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ATO DENÚNCIA: Movimentos sociais e órgãos do judiciário e de defesa dos direitos humanos assumem compromissos contra a violência no campo e a retirada de direitos
Além de manifestar solidariedade às vítimas da violência no campo, florestas e águas, o Ato Denúncia “por direitos e contra a violência no campo”, realizado na tarde desta terça-feira (23), em Brasília, buscou construir soluções e apontar compromissos que foram assumidos por organizações e autoridades, em caráter de urgência, para conter o avanço da violência e da retirada de direitos. O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, que coordenou o ato, destacou a necessidade de denunciar esse recrudescimento da violência e firmar ações emergenciais. “Esse é o objetivo central do nosso ato. Autoridades vão ouvir os depoimentos e assumir compromissos para dar respostas rápidas e eficazes. Também precisamos denunciar o relatório da CPI Funai/Incra, que é uma selvageria para os povos do campo, das florestas e águas.”
A professora adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Beatriz Vargas, trouxe os dados do último relatório divulgado pela CPT sobre os Conflitos no Campo, que apontou o registro recorde do número de conflitos no campo em 2016: foram 61 assassinatos de trabalhadores rurais (o dobro de casos de assassinatos em relação à média dos últimos 10 anos) e 1.536 conflitos, envolvendo 909.843 famílias. Os dados da CPT também já revelam que, em 2017, os conflitos serão intensificados. Nos primeiros cinco meses deste ano foram registrados pela CPT 26 assassinatos em decorrência dos conflitos agrários no Brasil, o dobro dos assassinatos do ano passado para o mesmo período. Outros seis estão sob investigação e ainda não foram inseridos no banco de dados da Pastoral. “Vemos o aumento da criminalização dos movimentos sociais, crimes graves contra lideranças de movimentos sociais. A grande novidade é que o MST passa a ser identificado como organização criminosa. Não podemos deixar que esse precedente se alastre. O processo de criminalização é complexo, não pode ser entendido de forma simples. É preciso observar as ações da mídia, do sistema de justiça e, dentro de justiça, também coloco as forças de segurança e o poder legislativo”, denunciou a professora.
Para as organizações presentes, o aumento da violência tem relação direta com o desmonte do Estado brasileiro e da política agrária, como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a paralisação das ações de reforma agrária e da demarcação e reconhecimento das terras indígenas e quilombolas.
TESTEMUNHOS
Um dos principais momentos do Ato Denúncia foi o de testemunhos de pessoas em situação de ameaça, defensores(as) de direitos humanos, vítimas da violência no campo e/ou familiares.
O trabalhador Clóvis da Silva, do território pesqueiro do Cajueiro, do Maranhão, relatou o conflito vivido em sua comunidade e em todo o estado. “Precisamos rever os casos do Maranhão, é preciso ter uma força tarefa por lá. Estamos vendo na Operação Lava-Jato que milhões de reais saíram do Brasil e esse dinheiro vai entrar no nosso país por outras vias, via capital internacional. A Vale também atua de forma criminosa no Maranhão em aldeias indígenas e comunidades de pescadores. É necessário acompanhar e fiscalizar todos os territórios indígenas, pescadores, quilombolas e assentamentos. Não dá para fechar os olhos e baixar a cabeça.”
Nailton Pataxó Hã Hã Hã, um dos indiciados da CPI Funai/Incra, da Bahia, também fez o seu relato. “Nem sei o que é uma CPI. A minha inclusão como indiciado talvez seja porque há 30 anos esperamos julgamento sobre a nossa área, precisamos usar nossos arcos, flechas, morreu índio, morreu policial, mas conquistamos a nossa terra. A violência continua contra os pataxós, contra os tupinambás, contra todas as lideranças que estão reivindicando os seus direitos. É vergonhoso para o nosso país, para as nossas autoridades.”
Outro forte relato foi de Luiz Batista, trabalhador rural e liderança do MST/GO, perseguido e preso por sua luta pela terra. “Fui acusado de terrorista. Sou trabalhador, e nunca vi antes que lutar pela terra era crime. A minha prisão foi conhecida internacionalmente, foi uma prisão ridícula, igual à prisão do meu companheiro Valdir. Gostaria que as autoridades olhassem melhor para nós do campo. Precisamos do povo, do lutador que põe a comida da mesa de todo mundo. Tudo o que produzimos fica no município. Gostaria de agradecer a todos que me ajudaram e o que sei expressar é a nossa luta.”
