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DIA DA TRABALHADORA DOMÉSTICA
Relatos de exploração e abuso trazem à tona realidade do trabalho escravo doméstico durante seminário no MDHC
O relato da ex-trabalhadora doméstica Thawanna Mendes emocionou a todas as pessoas presentes no seminário (Imagens: Reprodução e Fotos de Clarice Castro - Ascom/MDHC)
Situações de exploração de mulheres durante o trabalho doméstico e relatos emocionados de quem sentiu na pele a dor e o sofrimento do abuso e do cometimento de crimes foram expostos, na última quinta-feira (27), durante seminário realizado na sede do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Organizado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH), o seminário “O Brasil na Luta contra o Trabalho Escravo Doméstico” foi mais uma oportunidade para a divulgação da campanha “Disque 100 como Ferramenta de Combate ao Trabalho Escravo Doméstico”.
A plataforma foi lançada pela SNDH e pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) como uma ferramenta de denúncias e um espaço para que trabalhadoras domésticas em situação de vulnerabilidade e isolamento em todo o país possam denunciar situações de abusos, regimes de trabalho exaustivo e situações análogas à escravidão, entre outras situações que possam colocar em risco a vida e a integridade física dessas trabalhadoras.
O relato da ex-trabalhadora doméstica Thawanna Mendes, durante o painel "Resgate da Minha Vida: diálogo de luta e resistência", trouxe emoção aos participantes do seminário. “Minha história pode ser confundida com tantas outras. Eu era periférica e tive a oportunidade de trabalhar na casa de uma família. Ainda é muito difícil relatar minha situação. Desde os 12 anos, estava lá sem direito a nada. Fazia tudo e não tinha acesso à minha vida pessoal. Sem dias de descanso e sem nenhum benefício. Tive trombose nas duas pernas e, mesmo assim, realizava as tarefas com os membros inchados e doloridos”, recordou.
Thawanna Mendes conta que, durante a pandemia, contraiu covid-19 e, com medo da retaliação dos patrões, ficou calada. Até que foi internada com dores constantes e, durante o tratamento, uma médica entrou em contato com o Ministério Público do Trabalho de São Paulo, momento em que foi possível ingressar com uma ação judicial contra os exploradores. “Tive muito medo da denúncia porque, na época, aquela família era o único bem que eu tinha e não parecia que isso estava acontecendo comigo”, desabafa. “Sou grata a todos que me ajudaram nesse processo doloroso. Depois do meu resgate, comecei a ler e escrever um pouco da minha história. Hoje vivo com minha família, que me apoia, e me sinto segura nos braços de quem realmente me ama. Vou olhar para frente, ainda é difícil, mas tenho fé de que vou conseguir", relatou, emocionada.
“É como se fosse da família”
Após ouvir os relatos, a expositora Marina Sampaio, representante do Ministério do Trabalho e auditora fiscal do trabalho, pediu desculpas em nome do Estado brasileiro pelas mazelas ocorridas na vida de Thawanna. “O Brasil ainda está atrasado, e espero que possamos trabalhar para que cenas como essas não ocorram e que possamos proporcionar uma dignidade mínima para esta parcela importante da população”, salientou.
Durante o painel "Trabalho Escravo Doméstico: dimensões do conceito na perspectiva da transversalidade de gênero, raça e trabalho infantil", Sampaio expôs um panorama sobre a oportunidade de pensar em políticas públicas acessíveis a trabalhadoras em situações como essa. "Temos uma herança escravocrata, e é um ponto de vulnerabilidade e desvantagem socioeconômica que nos afasta de um reconhecimento digno para que essas pessoas tenham uma vida social agradável. Essa relação nefasta de 'como se fosse da família' é recorrente para justificar uma prática delituosa enraizada em uma cultura preconceituosa e frequentemente não encontra amparo na realidade fática", destacou.
Atualmente secretária de assuntos jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, a ex-trabalhadora doméstica Valdirene Boaventura ressaltou a importância dos discursos anteriores. "Tudo o que foi dito aqui só reforça a necessidade de buscar outras ações proativas para debatermos o tema. Eu me identifico com a história da Thawanna: aos 12 anos fui estuprada pelo meu ex-patrão e, quando relatei o ocorrido à minha família, fui espancada e devolvida à casa da minha mãe. Ninguém acreditou em mim, mas acabei sendo resgatada por uma vizinha. Na época, eu trabalhava em troca de comida e moradia", revela. Atualmente, Valdirene Boaventura dedica-se à realização e monitoramento de campanhas institucionais de prevenção de casos como esses na Bahia. “Nós trabalhamos na conscientização das mulheres, incentivando-as a denunciar seus casos e a buscar seus direitos”, incentiva.
Estratégias de combate e atuação pós-resgate
Com esse objetivo em mente, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo criou o Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo. A secretária-executiva da Conatrae, Andreia Minduca, que coordena a estratégia, destacou que o fluxo leva em conta uma articulação interinstitucional e transversal para orientar a atuação dos diferentes entes federativos. “A visibilidade e a promoção das denúncias tornam essas questões mais conhecidas e ajudam na promoção de atendimento especializado e sistematizado às vítimas por meio de uma rede de proteção que envolve instituições do Poder Executivo federal e outros órgãos parceiros na prevenção desse crime”, explicou, durante o painel “Estou sendo vítima? Pontos de Alerta”.
Ainda durante o seminário, Fabiane Macedo, assistente social e coordenadora-geral da Alta Complexidade do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), trouxe as medidas necessárias a serem tomadas antes da denúncia para a preservação da identidade e da segurança no acolhimento às vítimas. E afirmou que o acompanhamento familiar e do Estado podem andar juntos. “É necessário considerar a temporalidade para que as pessoas se conscientizem e que o fortalecimento dos vínculos familiares também seja importante na reconstrução das vidas. Temos que ter em mente que o acolhimento não é a primeira opção. E a temporalidade também é necessária para que as pessoas se conscientizem para que os fortalecimentos de vínculos familiares também sejam importantes na reconstrução das vidas”, finalizou.
Como denunciar
O Disque 100 pode ser acionado por meio de ligação gratuita, WhatsApp, Telegram, site e aplicativo Direitos Humanos Brasil. Acesse mais informações sobre o atendimento .
Campanha
Durante o seminário, a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos e a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) divulgaram a campanha “Disque 100 como Ferramenta de Combate ao Trabalho Escravo Doméstico”. Com isso, o Disque 100 também será um espaço para que trabalhadoras domésticas em situação de vulnerabilidade e isolamento em todo o país possam denunciar situações de abusos, regimes de trabalho exaustivo e situações análogas à de escravo, entre outras situações que possam colocar em risco a vida e a integridade física dessas trabalhadoras.
Durante a mesa de abertura, o ministro Silvio Almeida chamou a atenção para a situação do trabalho doméstico no cenário atual, feito principalmente por mulheres negras e muitas vezes em condições de precarização.
Titular da SNDH e coordenadora da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), a secretária Isadora Brandão enfatizou que a maioria das vítimas do trabalho escravo doméstico é composta por mulheres negras, empobrecidas e muitas vezes sem acesso a canais de denúncias e sem conhecimento de seus direitos. Nesse sentido, ela enfatizou a importância da Conatrae e do Disque 100 para o enfrentamento ao trabalho escravo no país.
Assista ao seminário na íntegra
Texto : M.V.L.
Edição : P.V.C.
Revisão : A.O.
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