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Violência policial, recolhimento compulsório de pertences e dificuldade de acesso às políticas públicas são constatadas por missão do CNDH na “Cracolândia”
Comitiva também destaca a ausência de regulamentação do Projeto Redenção, anunciado pelo prefeito de São Paulo como plataforma de tratamento de usuários de crack
Na última segunda-feira (29), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) foi a São Paulo em missão emergencial para verificar a situação na região conhecida como Cracolândia – onde usuários de drogas e pessoas em situação de rua foram removidos de forma violenta pela Polícia no dia 21 de maio – e realizar reuniões com órgãos públicos que têm relação com o caso.
A missão, que começou com vistoria na Rua Helvétia, identificou questões que foram apresentadas nas reuniões realizadas durante todo o dia, com autoridades estaduais e municipais, entre elas o Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves; o Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, José Antonio de Almeida Castro, além de representantes da Secretaria de Governo da Prefeitura e das secretarias estaduais de Justiça e da Defesa da Cidadania e de Assistência Social.
Deslocamento e dificuldade de acesso às políticas públicas
De acordo com o coordenador da missão, conselheiro Leonardo Pinho, o fluxo que havia na Rua Helvétia se concentrou na Praça Princesa Isabel e se espalhou em outros 23 pontos. “Identificamos que houve apenas um deslocamento dos usuários naquele território”, afirma o conselheiro do CNDH, alertando que isso causou um grave problema de acesso às políticas públicas. “Os lugares de atendimento continuam no fim da Rua Helvétia, e como tem muita polícia na região, os usuários estão com dificuldades ou até impedimento de acessar as políticas públicas”, destaca Pinho.
A missão também constatou que a Prefeitura de São Paulo não tinha preparo para dar suporte após a operação que removeu violentamente moradores da Cracolândia. “Vimos vários serviços superlotados, recebemos várias denúncias de usuários que não conseguem acessar o acolhimento da assistência social”, completa Leonardo Pinho.
Violência policial
A vice-presidenta do CNDH, Fabiana Severo, que também compôs a missão, informa que foram recebidas denúncias de abordagem policial violenta e intimidação. “Recebemos, inclusive, denúncias de que haveria seguranças privados tentando fazer papel de polícia junto aos usuários do fluxo da região da Luz”, acrescenta a vice-presidenta do CNDH.
Para Severo, a forma como a operação foi desencadeada, com base no uso de força policial desproporcional e desnecessária, e sem planejamento, gerou uma série de violações de direitos humanos, que vêm se aprofundando e tomando rumos cada vez mais desastrosos.
Fabiana critica a judicialização da questão, que, para ela, poderia ter se resolvido com diálogo. “Leva-se ao Poder Judiciário algo que deveria ter sido resolvido com diálogo aberto, com a sociedade civil e entidades privadas que acumulam uma trajetória de atuação nessa questão”, pontua.
Recolhimento compulsório de documentos e pertences
O coordenador da missão também destaca que, por causa das remoções e do fechamento do acesso aos prédios, muitos comerciantes e moradores ficaram sem acesso aos seus pertences, que foram recolhidos compulsoriamente. “As pessoas não sabem o que foi feito e nós cobramos a montagem, de forma prioritária, de um balcão de atendimento para essas famílias. São pessoas que tinham moradias lá no território, não estavam relacionadas ao uso de drogas, e essas pessoas hoje estão sem os seus pertences, sem documentos”, completa.
Projeto Redenção: sem regulamentação
Outro elemento apontado pela missão é a ausência de regulamentação do Projeto Redenção, anunciado pelo prefeito de São Paulo, João Dória, como plataforma de tratamento de usuários de crack. “Não há portaria para esse projeto, logo, não tem marco legal, nem foi pactuado com os conselhos de direitos. O mínimo a fazer agora é, antes de ser publicado, que seja discutido com os conselhos de direitos”, cobra Leonardo Pinho.
Além do conselheiro Leonardo Pinho, que coordenou a missão, participaram a vice-presidenta do CNDH, Fabiana Severo, representantes da Defensoria Pública da União (DPU), do Conselho Regional de Psicologia (CRP), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool (COMUDA), Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe-SP), Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e Conselho Municipal de Assistência Social (COMAS).
Recomendação
Reunido em Brasília nos dias 24 e 25 de maio, o CNDH aprovou a Recomendação n° 06, sobre a ação realizada no dia 21 de maio na região da Luz, na cidade de São Paulo.
A recomendação possui vários itens direcionados à Prefeitura Municipal de São Paulo. Dentre eles, solicita que a Prefeitura “suspenda imediatamente todo e qualquer ato de remoção compulsória de pessoas e bens, bem como, o bloqueio e demolição de edificações na região da Luz”; que “cumpra o Plano Municipal de População de Rua e, em caráter emergencial, garanta os direitos mínimos de acesso às políticas públicas de moradia, saúde e assistência social a população em situação de rua e os usuários de álcool e outras drogas”; e que “não promova qualquer iniciativa voltada à internação compulsória coletiva ou em massa, e que cumpra o previsto na Lei 10.216/2001 e construa uma política pública de atendimento e acolhimento das pessoas em situação de rua com transtornos mentais e uso abusivo de álcool e outras drogas, onde o dispositivo de internação seja realizado com a construção de Projetos Terapêuticos Singulares”.
Ao Governo do Estado de São Paulo, o documento solicita que “crie procedimentos junto aos órgãos de segurança pública para que não ocorra nenhum tipo de abordagem violenta em relação à população em situação de rua e aos usuários abusivos de álcool e outras drogas”; que “assegure o livre e pleno exercício do direito de ir e vir previsto na Constituição na região da Luz e adjacências” e que crie a Política e o Comitê Estadual de População de Rua, conforme já recomendado pelo CNDH.
O documento recomenda ainda ao Procurador-Geral de Justiça de São Paulo que apure as violações praticadas e apresente os responsáveis pela operação, e aos conselhos municipais de Assistência Social e de Saúde que assegurem e fiscalizem o livre exercício de trabalho, ofício ou profissão dos trabalhadores e as trabalhadoras do SUS e SUAS, evitando qualquer intimidação de órgãos públicos.
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