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Leis estaduais que preveem porte de arma a agentes socioeducativos são examinadas pelo Mecanismo Nacional de Combate à Tortura
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) publica nesta sexta-feira (14) a “Nota Técnica nº 4: Análise sobre leis e projetos de lei estaduais para porte de armas de fogo a agentes socioeducativos”. Esta Nota examina iniciativas legislativas, no âmbito dos estados, que visam conceder a autorização de porte de armas de fogo a agentes socioeducativos. O órgão identificou estas propostas em cinco estados: Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rondônia e Santa Catarina.
O Mecanismo Nacional manifesta grande preocupação com tais projetos legislativos, tanto por vícios formais de legalidade, como em razão de aspectos materiais no que tange à lógica da Socioeducação e aos preceitos fundamentais do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
A Nota Técnica aponta que estas normas estaduais seriam inconstitucionais, por tratarem de matéria de competência federal, e incompatíveis com as normas internacionais, que proíbem armas nas rotinas de instituições de justiça juvenil. Os agentes socioeducativos não compõem forças de segurança pública, havendo sido retirados do Sistema Nacional de Segurança Pública (SUSP) – Lei nº 13.675/2018, por exemplo.
Adicionalmente, a disponibilidade de armas de fogo dentro de unidades socioeducativas as torna um fator de risco para ocorrência de maus tratos, tortura e mortes, tanto de adolescentes como de servidores públicos, particularmente em caso de conflitos, motins ou rebeliões. Ademais, tornam o ambiente socioeducativo recrudescido.
A previsão de armar os agentes socioeducativos também teria um impacto orçamentário e financeiro para aquisição de armamentos pessoais, obras de infraestrutura, capacitação, entre outros. Investimentos esses considerados pelo Mecanismo Nacional como inoportunos e potencialmente irregular num contexto em que faltam investimentos para implementação de medidas básicas, como Planos Individuais de Atendimento (PIA), atividades profissionalizantes, atenção à saúde mental, trabalhos de justiça restaurativa etc., que são preconizados com prioridade na legislação vigente.
Por fim, o Mecanismo Nacional, no uso de suas competências legais, emite recomendações para a não concessão de portes de arma, veto, arquivamento, declaração de inconstitucionalidade de leis, bem como o fortalecimento do controle social. Estas recomendações são dirigidas à Polícia Federal, Assembleias Legislativas, Governadores de Estado, Procuradoria Geral da República, Supremo Tribunal Federal e Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente.
Estatuto do Desarmamento - Lei nº 10.826/2003 - A legislação atual no Brasil possibilita que quaisquer cidadãos possam adquirir o porte de arma de fogo desde que sigam os regulamentos previstos, que estão sob responsabilidade da Polícia Federal. Entre as condições estabelecidas estão: (i) declarar efetiva necessidade; (ii) ter, no mínimo, 25 anos; (iii) apresentar documento de identificação pessoal; (iv) comprovar idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal; (v) apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; (vi) comprovar, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo; e (vii) comprovar aptidão psicológica.
Mecanismo Nacional - O Mecanismo Nacional é um órgão federal autônomo criado pela Lei nº 12.847/2013, que tem como função a prevenção e combate à tortura a partir de visitas regulares a locais de privação de liberdade e da emissão de recomendações a órgãos competentes. Seus membros são 11 peritos federais independentes no exercício de suas funções que compõem uma equipe multidisciplinar. Desde a sua instituição, em 2015, o Mecanismo Nacional visitou 20 unidades da federação, compreendendo mais de 120 unidades de privação de liberdade. O órgão já emitiu mais de 1.700 recomendações envolvendo mais de 86 diferentes assuntos. A criação do Mecanismo Nacional atende ao compromisso internacional assumido pelo Estado brasileiro em 2007 com a ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas.