) na noite de segunda-feira (27) em que exaltou o exercício do pensamento crítico por meio da leitura, enalteceu o questionamento e apontou a liberdade como bem comum a ser alcançado pela humanidade. O gestor procurou desconstruir, no entanto, o conceito fraterno de humanidade que podemos perceber a partir da subjetividade individual e coletiva.
“Quando entrei na faculdade, eu era um menino pobre, negro que até encontrar professores que mudaram a minha vida, nada daquilo fazia sentido. Pois tudo parecia muito diferente daquilo que eu sentia diante do mundo”, iniciou Silvio Almeida em uma viagem temporal que remonta períodos históricos que vêm desde o século 16. Para o ministro, a mudança de chave aconteceu quando os mestres o colocaram em contato com o que “a ciência e a filosofia têm de mais bonito: a sua complexidade”.
“Sabe aquela coisa de você ler a mesma página duas ou três vezes e não entender absolutamente nada?”, indagou Almeida. “Esse é um sentimento que vocês devem cultivar. O exercício de aprender é fundamental na vida. É o exercício da pergunta, do questionamento”, indicou o ministro. “Não se trata da complexidade do texto, mas da vida”, arrematou.
Para calouros da Faculdade de Direito, ele surpreendeu ao dizer que a atividade da advocacia não irá resolver os grandes problemas da humanidade. “Nossos problemas são de outra ordem, de outra natureza. É preferível entender as conexões do Direito com a vida social, com a economia política. É nesse jogo de conexões que a coisa aparece para nós da maneira mais contundente”, sublinhou.
Capitalismo em crise
Em reflexão sobre o tempo, Almeida apontou que mundo atual está “em franca decomposição”. “Estamos vivendo um momento da sociabilidade em que todas as certezas que tínhamos - no século passado - já não se sustentam mais”, apontou. “Estamos vivendo a crise da crise. Se o neoliberalismo instaurou a crise, nós estamos vivendo a crise do neoliberalismo”, reiterou.
A conexão entre o curso de Direito, o Estado em crise e a emancipação dos direitos humanos fazem parte de um novelo que, na visão do ministro, precisa ser desenrolado por meio do conhecimento. Nesse sentido, Silvio Almeida questionou como se pode estabilizar a vida sob o mundo da mercadoria diante da violência da vida atual.
“Nossa vida se estrutura a partir de conflitos. E precisamos absorver os conflitos a partir das instituições do Direito e do Estado. Se trata, portanto, não de solucionar os conflitos, mas de torná-los estáveis e sob controle”, acrescentou.
Almeida exemplificou o ponto dizendo que, quando um processo jurídico se encerra, no saber acadêmico se diz que a paz social foi alcançada entre as partes. “Como posso estar em paz se eu perdi o processo? Não tem paz social nenhuma. Se você perde o processo, você fica com ódio”, brincou o gestor. “Não foi isso o que aconteceu. O que aconteceu é que o conflito foi encerrado. Dali para frente, só o Estado pode resolver o conflito”, ressaltou, confirmando que o processo jurídico mistura direito e política. “No fim das contas, estamos falando de uma sociedade atravessada por violência, antagonismos”, afirmou.
“O mundo sob o capitalismo determina que devemos nos relacionar a partir da impessoalidade. Aliás, eu nem preciso conhecer a pessoa se eu posso comprar algo pela internet. É por isso que existe a forma jurídica estatal, justamente para dar conta de um mundo no qual os interesses são absolutamente dispersos”, exemplificou.
Nesse raciocínio, Almeida apontou que a crise ocorre quando o ser humano não consegue dar conta de manter uma unidade em um mundo repleto de conflitos e contradições. O gestor apontou mecanismos externos, como a política e o direito, para dar conta desse contraditório. Entretanto, avançou, “os conflitos são históricos, ou seja, eles vão mudando de patamar. As formas que nós estabelecemos para regular os conflitos nem sempre vão funcionar”.
Direitos humanos para quem?
No auge da exposição, o ministro Silvio Almeida traçou paralelos históricos sobre o nascimento do que conhecemos como Humanidade. Contravertendo o que parece óbvio, o ministro destacou que “falar de direitos humanos é falar de humanidade. A humanidade é dada para nós como um conceito que está posto”, introduziu o ministro, colocando a oração em dúvida. Para desvendar a questão, o professor, escritor e filósofo sugeriu a leitura de pensadores universais.
