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Mapeamento: emissões e remoções de gases de efeito estufa são associadas à trajetória da dinâmica de uso e cobertura da terra
Mais de 2,5 mil imagens por satélite e 15,5 mil horas para analisá-las é apenas uma quantificação em números do esforço realizado ao longo dos últimos quatro anos para contabilizar as emissões e as remoções de gases de efeito estufa (GEE) para o setor Uso da Terra, Mudança do Uso da Terra e Florestas (LULUCF, na sigla em inglês). Esse é um dos cinco setores que compõem o Inventário Nacional de Emissões e Remoções de GEE, que, por sua vez, integra a Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). O documento brasileiro, cuja elaboração é coordenada pelo MCTI - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações - foi submetido à UNFCCC em 31 de dezembro de 2020. No total, cerca de 400 especialistas de 200 instituições colaboraram na elaboração do documento.
Os estudos para estimar as emissões do setor LULUCF incorporaram ainda um novo mapa de carbono para o bioma Amazônia e compilaram informações de diferentes fontes oficiais. “Com a organização dessa complexa e robusta base de dados, gerados ou pré-existentes, o MCTI entrega à sociedade brasileira um conjunto de informações que permite compreender melhor a trajetória da dinâmica de uso e cobertura da terra no Brasil associada às emissões de GEE”, avalia o diretor Nacional da Quarta Comunicação Nacional do Brasil e coordenador-Geral de Ciência do Clima e Sustentabilidade (CGCL) do MCTI, Márcio Rojas
“Isso tudo é um investimento que o Brasil faz. O processo é tão importante quanto o resultado final”, avalia a coordenadora técnico-científica do setor LULUCF, Mercedes Bustamante, sobre as principais contribuições científicas. “O Inventário Nacional é uma ferramenta desenhada para se compreender o que significam essas trajetórias de mudança de uso da terra em termos de emissões de gases de efeito estufa. E, para se entender isso, é preciso compreender que tipo de vegetação havia ali, qual era o tipo de solo, quanto de biomassa estava associada a cada tipo de vegetação, quanto de carbono e nitrogênio estavam associados ao tipo de solo”, explica a pesquisadora, que integra a RedeCLIMA (Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais) do MCTI e também é professora titular da Universidade de Brasília (UnB), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e uma das poucas brasileiras integrantes do grupo de trabalho para o capítulo uso da terra do AR6 (Sixty Assessment Report) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que apresentará em 2022 uma atualização sobre a ciência mais atual disponível sobre mudança do clima.
O Quarto Inventário Nacional acrescenta à série histórica, que se iniciou em 1990, o período de 2011 a 2016. Conforme a metodologia do IPCC de 2006, os subsetores de LULUCF avaliados são: floresta, agricultura, campo e pastagem, área alagada, assentamento, outras terras, e produtos florestais madeireiros.
Para elaborar o panorama de uso e cobertura da terra, em termos quantitativos e espaciais (mapas), incluindo áreas urbanizadas e destinadas à conservação e à agricultura, entre outros, foram utilizadas as imagens geradas pelos satélites Landsat, da Nasa, e MSI/Sentinel A e B, da Agência Espacial Europeia (ESA). O processamento digital incluiu uma fase para eliminar imagens com nuvens. No mapa de 2016, apenas 0,02% do território não pôde ser observado. Na edição anterior, de 2010, elaborado ao longo do Terceiro Inventário Nacional, o percentual foi de 4%.
Ao esforço de mapeamento, base para calcular as emissões e remoções do setor LULUCF, foram associadas outras camadas de informações igualmente complexas e que consideram dados específicos para cada um dos seis biomas que caracterizam o território brasileiro: Amazônia (49,5%), Cerrado (23,3%), Mata Atlântica (13%), Caatinga (10,1%), Pampa (2,3%) e Pantanal (1,8%).
A segmentação por bioma visa expressar de modo mais fidedigno as características de cada região e, por consequência, ser mais realista nas estimativas de emissões e remoções de GEE. O mapa de estoque de carbono da vegetação é um exemplo disso. Além das variações entre os biomas, ele considera as variações de vegetação dentro do próprio bioma, tais como tamanho e espécie de árvores encontradas, e sua espacialização. Isso permite atribuir um estoque de carbono para cada hectare da vegetação do Brasil.
Em resumo, os resultados para o setor LULUCF do Quarto Inventário Nacional são originados a partir do cruzamento dos mapas de limites de unidades federativas e municípios; limite de biomas; estoque de carbono orgânico do solo; áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas); mapa de vegetação natural pretérita; mapas de uso e cobertura da terra para os anos de 1994, 2002, 2005 (somente o bioma Amazônia), 2010 e 2016; estoque de carbono da biomassa da vegetação dos diferentes biomas, entre outros dados complementares.
Esse cruzamento, utilizando os mapas citados, possibilitou gerar as matrizes de conversão de uso e cobertura da terra para os períodos de 1994-2002, 2002-2010 e 2010-2016 e, ao associá-las aos diferentes fatores de carbono, foram estimadas as emissões e remoções de CO2, de acordo com a transição de uso. Além disso, foram quantificadas as emissões de gases não CO2 associadas à queima de biomassa, bem como as emissões e remoções de CO2 por produtos florestais madeireiros.
O cruzamento de todos os mapas citados gerou ainda cerca de 23 milhões de polígonos, ou unidades de representação do território. Cada polígono apresenta informações do uso ou cobertura da terra dos diferentes anos mapeados, bem como das demais camadas, que incluem os tipos de vegetação, unidades federativas, carbono da vegetação, entre outras. A cada Inventário, esse mapeamento se torna mais complexo, uma vez que novas áreas antropizadas (com ação humana) são identificadas e áreas já antropizadas podem ser fragmentadas em novos usos. Na Terceira Comunicação Nacional (2016) o número de polígonos foi de 15 milhões, enquanto que na Segunda Comunicação Nacional (2010) esse número foi de 7 milhões.
A professora Mercedes esclarece que ‘contabilizar’ as emissões e as remoções de GEE do setor LULUCF é um processo complexo e que depende da cooperação de especialistas com conhecimentos e capacidades distintas para os seis biomas presentes no território nacional. A qualidade do mapeamento realizado no setor LULUCF foi validada por um comitê científico independente, formado por especialistas brasileiros externos à equipe. Para ela, essa participação institucional também é um legado à comunidade científica e à sociedade, à medida que permite reunir o conhecimento e as capacidades presentes em diferentes instituições de pesquisa distribuídas em todas as regiões do Brasil e formar novos especialistas.
“Dificilmente uma única instituição conseguiria construir o Inventário Nacional, pois precisa de diferentes especialistas nos diferentes biomas brasileiros”, avalia. “Ao mesmo tempo em que os especialistas são consultados, eles tomam ciência do que é um Inventário Nacional. Isso serve para multiplicar a capacidade nacional em ter especialistas que possam aferir esse tipo de informação”, complementa a coordenadora.
Atendendo às guias metodológicas do IPCC 2006, o Brasil considerou, pela primeira vez, em seu Inventário os dados de produtos florestais madeireiros oriundos da silvicultura. A estimativa apontou que o Brasil tinha, em 2016, mais de 11 milhões de hectares de florestas plantadas com finalidade comercial. Os cálculos dessa atividade consideram produção, importação e exportação de madeira serrada, painéis de madeira, papel e papelão dessas florestas plantadas.
Acesse aqui o infográfico sobre o setor LULUCF:
Acesse aqui o documento da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC: