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Nota
Sobre a Lei n. 12.169, de 19 de dezembro de 2023, do Estado do Maranhão
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, por meio do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, em face da recém-publicada Lei n. 12.169, de 19 de dezembro de 2023, do Estado do Maranhão vem a público manifestar preocupação quanto às repercussões da citada Lei Estadual e seu potencial de acirramento de conflitos agrários, notadamente no que diz respeito às disputas territoriais envolvendo povos e comunidades tradicionais.
O Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA, como estrutura administrativa pertencente à esfera federal, submete-se incondicionalmente aos princípios da separação dos poderes e da autonomia dos entes federativos que caracterizam o Brasil como República Federativa. No entanto, com o devido respeito e acatamento, é preciso alertar que a citada lei estadual, ao possibilitar a “regularização fundiária” de áreas até 2.500 hectares, ocupadas há pelo menos cinco anos, sem estabelecer termo inicial a partir do qual a contagem dos cinco anos deverá iniciar-se, sem ressalvar as ocupações sobrepostas a terras tradicionalmente ocupadas por povos e comunidades tradicionais e sem condicionar a ocupação ao exercício de posse mansa e pacífica, tem o potencial de fomentar uma verdadeira corrida pela grilagem de terras, inclusive mediante o uso da violência.
A citada lei não estabelece nenhuma condicionante no que tange a terras obtidas mediante fraude documental, o que igualmente fomenta e premia práticas de grilagem. A redação ambígua do artigo 18, ao estabelecer que não serão objeto de regularização os territórios tradicionalmente ocupados por povos e comunidades tradicionais não assegura de forma plena e incontestável os direitos desses povos a seus territórios. A lei não estabelece nenhuma diretriz quanto à venda posterior das terras públicas obtidas mediante regularização, favorecendo a especulação imobiliária à custa do patrimônio público e a reconcentração fundiária. A citada lei estadual, ademais, não se compatibiliza com as diretrizes da Constituição Federal que estabelecem a destinação preferencial de terras públicas para unidades de conservação ambiental, para a demarcação de territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, para as políticas públicas de reforma agrária e outras destinações de interesse público, estabelecendo total inversão na ordem de preferências, privilegiando o uso privado em detrimento do uso público das terras devolutas estaduais.
É preciso destacar que as preocupações com a aplicação da Lei Estadual n. 12.169/2023 se justificam, também, quanto ao contexto em que se insere o Estado do Maranhão, cujos níveis de violência no campo já o posicionam entre os Estados com os maiores números de conflitos agrários, inclusive com vítimas fatais. Também preocupam as proposições legislativas de extinção de estruturas estaduais destinadas à mediação e conciliação de conflitos fundiários, como a COECV – Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade. A associação entre a aplicação da Lei n. 12.169/2023, com as questões acima indicadas, e a proposição de extinção da COECV agrava ainda mais o potencial de escalada dos conflitos agrários no Estado do Maranhão, uma vez que as disputas violentas, já estimuladas pela citada lei, não encontrarão nenhuma forma de mediação, caso a extinção da COECV venha a ocorrer.
Dessa forma, o Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA, nos limites do princípio constitucional do federalismo colaborativo, vem manifestar suas preocupações e colocar-se à disposição das autoridades públicas e do conjunto da sociedade para a construção de soluções de mediação e conciliação que conduzam à paz social e ao fortalecimento da democracia no Estado do Maranhão.
Assinam:
Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA
Comissão Nacional de Enfrentamento da Violência no Campo (CNEVC)