Ao apontar o filósofo e psiquiatra Frantz Fanon, Silvio Almeida versou sobre a necessidade de se inventar, de se criar e de se descobrir uma nova humanidade para um novo tempo. A declaração se deu no sentido de apontar desigualdades de uma cultura organizada na força do ódio que impede acesso a que certas nações têm em relação às outras. A reflexão aponta separações sociais quando consideramos, por exemplo, o apagamento cultural a que países africanos e do Sul estão submetidos – ao passo que o eurocentrismo dita as regras da humanidade.
“É preciso reinventar a humanidade. Se queremos corresponder à expectativa de nossos povos, temos que procurar em outra parte, não na Europa”, ressaltou o ministro ao citar Fanon. “O que significa colocar de pé uma nova humanidade? É pensá-la como algo histórico, algo que é normativo. Até porque a ideia de humanidade é algo bem recente, que começa a nascer no século 16, quando o homem começa a se expandir”, defendeu Almeida ao citar Michel Foucault.
Para o ministro, não é à toa que as revoluções liberais ocorridas até o século 18 marcaram o período no qual foi gestada a ideia de Estado. “Não sei se é coincidência, mas nesses três séculos (16 a 18) nasce a ideia de raça como nós conhecemos. É quando nasce o que conhecemos hoje como sociedade contemporânea”, provoca o gestor. “As revoluções liberais, portanto, abriram caminhos para que pensássemos o que é a humanidade”, disse.
Ao também citar os filósofos franceses e brasileiros Jean-Paul Sartre e Ailton Krenak, respectivamente, Almeida ressaltou que “os chamados direitos humanos correspondem a um certo ideário que está relacionado justamente a uma transformação histórica que deve ser entendida como resultado das transformações socioeconômicas que vão atingir todo o restante do mundo”, declarou.
Libertação humanitária
Durante a aula, o ministro defendeu que a forma como se consolidou o ser humano no século 19 está intimamente ligada aos sistemas de opressão representados, por exemplo, pelos processos de exploração. “Portanto, ser humano é ser capaz de estar no circuito da troca mercantil, é ser proprietário”, pontuou. Levantando a possibilidade de alguém não concordar com a frase, o ministro sugeriu o período escravocrata como ponto de reflexão.
“No nosso país, o século 19 é o século da escravidão. Notem que o escravizado é criado, formado e forjado nas condições jurídicas que são derivadas da sociabilidade econômica, ou do modo de produção que o mundo força justamente no período a que chamamos ‘modernidade’. Vejam: ser escravizado significa que você não é um sujeito de direito. Você não possui autonomia da vontade. O que quer dizer que você não pode ser proprietário nem de si mesmo”, descortinou o gestor.
Silvio Almeida remonta que a escravidão que o Brasil viveu até 1888 pode ser classificada com uma escravidão jurídica. “As faculdades de direito do século 19 ensinavam contratos que tinham por objeto de direito pessoas escravizadas – que, aliás, não eram pessoas, e isto é importante dizer”, frisou. “Eram 'bens semoventes'". Hoje, o termo é associado a animas selvagens, domesticados ou domésticos.
É assim que o ministro chega a interrelacionar o tema proposto. Se de um lado, “ser humano é ter a possibilidade de se conectar ao mercado”, de outro “há uma necessidade de renovar o Estado brasileiro na relação com o mundo e a sociedade brasileira”, e enalteceu a história da UnB lembrando do ex-ministro da Educação Darcy Ribeiro como referência nacional.
Ao fechar todo o raciocínio, o ministro Silvio Almeida apontou o entrelaçamento entre os temas "cultura e educação em direitos humanos" aos interesses econômicos da sociedade. "O racismo é o papel ideológico central para se entender os processos de crise. Essas crises apontam quem deve ou não ser escolhido como parte da humanidade. É disso que trata o colonialismo", ressaltou.
“Além de afirmar o que são direitos humanos, nós precisamos protegê-los”, apontou o ministro em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completará 75 anos em dezembro de 2023. “O mundo que eu quero viver é aquele em que não seja necessário afirmar os direitos humanos. Se é necessário reafirmar os direitos humanos, é porque não se construiu a ideia de humanidade”, declarou Silvio Almeida ao ser aplaudido pela plateia repleta de alunos, professores, acadêmicos e autoridades.
Texto: R.D.
Edição: P.V.
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