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Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários
Nota do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar
Nota do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar sobre a Lei n. 22.419, de 27 de novembro de 2023, do Estado de Goiás
O Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, antiga Ouvidoria Agrária Nacional, à vista das disposições da Lei n. 22.419, de 27/11/2023, do Estado de Goiás, vem a público manifestar preocupação quanto às repercussões da citada Lei Estadual e seu potencial de acirramento de conflitos agrários, notadamente no relacionamento entre movimentos sociais de luta pelas políticas públicas de reforma agrária e as forças estaduais de segurança pública.
A Ouvidoria Agrária Nacional, como órgão público federal, submete-se incondicionalmente aos princípios da separação dos poderes e da autonomia dos entes federativos que caracterizam o Brasil como República Federativa.
No entanto, com o devido respeito e acatamento, é preciso alertar que os movimentos de luta pela terra, quando realizam acampamentos à beira de estradas, tanto estaduais quanto federais, buscam manifestar-se pelo cumprimento de políticas públicas, sendo a política pública constitucional da reforma agrária a principal reivindicação.
Sua permanência sobre as faixas do domínio e outras áreas públicas, por óbvio, não tem por escopo a apropriação daqueles bens, o que é uma impossibilidade jurídica, diante da vedação de usucapião sobre bens públicos, notadamente aqueles já afetados a uma finalidade específica como as faixas de domínio lindeiras às estradas.
Nessa medida, a citada lei estadual, em seu artigo 3, inciso I, ao permitir o “desforço imediato para garantir a dominialidade do bem público” deve ser interpretado em harmonia com os princípios constitucionais da liberdade de expressão, de reunião e de manifestação.
De outro lado, é preciso relembrar que manifestações de movimentos sociais que reivindicam a concretização de políticas públicas de reforma agrária, que incumbem às três esferas federativas, inclusive aos Estados, não têm o condão de afetar a dominialidade de bem público e, portanto, não se constituem, juridicamente, como crimes de esbulho possessório, afastando, igualmente a aplicação do artigo 2 da citada Lei e a configuração de “crimes permanentes” ou “estado de flagrância, não autorizando despejos administrativos ou ações extrajudiciais das forças de segurança.
Ademais, o conjunto das disposições da Lei n. 22.419, de 27 de novembro de 2023 do Estado de Goiás tem o potencial de criminalizar o exercício dos direitos constitucionais da liberdade de expressão e da liberdade de reunião, fragilizando, em última instância a própria democracia e a caracterização do Brasil como Estado Democrático de Direito.
Por fim, não é demais recordar as obrigações que o Estado Brasileiro como um todo, em todas as esferas federativas, assumiu perante a ordem internacional, no que tange ao cumprimento dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e as responsabilidades correlatas de não-repetição de casos de graves violações dos direitos humanos no contexto dos conflitos no campo, tais como nos casos de Eldorado dos Carajás, Corumbiara e Pau D’Arco, entre outros.
Dessa forma, a Ouvidoria Agrária Nacional do MDA, nos limites do princípio constitucional do federalismo colaborativo, vem manifestar suas preocupações e colocar-se à disposição das autoridades públicas e do conjunto da sociedade para a construção de soluções de mediação e conciliação que conduzam à paz social e ao fortalecimento da democracia.