Outra liderança dos trabalhadores e trabalhadoras rurais a dar o seu testemunho foi o secretário de Formação e Organização Sindical da CONTAG, Carlos Augusto Santos Silva, mais conhecido como Guto, que é do estado do Pará, foi dirigente da FETAGRI-PA por muitos anos e acompanha de perto o cenário de aumento da violência na região. “Todos os relatos que vimos até agora trazem muita angústia, raiva e a situação não é diferente no Pará. Os governos têm uma visão distorcida de desenvolvimento, que acaba com os territórios indígenas, quilombolas, destruindo os trabalhadores e as trabalhadoras rurais. O Pará sempre teve lista de marcados para morrer, com muitos assassinatos de lideranças. Existe uma visão muito clara de criminalização dos movimentos sociais. Temos um Estado conservador, um judiciário conservador que tem preconceito com a reforma agrária e a luta pela terra e somos vítimas dessa política. Nas últimas três semanas temos visto vários assassinatos no Pará. Destaco o assassinato da companheira Kátia Martins, do município de Castanhal, líder do acampamento 1º de Janeiro, que estava sendo perseguida. Ao redor da ocupação existem várias fazendas griladas, marca registrada do Pará, e a companheira foi assassinada com 5 tiros na volta de uma reunião às 21h30 e estava acompanhada do seu neto. Eu acompanhei o seu sepultamento. O processo está na fase do inquérito policial e será constituído um fórum de denúncia contra a violência no campo no âmbito do estado.”
A seringueira do estado de Rondônia, Giselda Pereira, emocionou com o seu testemunho. “Só em Rondônia foram 10 mortes no campo nesse ano. Graças ao nosso povo que as florestas ainda existem. Além das florestas, os povos estão sendo dizimados. Gostaria muito que as nossas autoridades dessem atenção especial para as unidades de conservação. Mais de 400 famílias serão dizimadas se o governo não intervir. Estamos protegendo uma floresta que não é só minha, mas sim de uma nação inteira.”
Também foram feitos outros relatos, do quilombo Ilha de São Vicente, de Tocantins, e do povo Gamela, do Maranhão.
Em seguida, foi feita a leitura da carta de exigências ao poder público e compromissos da sociedade civil com a defesa dos direitos e contra a violência no campo. Alguns são:
– Manter esta articulação com a sociedade para o desenvolvimento de ações urgentes;
– Lutar pelo direito à terra e ao território dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e camponeses;
– Lutar pelo direito dos povos originários e tradicionais à autodeterminação;
– Lutar contra a criminalização dos movimentos sociais e defensoras e defensores de direitos humanos;
– Lutar por direitos e combater as violações de direitos humanos no campo.
MAIS COMPROMISSOS
A procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, defendeu a importância de se pensar ações conjuntas. “Temos que acabar com a cultura de que organizações sociais são criminosas. A questão da impunidade, com o episódio de Colniza, 100% de homicídios da região não tem nenhuma punição. Temos que fazer um levantamento de todos os casos e atuar fortemente numa resposta penal. Temos que fazer um enfrentamento forte a essa situação no campo. Temos também de assumir compromisso de criar a Ouvidoria Agrária Nacional independente.”
Além do presidente do CNDH e da procuradora, outras autoridades presentes firmaram compromissos para o combate à violência no campo e a retirada de direitos: a vice-presidente do CNDH e representante da Defensoria Pública da União, Fabiana Severo; o coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais/MPF, Luciano Mariz Maia; o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, deputado Paulão; o representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Everaldo Patriota; a procuradora de Justiça em Goiás, ex-presidente do CNDH, Ivana Farina; e a representante do Conselho Nacional do Ministério Público, Nívia Mônica Silva.
O secretário de Política Agrária da CONTAG, Elias Borges, destaca que num período de retrocessos e de retirada de direitos há uma intensificação da luta e, com isso, são intensificados os conflitos. “O empresário quer manter o seu latifúndio, o seu capital e ganhar cada vez mais. Então, você vai ter uma luta maior pela reforma agrária, pela ampliação de direitos, ter uma disputa maior e isso vai ocasionar em mais conflitos. E hoje, com essa ruptura da democracia no Brasil, com o avanço da direita na retirada de direitos, o Estado deixa de defender os mais fracos e a elite fica mais protegida. Por isso, é importante a unidade da classe trabalhadora, de setores de defesa dos direitos humanos, do judiciário e de quem defende os mais excluídos, e esse Ato Denúncia foi um primeiro passo para diminuir essa ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e para que todos tenham dignidade”, ressaltou o dirigente da CONTAG.
O Ato Denúncia foi realizado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e contou com a parceria das seguintes entidades e órgãos: Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), da Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, Comissão Pastoral da Tera (CPT), Conselho Indigenista Missionario (CIMI), Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (CONTRAF Brasil), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores do Campo (MTC), Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Terra de Direitos, Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), Unisol Brasil – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão – Ministério Público Federal, Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais – Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União (DPU), e Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Acesse aqui a carta na íntegra