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Audiência pública do CNDH em Alcântara (MA) denuncia possibilidade de deslocamentos compulsórios de quilombolas
Com a presença de quilombolas, representantes de organizações da sociedade civil, da Prefeitura de Alcântara, do Governo do Maranhão e da Aeronáutica (Centro de Lançamento de Alcântara), a audiência pública do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) em Alcântara (MA) aconteceu no último dia 31 de agosto, na comunidade Mamuna, e contou com a participação de cerca de 70 pessoas.
O encontro, que encerrou a missão de três dias do Grupo de Trabalho (GT) “Direitos dos Povos e Comunidades Quilombolas” do CNDH na área, denunciou a possibilidade de deslocamentos compulsórios de quilombolas de suas comunidades, diante da sinalização do governo de ampliação da área da base.
Os quilombolas denunciaram o descumprimento dos acordos pela Aeronáutica nos primeiros anos de implantação da base e afirmaram que não vão sair da área, argumentando que o Centro de Lançamento deve funcionar na área já delimitada para isso.
Na mesa da audiência pública, a comunidade colocou o osso de uma baleia, que foi encontrada morta na praia da comunidade quilombola de Mamuna. A vértebra da baleia, exposta durante toda a audiência, serviu para lembrar que, cada vez que há o lançamento de um foguete, os quilombolas da região são proibidos de pescar por 45 dias. Apesar de todas as tentativas, até agora, nenhum foguete lançado pela base chegou ao espaço: todos explodiram no ar, e muitos peixes morrem em decorrência da explosão.
Em tons de comoção e revolta, lideranças relataram a relação com o Centro de Lançamento, como demonstra a fala de Leandra de Jesus, da Agrovila Peptal. “Então eu deixo este recado: nós estamos com fome de direitos. Queremos ter os nossos direitos, queremos liberdade. Entrar e sair da nossa praia como nós tínhamos o direito de entrar”, exclama Leandra, que vê na expansão da base uma ameaça à sobrevivência das comunidades. “Se Mamuna sair nós vamos tirar o alimento de onde? Sai Mamuna, sai todo o litoral, nós vamos comer o quê? Vamos comer pedra? Vamos comer fumaça de foguete ou pólvora? Eu acho que não meus irmãos”, pontua quilombola.
A audiência contou ainda com a presença dos Tenentes Huxley Batista e Andreza Aarão, representando o Centro de Lançamento de Alcântara, que ouviram as demandas sem fazer qualquer pronunciamento.
Visitas às comunidades
No primeiro dia da missão, 29 de agosto, o GT se reuniu com lideranças quilombolas, órgãos públicos e entidades da sociedade civil envolvidos com a temática para organização da agenda da missão. Estavam presentes instituições como Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara, Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE), Movimento das Trabalhadoras Rurais de Alcântara (MONTRA), Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, Secretaria Estadual de Igualdade Racial, Conselho Estadual de Igualdade Racial (CEIRMA), Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDHPOP) e Prefeitura de Alcântara e GT em Defesa do Território Quilombola de Alcântara.
A reunião do primeiro dia ocorreu na Agrovila Marudá, formada na década de 1980 pelo deslocamento compulsório dos quilombolas da região de 8.000 hectares onde hoje está instalado o Centro de Lançamento. Moradores e lideranças relataram o processo de remoção, o descumprimento do acordo por parte da Aeronáutica e suas consequências, como por exemplo, a distância de locais de pesca e a dificuldade de acesso aos recursos naturais que garantiam o extrativismo.
Com o acesso limitado ou mesmo proibido a estes recursos, alguns quilombolas relataram ter passado fome nos primeiros anos vividos na Agrovila. Maria do Carmo, uma das últimas quilombolas deslocadas da área, reclama a posse da terra e lembra que até hoje não recebeu indenização. “Lá é a minha terra. O preço que queriam dar pra nossa terra era o preço da merenda dos cavalos deles”, revela Maria do Carmo.
No segundo dia, o grupo se dividiu em três vertentes para visitar comunidades quilombolas ameaçadas de remoção. Ao todo, foram visitadas sete comunidades: Mamuna, Santa Maria, Brito, Canelatiua, Samucangaua, Iririzal e Ladeira. Nas reuniões com as comunidades, os quilombolas foram enfáticos em dizer que não querem sair do lugar, mas que querem melhorias.
Foram apresentadas demandas relacionadas à condição da estrada, ao acesso a equipamentos públicos, como hospitais e ambulâncias. Os quilombolas também apresentaram reclamações quanto à distância das escolas, pois as crianças da pré-escola acabam tendo que realizar longos deslocamentos para estudar, e os adolescentes, para conseguirem cursar o Ensino Médio, precisam se mudar para a área urbana de Alcântara ou para São Luís.
Paulo Maldos, coordenador do Grupo de Trabalho (GT) “Direitos dos Povos e Comunidades Quilombolas” do CNDH, reforça que os acordos já existem e devem ser cumpridos, “em especial a Ação Civil Pública de 2008, do Ministério Público Federal, cuja decisão delimita o Centro de Lançamento de Alcântara aos 8 mil hectares atuais, sem nenhum tipo de expansão”, menciona o conselheiro do CNDH.
Ao final da missão, organizações da sociedade civil e instituições públicas envolvidas na defesa dos direitos dos quilombolas da região definiram a organização de um Grupo de Trabalho para compartilhamento de informações e delineamento de estratégias conjuntas de enfrentamento à expansão do centro.