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NOTA PÚBLICA
Posição do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sobre a Resolução do CONANDA votada hoje (17)
A Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que está em pauta para votação hoje (17), tem como objetivo estabelecer diretrizes e parâmetros de atendimento para as questões de gênero no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e para a garantia de direitos de adolescentes privadas de liberdade. Para fins do ato normativo resolutivo, considera-se adolescente privada de liberdade “a pessoa com identidade de gênero feminina que tenham entre , assim como excepcionalmente entre , conforme o art. 2º, parágrafo único da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que estejam cumprindo medidas socioeducativas de internação e de semiliberdade, assim como a medida cautelar de internação provisória”.
No âmbito socioeducativo, para fins de execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, há que se considerar a redação do caput dos artigos 20, 21 e 23 da norma resolutiva em questão:
Art. 20. É vedada qualquer forma de castigo ou punição de qualquer natureza para as adolescentes, independentemente de sua orientação sexual ou de gênero, quando da expressão de afeto, incluindo abraços, beijos, apertos de mãos, trocas de bilhetes e cartas, entre outros, como forma de instauração de procedimento disciplinar ou de sanção.
Art. 21. Será vedado, em relação às adolescentes lésbicas, quaisquer impedimentos de contato afetivo, de amizade ou de convivência entre as demais adolescentes.
Art. 23. No caso de formação de casais entre as adolescentes, dever-se-á permitir que permaneçam no mesmo alojamento, sendo levado em conta o .
Sobre isso, dentre as referências consideradas no texto original da Resolução para justificar sua edição, estão os artigos 16 e 19 da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas de 1989, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n.º 99.710/1990.
Os referidos artigos positivam o direito da criança a não ser objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, família, domicílio e correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e a sua reputação (artigo 16), bem como a física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, (artigo 19).
Ao assegurar tais direitos, visando, sobretudo, a promoção dos direitos de crianças e adolescentes sem qualquer forma de discriminação, eleva a questão à ponderação sobre se o ato normativo em questão busca, de fato, o bem-comum, tendo em vista que
Ora, como exemplo das consequências desse ato está o fato de não haver controle sobre a veracidade da declaração na “formação de casais entre as adolescentes”, o que pode expor outras socioeducandas a situações de , e . Como seria, exemplificativamente, no caso de uma adolescente/jovem de 18 anos de idade que declarasse, através da coerção ou intimidação, formar casal com outra adolescente de 12 ou 13 anos de idade sem sê-la, de forma a fraudar o processo e influir na decisão dos gestores socioeducativos, e, destarte, ganhar acesso ao alojamento, onde a adolescente/jovem poderia ter planejado cometer atos de desrespeito e abuso aos demais socioeducandos.
Os dados do Levantamento Anual SINASE referentes ao ano de 2017, indicam que existiam 24.803 (vinte e quatro mil, oitocentos e três) adolescentes e jovens entre atendidos em estabelecimento educacional e semiliberdade, sendo 17.811 em medida de internação (71,8%), 2.160 em regime de semiliberdade (8,7%) e 4.832 em internação provisória (19,5%), além de 1.295 (um mil duzentos e noventa e cinco) adolescentes em outras modalidades de atendimento (atendimento inicial - 937, internação sanção – 306, medida protetiva - 63), .
Com relação à faixa etária dos adolescentes/jovens atendidos pelas unidades socioeducativas voltadas à restrição e privação de liberdade, o SINASE é composto por uma ampla faixa etária que, muito embora tenha a preponderância de adolescentes/jovens entre 16 e 18 anos, é composto, também, por menores de 14 anos[1], idade em que a presunção de violência caracterizadora do estupro de vulnerável tem caráter absoluto, visto não se tratar de presunção de culpabilidade do agente, mas de do menor de até 14 anos para consentir na prática sexual.
Esse, inclusive, é o posicionamento dos Tribunais Superiores. A Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça é clara e inequívoca: “O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”.
Nesse contexto, a proteção da infância, em sentido amplo, é direito social amparado pelo artigo 6º da Constituição Federal. A tutela às pessoas em desenvolvimento desdobra-se em outras prescrições constitucionais específicas, notadamente no artigo 6º, que positiva a proteção à infância como um direito social, e o artigo 227, que atribui à infância e à adolescência um momento especial na vida do ser humano e, por isso, assegura a crianças e adolescente o status de pessoas em , além de conferir-lhes a titularidade de direitos fundamentais e determinar que o Estado os promova por meio de políticas públicas.
O caput do artigo 227 afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescentes e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
. Em verdade, o artigo 227 representa o metaprincípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, tendo como destinatários da norma a família, a sociedade e o Estado.
Essa competência difusa, que responsabiliza uma diversidade de agentes pela promoção da política de atendimento à criança e ao adolescente, tem por objetivo ampliar o própria alcance da . A fundamentalidade desses dispositivos é tamanha que contou com a reprodução praticamente integral no artigo 4º, do ECA.
Diante deste arcabouço constitucional de proteção, pode-se afirmar que o princípio da proteção integral consubstancia o modelo de tratamento da matéria relacionada à infância e à adolescência. Não implica a proteção integral mera proteção a todo custo, mas sim na consideração de serem a criança e o adolescente sujeitos de direitos, devendo as políticas públicas contemplar essa situação, proporcionando o reequilíbrio existente pela condição de serem .
Deste modo, tendo em vista a relevância, os conflitos jurídicos apresentados e a especificidade da matéria, não se pode pôr em risco a coletividade de determinada unidade socioeducativa por conta dos desejos de um ou outro indivíduo, independentemente de sexo ou de identidade de gênero alegada. Como dito, em razão de crianças e adolescentes estarem em desenvolvimento físico e psicoemocional, a proteção desses sujeitos, portanto, passou a ser tratada com prioridade absoluta e os seus direitos necessitam ser observados, resguardados e sobre os quais se deve deliberar com debate exaustivamente qualificado.
Portanto, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), responsável pelo aprimoramento e fortalecimento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), vem a público manifestar-se de modo CONTRÁRIO à Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) que será votada no dia 17.12.2020.
[1] De acordo com o Levantamento anual do SINASE, em relação à faixa etária dos adolescentes e jovens atendidos pelas unidades de atendimento socioeducativo em 2017, a maior proporção dos adolescentes está concentrada na faixa etária entre 16 e 17 anos com 56% (12.857), seguida pela faixa etária de 18 a 21 anos com 29,5% (6.767) que perfazem 85,5% de 22.943, entre 14 a 15 anos com 12,8% (2.931) e 12 a 13 anos com 1,6% (388) do total de 22.943 de dados sistematizados, havendo, ainda, 12,8% sem especificação de faixa etária (3.132) do quantitativo geral de adolescentes atendidos em 2017 de 26.075. Disponível aqui.