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MULHERES DO CAMPO
Compartilhando experiências, mulheres se unem no campo em busca de representatividade
(Foto: João Barroso/MDA) Da esquerda para a direitos, Roberta Leite Cardoso, Lauriane Tremembé e Anna Paula da Silva
As mulheres rurais mostraram protagonismo e liderança na promoção da agricultura familiar durante o Seminário Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), com o lema “Fortalecendo a Agroecologia no Brasil”, que ocorreu nos dias 7 e 8 de maio, na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em Brasília. Elas apresentaram projetos exitosos, coordenaram mesas de debates, compartilharam experiências no campo e mostraram que com trabalho, solidariedade e empatia podem transformar a própria realidade, conscientizar as comunidades e transformar territórios. Conheça as histórias de algumas delas.
Instrumento político-pedagógico
Roberta Leite Cardoso, de 26 anos, mineira de Viçosa, integrante do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA – ZM) e do GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) levou para o Seminário um instrumento político-pedagógico: as Cadernetas Agroecológicas. A experiência não é nova, começou há quase 15 anos, na Zona da Mata Mineira, para conscientizar as mulheres do valor da produção delas e se espalhou por todo o País.
Desenvolvida de maneira coletiva, a Caderneta Agroecológica busca dar visibilidade ao debate de gênero no meio rural, contribuindo para uma visão mais feminista em relação às condições que as mulheres agricultoras se encontram. “Em momento de espaço de formação, as agricultoras falavam que ficavam muito cansadas e não sabiam por quê. Então, além de mensurar e dar visibilidade ao trabalho dessas mulheres, a Caderneta também fortalece a autonomia delas”, contou Roberta.
A caderneta possui quatro colunas para anotar as informações sobre a produção: o que as mulheres consomem, o que elas vendem, o que elas trocam, o que elas doam. Elas anotam, diariamente, tudo que pegam do quintal, que é o espaço de domínio das mulheres nas propriedades, e vão precificando. “Isso possibilita mensurar a produção das mulheres e dar visibilidade da contribuição delas na renda familiar. Dessa forma, as mulheres começam a se reconhecer como trabalhadoras rurais e agricultoras familiares”, destacou a mineira.
Em uma amostra realizada em 112 municípios, de sete estados da região Nordeste, por 13 meses, com 909 Cadernetas, o valor monetário e não monetário do trabalho das mulheres somou R$ 3.214.127,81. “A maior parte desse trabalho é invisível, por isso, a Caderneta serve também como uma metodologia censitária, para pensar políticas públicas para as trabalhadoras rurais”, ressaltou Roberta.
Conscientização
Anna Paula da Silva, da cidade de Jupi (PE), a mais de 1.800 km da Zona da Mata mineira, conhece bem a experiência das Cadernetas Agroecológicas. Foi por meio delas que Anna tomou consciência da diversidade de produtos que tinha em seu quintal e, principalmente, que tudo aquilo que ela cuidava em torno da sua casa tinha valor de trabalho e valor econômico. “O espaço do trabalho para a gente era socialmente negado, porque tudo que a gente fazia era só ajuda, nunca trabalho. O trabalho era só do homem, nós éramos só as ajudantes”, contou.
Anna Paula hoje faz parte do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural (MMTR) do Nordeste, que atua há 40 anos nos nove estados da região. A instituição capacita trabalhadoras rurais com uma proposta de educação que busca aumentar a autonomia das mulheres, transformar a mentalidade de submissão e combater todo tipo de discriminação e preconceito no campo.
A pernambucana conta que foi através da experiência com as Cadernetas Agroecológicas que ela e as mulheres da sua região perceberam que, na verdade, quem alimentava as famílias eram elas, já que eram elas que realizavam os processos de troca, de doação e de venda, seja na feira ou para instituições do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). “Nós descobrimos que somos responsáveis pela alimentação da nossa família e de outras famílias. De certa forma, nós que sustentamos nossa casa”, afirmou.
Cultura Alimentar
A estudante Lauriane Tremembé é uma jovem mulher do Território Indígena Tremembé, da Barra do Mundaú, em Itapipoca (CE). Desde criança ela acompanha todas as ações do território, na escola, nos espaços, com as lideranças, com as professoras. Acompanha as reuniões, as ações na agricultura, as festas tradicionais, as mobilizações e as lutas em momentos de conflito. Foi isso que a formou a mulher que é hoje, aos 24 anos.
E foi trabalhando no campo que ela teve a oportunidade de cursar agronomia em uma instituição com viés agroecológico, voltado para a agricultura familiar. E é dessa forma que ela está dando visibilidade para a forma do seu povo cultivar a terra. “Hoje eu vejo a agroecologia com a força da cultura alimentar. Porque a cultura alimentar envolve todos os processos, do plantio, da colheita, do preparar o alimento, mas também do partilhar entre comunidades, dos saberes relacionados, dos conhecimentos dos mais velhos, do envolvimento das crianças, das espiritualidades, dos rituais. É um conjunto de práticas”, ensina Lauriane.
Teoria e Prática
A professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Graciella Corciolli é coordenadora do programa ProForest, que oferece formação para famílias assentadas. O programa envolve 16 instituições de ensino, em 10 estados do Brasil, e vai oferecer, por meio dos alunos dessas instituições de ensino, assistência técnica e extensão rural aos assentados. “Vamos trabalhar com a formação desses alunos, que são na maioria alunos das ciências agrárias, e eles, além de fazer a formação teórica, terão a formação prática, atendendo as comunidades de assentamento”, explica a professora.
São cerca de 160 assentamentos no Brasil todo, com aproximadamente 450 famílias por instituição de ensino, o que soma cerca de 7,5 mil famílias atendidas. O projeto começou em fevereiro de 2024 e vai até dezembro de 2024, mas pode ser prorrogado. Para os alunos da graduação é um estágio do processo de formação, mas também será oferecido como extensão pelas universidades e institutos federais envolvidos.
Pertencimento
Antônia Vitória é uma Agente Local de Formação (ALF) do Programa ProForest, ou seja, a pessoa no assentamento que organiza a comunidade em torno desse aprendizado. Ela é da Comunidade Indígena Nazaré, que fica em Lagoa de São Francisco, a cerca de 200 km de Teresina (PI). Ela cursou o ensino médio junto com o ensino técnico na Escola Família Agrícola Santa Ângela, que fica em uma cidade vizinha. “Quando saíram os editais do Programa eu logo me inscrevi. Fiquei maravilhada com a oportunidade de trabalhar junto da minha comunidade”, contou.
Por meio do Programa, cinco agricultores locais ganharam Quintais Agroecológicos, montados pela Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPAR). Esses Quintais são locais próximo à casa, onde a família planta e cultiva de modo diverso desde hortaliças, plantas alimentícias, frutíferas, leguminosas, ornamentais, medicinais, até a criação de pequenos animais.
O que antes a comunidade comprava de fornecedores de fora, agora é produzido por eles e o excedente ainda é vendido para instituições que participam do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), gerando renda para toda a comunidade. “O que eu percebi é que está tendo menos êxodo rural. Antes os jovens saiam da comunidade para trabalhar na cidade, agora eles estão ficando na terra porque estão vendo a possibilidade de terem renda por lá mesmo”, explicou Antônia.
O projeto prevê a realização de reuniões com a comunidade dos assentamentos para conscientizar sobre a importância da agroecologia e da produção orgânica. “Eu vejo que já tem muita gente atuante na comunidade depois que começou esse trabalho da gente”, afirmou Antônia.