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Chuvas extremas no Rio Grande do Sul envolvem múltiplos fatores, apontam especialistas
Região de Santa Maria (RS). Foto: Força Aérea Brasileira.
Múltiplos fatores podem ter contribuído para a ocorrência de chuvas intensas e persistentes que atingem o Rio Grande do Sul desde segunda-feira (29/04). De acordo com os meteorologistas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), unidades de pesquisa vinculadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), há fenômenos atmosféricos associados atuando simultaneamente sobre a região.
Segundo nota técnica emitida nesta quinta-feira (2) pelo Cemaden, os volumes pluviométricos registrados em 72 horas nas regiões de Santa Maria e de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, ultrapassaram 400 mm. Os acumulados foram registrados entre as 6h de segunda-feira (29/04) e 6h desta quinta-feira por estações do Cemaden.
A previsão é que as condições meteorológicas que provocaram os volumes extremos permaneçam nos próximos dias, sendo que a intensidade pode variar entre as regiões. Segundo a nota, os modelos meteorológicos mais confiáveis indicam que os volumes pluviométricos até o próximo sábado (4) poderão atingir ou superar acumulados de 250 mm, especialmente na porção centro-norte do Rio Grande do Sul. Também são esperadas precipitações volumosas no Oeste e Sul de Santa Catarina. De acordo com a nota, a partir de domingo (5) a situação deve perder força gradativamente, ainda com possibilidade de chuvas menos volumosas alternando com períodos sem chuvas.
Além das ocorrências de inundações que têm sido registradas nas bacias do Caí e Taquari, há indicativo de agravamento da bacia do rio Uruguai, que tem evolução mais lenta por conta da dimensão maior.
O Cemaden emitiu alertas classificando como Muito Alta a possibilidade de ocorrência de movimentos de massa nas mesorregiões Metropolitana de Porto Alegre, Centro-ocidental, Centro-oriental e Nordeste Rio Grandense. Até as 15h desta quinta-feira, o Cemaden havia emitido mais de 80 alertas para diferentes municípios gaúchos e catarinenses, sendo que 30 são de nível máximo (Muito Alto). A atualização contínua dos alertas pode ser acompanhada neste link.
Explicações sobre o volume de chuvas - Segundo o coordenador-geral de Operações e Modelagem do Cemaden, Marcelo Seluchi, as chuvas estão relacionadas com a ocorrência da “onda de calor” na porção central do Brasil, abrangendo as regiões Centro-Oeste, Sudeste e norte da região Sul. “A área de alta pressão atmosférica, com massa de ar quente e seco, não deixa as frentes frias avançarem. Então, as frentes frias ficam presas na região Sul”, explica Seluchi sobre a continuidade das chuvas nos próximos dias. O coordenador menciona frentes frias no plural porque envolve uma sucessão de frentes frias, que variam em termos de duração e o local onde estacionam. “Por isso a chuva tem certa variação no espaço e no tempo, entre uma frente fria e outra. A chuva varia de lugar para lugar, mas a situação como um todo persiste”, avalia.
De acordo com o meteorologista do CPTEC/INPE, Caio Coelho, o mapa da previsão climática conjunta publicada em 25 de abril, indicava volumes de chuva acima do padrão normal para a região Sul. A previsão indica sinais de El Niño, que mesmo enfraquecido, ainda permanece atuante, e também do aquecimento anômalo da porção equatorial oeste do Oceano Índico, próxima da costa leste do continente africano. “São as teleconexões ou conexões remotas”, relata Coelho sobre a denominação técnica da possível influência do Índico. O aumento de temperatura oceânica perturba a atmosfera sobre aquela região do Índico, gerando anomalias de circulação que se deslocam pela alta atmosfera em uma trajetória que passa pelo sul da Austrália, pelo Pacífico Sul até atingir a América do Sul. Assim, perturbações geradas remotamente podem influenciar as condições climáticas sobre a América do Sul. “Tem muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. É possível que a atuação de fenômenos de variabilidade natural do clima e a influência do aquecimento global estejam contribuindo para ocorrência de eventos extremos”, afirma.
O meteorologista e pesquisador do INPE, Gustavo Carlos Juan Escobar, avaliou as condições presentes na região para identificar os fatores meteorológicos que contribuíram para a situação das chuvas nas últimas 96 horas. Segundo a análise, uma massa de ar muito instável está presente em uma ampla área, envolvendo desde o nordeste da Argentina até Santa Catarina devido à atuação de Jatos de Baixos Níveis, que transportam ar quente e úmido da região amazônica em direção à área. Essa condição de transporte de ar quente e úmido está atuando com bastante frequência na região desde a primavera do ano passado. Na terça-feira (30/04), um cavado (área alongada de baixa pressão) de onda longa associado com ventos intensos em altos níveis da atmosfera vem afetando grande parte do estado do Rio Grande do Sul, favorecendo a formação de um sistema de baixa pressão em superfície. “A chuva intensa no estado gaúcho está sendo provocada pela presença de ar muito úmido e instável do cavado, que obriga esse ar a subir”, explica Escobar.